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LITTERIITURII, MUSICl E BaUS-illllES
LIITERATDM
MUSICA E BELLAS-MTES
POR
JOSÉ MARIA DE ANDRADE FERREIRA
80CI0 DA ACADEMIA REAL DA8 SCIENCIA8
E DE OUTROS INSTITUTOS LITTERARIOS DE HESPAMHA B DO BRAZIL
V\^^
C-
TOMO I
LISBOA
EDITORES -ROUiANI) & SEMIOND
3— RUA NOVA DOS MÁRTIRES— 3
• 1871
V.)
Typographia de Sousa Neves— Rua da Atalaia, G7
^fS'õ:i.a -/ ?c^
INTRODUCCÃO
Debaixo do titulo de Litteratura, musica e bellas-arles
collegi o que reputo de melhor nos meus estudos críti-
cos, acerca d'estes differentes ramos, estudos que tão dis-
persos andavam em variadíssimas publicações periódicas
saidas a lume em épocas bem distantes já.
O volver do tempo é de certo um seguro elemento de
imparcialidade para o julgamento de nossas obras, e por
isso, relendo hoje estes meus escriptos, e outros muitos
que condemnei ao esquecimento, doze ou quatorze an-
nos depois do seu primeiro apparecimento, quasi me
julgo um estranho apto para os apreciar e julgar, como
se foram saidos de penna alheia.
E realmente, quando outro mérito não possuíssem
estes trabalhos sobre os nossos escriptores, sobre os nos-
sos homens públicos e artistas mais notáveis em tão op-
6 INTRODUCÇÃO
postos empregos da imaginação, ou sobre o effeito na-
turaldas luzes do mundo culto, reflectidas nas nossas
lettras e artes, e até esparzidas em todas as outras insti-
tuições que naturalmente se desenvolvem com os pro-
gressos intellectuaes, um mérito resulta inquestionavel-
mente d'este conjuncto de apreciações singulares ou com-
plexas, que é entrever-se, atra vez de tantos esboços bem
pronunciados, ainda que não completos, nem ligados, a
nossa historia litteraria e artistica contemporânea, sur-
dindo aqui e alli, nos seus vultos mais característicos e
concepções mais fecundas e impulsivas.
Este merecimento encerra-o de certo esta obra. E o
influxo de circumstancia que animou alguns d'estes qua-
dros, no que elles o poderiam receber do espirito e sen-
timento de occasião, como que se hade egualmente tran-
smittir ao leitor, què assistirá agora, como nós assístihios
então, á iniciação dVsses talentos, ou ao triumpho de in-
vencíveis audácias litterarias.
E debaixo d este ponto de vista que este meu livro
se tornará sympathico ao leitor de hoje, ainda mesmo
áquélle que não aprofunde os segredos das lettras ou das
artes.
Não é só uma galeria critica este meu trabalho, é
também um trecho da historia do movimento dos nossos
talentos, nos últimos ijuinze annos, manifestada no que
élla possue de mais brilhante e attractivo para as intelli-
gencias esclarecidas, no poema, no romance, no drama,
ha eloquência politica e sagrada, na musica, nas artes
do desenho e nas artes scenicas, n'uma palavra, em tudo
que podem produzir de instruclivo, e também de delei-
omiODiiGcIo T
tavel, as cogitações do espirito e os raptos da imagina-
ção.
E com que saudade, d'este quasi desterro das lettras
«a que fatalissimas circumstancias me votaram, eu não
lanço os olhos a essas paginas em que puz o melhor
da minha vida, e que ao presente offereço, como meu
testamento litterario, áquelles que ainda as quizerem
ler e acolher com boa sombra 1
A que caprichos está sujeita a vida do homem!
Feliz aquelle que acertou com a sua vocação, e a pô-
de seguir, chegando a ver reflorir todas as suas espe-
ranças !
ANTÓNIO FELICIANO DE CASTILHO
Dos estudos das lettras gregas e latinas.— Falsos princípios da iitteratura
mythologica.— A imitação em lucta com a natureza e missão da verda-
deira poesia.— Do clássico e do romântico.— A escola moderna e o gé-
nio poético de todos os tempos.— A paraphrase dos Amores de Ovídio
pelo auetor dos Ciúmes do 5ardo. — Ovídio e o seu poema.— Analyse do
poema e da paraphrase.
Serão os estudos clássicos despresados pela nossa época?
Eis uma pergunta que pode resumir, sem esforço, o qua-
dro das tendências litterarias e, por conseguinte, o quadro
dos systemas de ensino d'esles três últimos séculos, quando
se queiram explicar os princípios que toem determinado as
diversas alternativas por que tem passado o gosto das bel-
las lettras, durante o curso de todo este tempo. Seria o re-
sumo da historia dos eíTeitos da renascença grega e latina,
que, pelo excesso natural em todas as reacções, levaram o
culto da. antiguidade a inaugurar a imitação das suas obras
como único e tyrannico dogma para todas as concepções da
iitteratura e das artes, e egualmente seria a historia dos ef-
feitos da restauração das tradições nacionaes ou o chamado
movimento romântico, que deu em resultado esta indifferença
apparente para com os auctores antigos.
Mas não ha indifferença, e ainda menos desprêso para com
os bons modelos da Grécia e Roma ; porque, se houve épo-
ca em que se estudasse a antiguidade, os seus historiado-
res, os seus poetas, os seus philosophos e os seus orado-
res, é esta nossa época. Porém, estudo escrupulosamente
analytico, sem paixão nem idolatria, de certo, mas por isso
10 LITTERATURA
também sem nenhum dos desvios a que levam o espirito os
resultados de taes influencias, que oftuscam sempre a rasão
e a precipitam em aberrações, que depois intentam tornar
em princípios de escolas que nâo. podem deixar de ser fal-
sas, e de estylos que hão de ser sempre viciosos. Bastam as
obras de Levesque, Beauforl, Niebuhr e Merimèe, de auda-
ciosa reconstrucção histórica, e os excellenles quadros de
critica litteraria de Baranle, Schelegel e Fouriel, e a vasta
collecçÉo de versões de Patin e Nisard, para demonstrar
que estes nossos tempos apreciam, como devem, a antigui-
dade, tanto no que ella pôde amestrar-nos, como lição da ex-
periência, como no que offerece de fecundo para os voos da
imaginação moderna.
Quem ousaria negar que os allemães, principalmente, são
os mais admiráveis operários de todas as minas clássicas?
Ninguém, como elles, se tem dado a escavar tão fundo os
campos da antiguidade; e depois de percorridos, explorados
e revolvidos por elles, ninguém irá tomar-lhes a dianteira
n'esses trabalhos de investigação, e longa e insistente porRa
erudita. Os únicos nomes de Voss e Ghristiano Heyne resu-
mem a confirmação de tudo o que se possa aflirmar a este
respeito.
 antiguidade não esqueceu, como dizia ha annos um emi-
nente critico francez, analysando a versão da Iliada, por Eu-
génio Bareste; nem tão pouco se apresenta como uma no-
vidade, em cada obra que nos possa offerecer o espírito
investigador consagrado á historia, ou o linguista applicado
á trasladação dos primores poéticos dos séculos de Péricles
6 de Augusto, ou o philologo dado á comparação dos gran-
des períodos de transformação litteraria. Nunca a Âllemanha
e a França, a Inglaterra e a Bélgica tiveram, como agora,
mais eruditos e escrupulosos talentos occupados n'este gé-
nero de applicação, convertido, depois nos lyceus e nas uni-
versidades, em lições oraes, que a analyse da alta critica
de Villemain, Walckenaer e Daunon desenvolveu em perspe-
ctivas, onde os génios privilegiados apparecem como glo-
riosas personificações da fecunda marcha dos factos e das
luzes, chamada diffusão dos conhec/imentos humanos.
A verdade, porém, é que os auctores clássicos decaíram
do seu dominio, mas não da sua valia. Não reinam como ty-
rannos despóticos nos espíritos: occupam apenas o logar
que lhes pertence no pantheon das leltras. Hoje esludam-se
UTTERATURA 11
OS monumentos da litteralura gref^a e romana, como magní-
ficos exemplares de magestosa simplicidade de estylo, e co-
mo origens que encaminham o philologo em muitas das suas
deducçSes mais ilUistradas; mas nâo se decoram e imitam
como modelos de cujos perfis o talento inventivo moderno
não possa afastar-se, nem uma linha, sem incorrer nos ana-
themas dos aristarchos de alguma nova Crusca ou Sorbona.
A critica moderna respeita os séculos de Péricles, e de Au-
gusto, como respeita os séculos de Le3o X e de Luiz XIV,
e as quadras tão fecundas e florescentes, para todas as crea-
ções do espirito e da imaginação, dos reinados de Carlos Y,
em Hespanha, da rainha Isabel, em Inglaterra e de D. Ma-
nuel, em Portugal. É inqnesiionavelmenle de todos estes pe-
ríodos, que s3o como grandes illuminações resplandecendo
no decurso das edades, que se forma a historia litteraria:
são os seus capítulos mais luminosos. Mas a excellencia de
qualquer d'elles não lhes poderia dar em tempo algum o di-
reito de despotismo sobre os outros. A poesia, principal-
mente, que não é outra cousa senão o reflexo dos movimen-
tos de alma, illuminados pelos esplendores da phantasia,
nunca pôde ser nem uma copia, nem uma reproducçâo. É
preciso que reproduza o estado do nosso espirito, para ser
verdadeira. E é por isto que a poesia mytbologica nunca foi
uma poesia popular, porque não a podemos considerar se-
não como a expressão, na índole e na forma, de uma civi-
lisação que passou. Que sabe o nosso povo, ardente e con-
templativo filho da península hispânica, creado ao acalentar
das lendas das mouras encantadas, penteando-se com o sea
pente de oiro, e das boas ffidas que nos fadaram, com a sua
varinha de condão, que sabe elle d*essa comitiva de divin-
dades pagãs, que formam o mylho de outras crenças reli-
giosas, que são o emblema de oppostas idéas scientificas so-
bre as forças da natureza, que resumem emfim e symbolisam
uma civilisação hierarchica e sacerdotal, materialista e exte-
rior, completamente distincta da indole, instinctos e progres-
sos das nações modernas?
É mister dizel-o e insistir constantemente n'esta asserção
porque é exacta: a escola mytbologica fazia uma espécie de
violência moral aos tempos modernos; e esses esforços ori-
ginaram a litteratura falsa, esterílisadora, abortiva e piegas»
em que o poeta não podia deixar voar a alma ou palpitar o
coração, que não fosse regulando esses desabafos pela bitola
12 LITTERATURA
dos preceitos aristotélicos. Nenhuma paixão merecia as bon-
, ras de poética, sem que primeiro passasse pela chancellaria
da deusa Vénus; e o amante apaixonado, se quizesse tornar-
se querido da sua bella, tiíiha de apetrechar-se de carcaz e
de boa provisão de frechas, aliás expunha-se a passar pelo
desayre da sua ternlira ser tida por... menos clássica. A tra-
gedia, da mesma sorte, não podia sair dos domínios das
Clytemnestras è dos (£dipos, únicos entes privilegiados que
reuniam em si os grandes dotes patheticos da ternura e da
piedade. E porque Voltaire se lembrou um dia de que na
historia moderna também poderia haver desventuras dignas
das sympathias das platéas, a censura académica gravou-lhe
o ferrete de tragedias mixtas, na sua Zaira e no seu Tan-
credo. Se até aos heroes da epopea foi prohibido sacudirem
a fronte mais de três tezes, só porque foi este o numero de
movimentos que Achilles e Ene.is deram á cabeça em certas
occasiões solemnes, segundo o leslemunho de Homero e Vir-
gílio!... O imitatoreSf servum pecus!
Eis a que apuros de ridículo chegara o fanatismo da imi-
tação 1
Em regra, tudo que é systemalico é convenional, e tudo
que é convencional degenera em mais ou menos falso. Este
principio, tão verdadeiro em politica e moral, torna-se ainda
mais verdadeiro e absoluto na poesia, porque a poesia, não
podendo deixar de se inspirar do elemento humano, tem
por força de reflectir a actualidade, para que o sentimento
e a inspiração sejam os verdadeiros fogos que a animem.
A poesia, diz Edgar Quínet, apesar de lhe chamarem fic-
ção, tem muitas vezes mais precisão da realidade do que a
própria historia. Como será possível prescindir do ele-
mento positivo, do elemenle verdadeiro, na mente do poeta?
Se cada época não tivesse as suas necessidades de desafogo
intimo, se cada povo não se sentisse impressionado, segundo
os acontecimentos da vida externa que o impressionam, nunca
o talento poético teria produzido Childe Harold, e os poemas
de Ossian, e de Anlar, três obras que são, duas d ellas a
imagem épica do viver de dois povos, e a outra a expressão
vehemenle da lucta interior de um século. Se o principio da
imitação devesse ser um dogma em litleratura, Dante copia-
ria Homero, Milton reproduziria Dante, e Camões plagearia
Milton, e a posteridade, em vez de admirar a Divina Come-
dia, o Paraizo Perdido e os Lusiadas, teria apenas de ce-
LITTER ATURA 13
der á influencia soporifica de uma espécie de Ulisséa conti-
nuada. Gabriel Pereira de Castro seria o único engenho que
haveria resolvido o problema dos destinos da poesia. Mas
isto era renegar a inspiração, faculdade divina do talento;
seria renunciar a originalidade, a qualidade mais digna e no-
bre de todos os productos da actividade humana. Era o
statu quo trazido para os domínios intellectuaes, o que
corresponde á negação até dos mesmos progressos da scien-
cia. Para melhor dizer, a escola mythologica dispensava a
imaginação, o que equivale a dizer que dispensava a própria
poesia.
A. arte, como a natureza, não se repete: já o disse ma-
dame de Staêl. Mas esta máxima, tão verdadeira em assum-
ptos de imaginação, havia esquecido aos escriptores do sé-
culo XVII, e até aos mais audaciosos reformadores do século
XVIII.
Cousa singular! O século xviii apresenta o espectáculo ex-
traordinário de uma audácia sem limites nas regiões do pen-
samento, e de uma excessiva timidez nos domínios da phan-
tasial Voltaire, que é a expressão prodigiosa d'este duplo
caracter, como philosopho nada detém a sua analyse teme-
rária, e como poeta e critico pára diante de qualquer con-
strucção nova de lingua, toda a imagem arrojada o intimida,
as próprias audácias sublimes de Corneille o amedrontam.
Este contraste entre um idioma que empobrece e se despoja
das próprias galas, e um pensamento que se abalança a tudo;
esta opposição entre uma imaginação sem azas e sem voos,
de uma poesia sem ideal, sem amor, sem fogo, que não se
ergue nem até ás magestosas alturas do culto de Deus, nem
ás magnificências da natureza animada, e uma phílosophia
que aspira a transmudar a face do mundo, é ainda um dos
lastimáveis resultados, não só do génio da analyse, que, im-
pellido pelo sopro da philosophia materialista, havia esteri-
lisado as faculdades imaginativas, mas egualmente um resto
de influencia das doutrinas que aconselhavam a copia dos
antigos como única theoria litteraria acceitavel.
O principio fundamental doesta escola resnmia-se na im-
mobilidade, porque, como theoria, a imitação nas artes, não
quer dizer senão a negação do progresso. Nas épocas de
Péricles e de Augusto resumiram toda a perfeição. Fora
d'estes séculos de selecção, o engenho poético, novo Lúci-
fer precipitado da mansão dos escolhidos, foi desberdado do
14 LITTERATURA
raio da inspiração. A todos que vieram depois só ficou a ta-
refa de adorar os idolos consagrados, e imitar-Ibes, de lon-
ge, as graças e os sorrisos, se acaso iiouvesse felizes que tanto
podessem lograr.
Segundo esta convicção, parece que a noente do poeta
se esteiilisára, e que este, timido, pelo deslumbramento
das bellezas homéricas e virgilianas, ou convencido da sua
impossibilidade para alcançar produzir obra que se lhes po-
desse comparar, se ficara de joelhos e mãos erguidas na
adoração admirativa de taes portentos. O que nos não di-
zem os sectários d*esla doutrina é se o espirito humano pa-
ralysou em todas as suas outras faculdades, desesperado de
poder caminhar mais além. Por acaso, as sciencias, e todos
os outros auxílios e complementos da civilisação, permane-
ceriam n'esta desesperança de poderem conquistar o fructo
das suas largas e generosas ambições? Pararia a humanidade
eGfecti vãmente? Mas não, que ahi surge a historia, e nós to-
dos, para protestarmos, com os documentos na mão, com
os progressos das sciencias, com os progressos das artes,
e com os próprios progressos, das lettras, contra essa dou-
trina estéril, á força de mingua de forças, que não é outra
cousa a humildade com que se prostram os seus partidários
ante o passado, e a desanimação com que volvem para si
os olhos, reputando-se incapazes de produzirem melhor ou
egual.
O progresso é a lei geral da humanidade, e, como todas
as outras potencias do espirito, a phantasia poética não
pôde ter dobrado as azas e abatido os voos. Le monde mar-
che! é esta a these luminosamente desenvolvida pelo racio-
cínio vigoroso de Eugénio Pelletan, e todos os dias encare-
cida pelos exemplos dados pelas forças' renasceu tes da acti-
vidade do homem. Caminhar e progredir é a vida, a lei e
a necessidade da raça humana. A mulher de Loth só porque
se entreteve a olhar para traz, ficou estatua. A paralysação
do pensamento é como que a petrificação do corpo. X im-
mobilidade equivale á morte. Este exemplo biblico pôde ser
a parábola dos sectários do estacionamento nas lettras: vol-
tados para o passado, e entretidos em admirar os monu-
mentos do génio antigo, são estatuas no meio da marcha rá-
pida e impulsiva da imaginação. Dão a lembrar aquelle caso
de Raphael Riario, cardeal de S. Jorge, que, julgando ser
uma obra antiga a estatua do Amor adormecido, de Miguel
UTTBRATURA 15
Angelo, a comprou por 200 ducados, mas sabendo depois
que era trabalho do auctor do Moysés (note-se, do immoF-
tal auctor do Moysés), desfez a comprai... Sao espíritos
que desconfiam do presente e do futuro, concentrando-se na
admiração do passado. Estranho culto este, que, para exal-
tar os mortos, passa por cima dos vivos, despresando-os t
É com o holocausto dos modernos que sacrificam aos anti*
gosl O nosso Manuel de Faria e Sousa empregou o melhor
da laboriosa e encyclopedica erudição que possuía em pro-
var, no grande in-folio dos Commentos de Camões, que os
mais excellentes logares dos Lmiadns eram imitados da
Eneida e dos poetas italianos antigos. Pobre Luiz de Ga*
mões, se fosse este o teu único mérito I
O padre Lebossu fez mais ainda que Faria e Sousa, por-
que tentou sujeitar o futuro das lettras á esta idolatria do
exclusivismo litterario: arrebatado pela leitura da Ilíada,
da Odysséa e da Eneida, e notando n*estes poemas narra*
tivas combinadas de certa maneira, um certo maravilhoso»
tempestades, e sonhos, formulou uma espécie de receita
para a composição geral dos poemas épicos de todos os
tempos e de todos os povos I . . •
Vejam se isto não era uma monomaoia!
A imitação é sempre um symptoma de decadência. É ge-
ralmente nas épocas eruditas, isto é, n'aquellas em que o
espirito do homem, privado dos favores da inspiração, se
concentra no estudo e exame dos bons modelos antigos, como
querendo supprir com o fogo do estro alheio as forças crea-
doras que lhe fallecem, que predomina este systema. Aris-
larcho e Quintilliano apparecem muito depois de Homero e
Virgílio, e o próprio Laharpe começa a publicar o Lycéo
quando já téem expirado de todo os echos de acclamação
que proclamam os auctores da Phedra e do Tartufa.
Estas reflexões que ahi ficam lançadas ao correr da penna,
não importam o elogio directo, e sem restricção, da escola
chamada romântica, como aquella que naturalmente se con-
trapõe ao fanatismo da imitação clássica. Gondemnamos este
systema, não pelos auctores tomados por modelo, que res-
peitámos e de quem reconhecemos a utilidade indispensável
ao aperfeiçoamento da educação litterária, mas condemna-
mol-o como tbeoria exclusivista ; e se a escola moderna ti-
vesse por íima imitação servil dos escríptores que são ti-
dos por seus coripheus, como por exemplo SchiUer, Victor
16 LITTER ATURA
Hago, Lamartíne, Manzoni, Espronceda, o duque de Ribas»
visconde de Almeida Garrett, egualmente a condemnariamos,
porque em todas as manifestações da arte, a imitação, ele-
vada a theoria absoluta, produz sempre a morte da própria
arte e torna-se o cadafalso do talento.
E n'este ponto estamos de perfeito e amplo accôrdo com
o que diz o illustre paraphrasta dos Amores de Ovidio, n*uma
parte do seu prologo. N este notável trecho, assim como
nos commentarios, apostillas e notas que seguem no corpo
da obra, reina inquestionavelmente, amenisada sim, e talvez
envolvida nas graças de uma ironia de espirito eminente-
mente culto, mas reina de certo uma intenção de polemica,
em que a saudade dos séculos áureos exacerba o animo do
illustre escriptor, e o dispõe para despedir não poucas fre-
chas aos bardos da nova insurreição litteraria, que se téem
desmandado no culto excessivo dos patriarchas da sua reli-
gião. Nas palavras do sr. Castilho, os vates foragidos pa-
recem desafogar, e vingar-se da proscripção a que foram
votados, palavras que aliás os nossos tempos devem ar-
chivar, porque as dieta muito saber, e um digno e en-
tranhado sentimento de amor ás boas lettras. Mas escute-
mos o grande poeta:
«A litteratura clássica era universal, era única.
aJá as águias de Roma tinham desapparecido, e ainda os
cysnes romanos dominavam por toda a parte.
ft£m pleno christianismo, a Europa escriptora era ainda
pagã.
«Devia chegar tempo em 'que a reacção, por mil causas
determinada, acabasse com o predomínio.
Outras idéas, outra moral, outras sciencias, outras insti-
tuições, e por consequência outro pensar e outro sentir,
trouxeram novas artes, nova litteratura.
«Era revolução: devia ser destruidora, ambiciosa, intole-
rante. Nada do pretérito d'onde saía, tudo para os futuros
indefinidos que lhe sorriam á imaginação.
«Como o Capitólio caíra, caiu o Parnaso; como se havia
proscripto a idolatria, também as lettras gregas romanisadas,
e como taes encarnadas já em todas as linguas cultas, foram
postas nas listas de proscripção dos Syllas e Marios da nova
escola.
«Deslembrou ou escureceu-se o que essas boas anciãs,
sempre juvenis, as musas, tinham contribuído para o aper-
leiçoamento deatas mesinas lioguas : (;aQâemnaram*n'a9 ao
peior de todos os suppUcios, ao ridículo. Foz-se do Oiympo
•despovoado om porto fraiico ; sobro as ruíDas do Paottieon
4ripud)ou-se ao sabor de todas as pbantasias.
«Gaobou-se mais do que se perdeu? Perdeu^se mais dp
-que se ganhou? Ganhou^se muiCo, perdeu-se muito. Outro
século fará o balanço; mas a traaaformação era inevitável;
^ra providencial; harmonisava com mil outras metamorpho-
;ses, todas mais ou menos progressivas: acceitamo*la como
um progresso.
«Hoje que a primeira febre e os ódios injustos da insur-
reição estão passados, póde-se já pedir a amnistia para 03
mates foragidos.
«Nao são elle$ os parentes e 0$ predecessores dos trovar
dores e bardos da nossa edade?. Predestinados pelo génio
mesmo da natureza» para viverem em todos qs tempos, coa-
^idadãos de todas as gentes» reivindiquem os seus impra-
:scripliveis direitos de cidade. No meio do estrépito dos alaú-
des românticos, resoem novamente as lyras clássicas.»
Resoem embora, acrescentaremos nós, mas como uma
harmonia pura, que venba unir-se demais aos nossos con-
certos, e que sirva para lhes segurar a pureza de afinação
a todos os instrumentos, e não para os chamar a um único
tom e determinar a natureza dos themas musicaes. N'esse
ponto è que as lyras clássicas já não podem revocar o an-
tigo domínio, porque para isso seria preciso transmudar as
condições especiaes das épocas presentes, que, como bpm
disse o sr. Castilho, téem outros gostos e predilecções, 0^
quaes o illustne paraphrasta de Qvidio acceita como um pro-
gresso, e acha até providenciaL
Mas como é que o sr. Castilho, que confessa que esta re-
volução litteraria se operara pela pedirem outras metamor-
phoses, todas mais ou menos progressivas, e derivadas de
aspirações que exprimem e caracterisam o espirito moderno,
como é que affirma' que a phase poética, inaug.urada de-
pois, é uma pbase- que se esterilisou na impotência dos seu&
próprios esforços?
<cA poesia moderna, asseveramol-o affoutamente (diz o
erudito vate), já pasce menos do que rumina, ou, se que-
reis mais nobre comparação, passou os seus dias de traba-
lho, produziu o seu mundo, viu que estava bom, e .n'essa
visão beatifica se fiçou.i»
TOMO 1 2
lo íjUnttLAttlikk
É n*TStò qtíe sé niodèiâ os evspíritos ^consagrados, com exã-
gèfãç3ô qtiasr exclusita, ao eullo das lettras antigas. A poe-
sia romântica está snjeita a passar por crises de estéril i(ÍNide^
ou lethargia, como toda a escala vegetativa e animal as pa-
dece de hrbernaç3o, mas não se tnSra d'esse facto um es-
tado compteto de atonta ^ À poesia romântica põde desfatle-
cer, nlas nSo morre nem se exhanre, porque é veixladeira,
porque se nutre e íftspíra de princípios activos, porque
é a expres&fão do nosso sentir e pensar. E é por isto que a
escola moderna n3o produziu o seu mundo, e, vmJo que
elle estava búmy se ficou rCessa visão beatífica, como com
delicadla e eplgrammatica ironia assevera o sr. Castilho. Se
o fim da escola moderna fosse achar somente uma fófma
poelíèa, se fosse resolver uma simples e mera questío de
arte, n^este caso poder-se-hia aflSrmar aíToitamente qué,
achado o seu mundo, n'essa visão beatifica se ficou; mas as
tendências, mas as necessidades, mas os intuitos doesta trans-
formaçSo poética, que ní3o são outros senio om resultado
das idéas espiritualistas e de liberdade do christianismo,
combinadas com as tradições da inspiração popular das
nações modernas da Europa, \^o itíais longe, porque re-
ceberam raizes das tradições e elementos dos idiomas e
das litteraturas meridionaes. São as inspirações estheticas,
filhas da civiiisação christã, actuando no génio dos povos
do novo Occidente. kO romantismo, escreve Victor Hugo,
tantas vezes mal definido, n^o é, avaliado absolutamente (e
é esta a sua definição real), senão o liberalismo em littera-
tura. Esta verdade foi já comprehendida por qnasi todos os
espirites esclarecidos, e este numero é grande; e em breve,
porque a obra está adiantada, o liberalismo litterario será
tão popular conio o liberalismo politico. A liberdade na arte
e a liberdade na sociedade, eis o dúplice fim que deve coo-
graçar no mesmo empenho as intelligencias consequentes e
lógicas.»
Flegel explica este impulso de renovação nas artes e nas
léttras de uma maneira assas metaphysica, mas egualmente
verdadeira. O desenvolvimento do espirito, àh este critico,
que por não caber dentro do molde estreito dos sentidos,
tende a procurar as mysteriosas e elevadas harmonias que
se combinam com a porção mais pura do nosso ser, é o
principio fundamental da arte romântica. E é efiectivamente
este indefinido de ascensão para espheras de perfeição des-
LITTERATUEA 10
conhecida, é este impulso interior qne nos eleva a alma nos
maiores arrebatamentos de uma contemplação qne os sopros
da melancolia bafeja, como se o véu de trísie/^a da con*
vicção do nosso nada viesse envolver-vos a imaginação
nas sombras de uma desesperança infinita, é esta necessi*
dade, emQm, de desafogo de nós outros, geração abalada de
profundas e acerbas convulsões moraes, que imprime um
caracter peculiar na litteratura moderna.
O espectáculo das perturbações civis, as violentas agita*
coes que téem trazido calastrophes lamentáveis ao seio das
famílias, a vida de príncipes immolada em cadafalsos, como
holocausto de instituições sobre que se ergueu o braço ar-
mado das revoluções, a lembrança de augustos ínfortuni os,
parte de uma sociedade politica destruída e deixando do^o -
rosas impressões, a necessidade de desafogar muita dór mo-
ral, numa palavra todo este espectáculo de fragilidade hu-
mana e transformação social resume as causas doestas ten-
dências peculiares dos espíritos, causas que nunca deixam
de transpirar na litteratura, como a sua expressão mais na-
tural e característica- «Todos os tempos são influenciados
por um espirito e uma paixão, escreve Villemain, no seu
Curso de litteratura. O espirito, só, opera as cousas triviaes
da vida activa: e a paixão prepara os grandes pensamentos.
O espirito impelle os homens que trabalham na scena do
miundo; e a paixão inflamma os poetas e os escriptores emi-
Dentes, e os próprios philosophos. A paixão da fé (que esta
expressão nos seja relevada), o sentimento religioso, elevado
ou descido até á paixão, dominava a alma de Fenelon e de
Bossuet, e ambos lhe deveram a sua eloquência.
«Pois também o espirito religioso, mas tomando outra
fórma, o espirito meditativo, melancólico, será a paixão da
nossa edade. As melhores obras da época presente trazem
comsigo o «cunho d'este influxo. Doesta sorte, o romance do
Réné, que citamos aqui com intenção puramente philoso-
phica, é talvez o mais belio livro de imaginação produzido
de ha meio século para cá. £ porquê? Porque foi um honoem
de génio que o escreveu, e o mundo todo que o compoz.
É este o género de originalidade permíttido ao nosso século:
é a inquietação meditativa, natural a uma civilisação avança-
da, que se patenteia em todas as expressões d'este drama
singular. São pensamentos que não tinham sido percebidos
até então. No século iv (desculpeim-nos estas divagações), no
20 UTTBRATinU
século IV notava-se nas obras dos christaos o vislumbre de
uma paixão nova, de uma insaciável curiosidade dos destinos
do homem, de um desdém da terra, de um impulso para
o céu: eis o que se manifesta nas obras de Gregório Nazian-
zeno e de Agostinho. No fim do século xvni, debaixo de ou-»
tra forma, é o mesmo desgosto da vida commum, é a mesma
esperança de uma perfeição desconhecida; é, finalmente, ao
mesmo tempo a agitação e o aborrecimento, que predominam
as almas. Parecenos que esta natureza de sensações verda-
deiras, reaes, não sendo uma paixão de gabinete, se deve
communicar de certo á poesia, e que nada apparecerá de
elevado e verdadeiro, nas artes de imaginação, na eloquên-
cia ou na poesia, que não seja impresso doesto caracter.»
Q mesmo Cháteaubriand explica este sentimento, que
Villemain attribue ao espirito religioso, e talvez derivando-o
das suas causas mais genéricas e próprias.
a Resta fallar, diz este escriptor, do estado da alma que,
segundo nos parece, não foi ainda bem observado: é o es-
tado que precede o desenvolvimento das paixões, quando
as nossas faculdades juvenis, activas, inteiras, mas compri*
midas, não trabalham senão sobre si mesmas, sem fim, e
sem objecto. Quanto mais os povos avançam em civilisação,
tanto mais este estado vago das paixões augmenta; porque
acontece então uma cousa assas lamentável : o grande nu-
mero de exemplos que se nos offerecem aos olhos, a mul«
tidão de livros que tratam do homem e dos sentimentos que
lhe são próprios, tornam-nos senhores de todos os segredos
da humanidade, sem possuirmos a sua experiência. Senti-
mo-nos desilludidos sem havermos gosado: ainda restam
desejos, e já fugiram as íUusões. Â imaginação é rica, abun-
dante e maravilhosa, e a existência pobre, ávida e sem en-
cantos. Com um coração cheio, habita-se um mundo vasio ;
e sem termos disfructado a mínima cousa, sentimos o fastio
de tudo.
«Â amargura que derrama sobre a vida este estado da
ahna, é incrível: o coração revolve-se e contrahe-se de mo-
dos infinitos para empregar as forças que sente serem-Ihe
inúteis. Os antigos conheceram pouco esta inquietação se-
creta, esta acerbidade de paixões suffocadas, que fermenta
todas juntamente. Uma larga e tumultuosa existência poli^
tica, os jogos do Gymnasio e do Campo de Marte, os acon-
tecimentos do Fórum e da praça publica, preoccupavam-lhes
LITTERATURA 21
todos os momentos e não lhes deixavam logar nenhum a
esta enfermidade do coração.
«Por outro lado, os antigos também eram inclinados ás
exaggerações, ás esperanças, aos temores sem termo, á mo-
bilidade das idèas e sentimentos, á perpetua inconstância
que não é senão um desgosto constante, disposições que
nós adquirimos na sociedade das mulheres. Ás mulheres,
independentes da paixão directa que originam nos povos mo-
dernos, influem também nos outros sentimentos. Ha na sua
existência um certo abandono que ellas transmittem á nossa :
tornam-nos o caracter de homem menos decidido, e as nos-
sas paixões, enfraquecidas pela mistura das suas, adquirem
alguma cousa de incerto e de terno.»
É exactamente* este o caracter e a origem do sentimento,
a que outros diamarão paixão romanesca da nossa época.
São estas as suas causas, são estes os seus efleitos, effeitos
exacerbados pelos desgostos de uma existência enlutada de
grandes catastrophes publicas, e transformações sociaes.
Este vago de paixão, este fundo de tristeza indeOnida, este
esvoaçar de esperanças sem norte que as bafeje e enflore,
que é um dos essenciaes característicos da poesia moderna,
encontra-se nas obras todas ^do auctor do Génio do Chris-
tianismo, e é uma das suas mais profundas personalidades do
sentimento moderno, porque Cbâteaubriand é ao mesmo
tempo o poeta, o nobre, e o partidário das instituições mo-
sarchicas que, no meio das ruinas da revolução de 1793,
busca o refugio da solidão dos sertões do Novo-Mundo,
onde o espectáculo grandioso dos aspectos da natui-eza pri-
mitiva, d'essa reproducção continua da imagem do inflnito,
lhe ensina os elevados destinos moraes da humanidade, e
grava na mente as figuras homéricas com que, nas horas
solemnes de recolhimento e fé viva, elle levanta a sua ma-
gnifica epopéa religiosa!
Lamartine é o mesmo. A meditativa e suave inspiração
da sua musa chrístã pôde comparar-se á lâmpada do san-
ctciario, que arde ainda por entre os restos dos mosteiros de-
molidos pelo furacão revolucionário. Disséreis aquelle seu sus-
pirar o génio da tristeza, que scisma sobre os estragos dos
desatinos humanos, e converte todos os enthusiasticos voos
da alma, e as próprias palpitações do coração, (^ hymnos
de glorificação á divindade infinita. Sempre este lyrísmo
que a saneia e casta unção da musa do christianismo puri-
22 UTTERATCmA
fica, que o sopro ardente das tradições patrióticas enche de
saudade, e que os transportes das paixões da vida animam
de palbeticos dramas.
Victor Hugo também vem reunir-se a esta familia de ge«
nios que personificam e traduzem as angustias e os desejos
do século presente. N'elle é a existência, com todas as suas
tempestades e bonanças, que se retrata e palpita nas estro-
phes do poeta, e o investe da tríplice missão de interprete,
evar^elisador e apostolo do seu tempo.
E n'esle s^^nlido quanto errados andam aquelles que cha-
mam ao romantismo um sentimento moderno ! Onde houve
homem que soíTresse, onde e^cistiu coração que ardesse
n'um aSecto puro, onde appareceu tradição patriótica que
iaflammasse o animo nacional, onde se viu a imaginação po-
pular crear uma mythologia legendaria, ahi se ateou este
suave angustiar da alma, esta visão esplendida do futuro»
este contemplar saudoso do passado, este sentir acerbo dos
destinos da humanidade.
Se n'outras eras o romantismo não formou escola, se não
conseguiu determinar uma face característica, foi porque a
isso se oppoz o predommio das lettras académicas. N^essas
eras, a poesia deixava de ser nacional para ser mythologica.
Mas toda a vez que o génio nativo pôde desaffogar livre,
appareceram os cânticos dos hebreus, muitos dos quaes a
liturgia christã aproveitou; appareceram as sagas poetisadas
pela phantasia lyrica dos scaldos» como no Coiéto de Ragnar
Ladbrock, 6 o Canto fúnebre de Haktm; appareceram aS
eddas da antiga Islândia; as tradições runicas entoadas em
canções pelos bardos scandinavos, e as lendas caledonícas
cantadas por Ossian ; appareceu o poema de Niehlun§em, os
poemas cavalleirosos do rei Arthur e da Tavola-redonda, o
Canto de Roldão, todos os outros poemas cyclicos de Car-
los Magno e o romanceiro do Cid ; appareceram os fragmen-
tos dos bohemios; o Robín Hood dos anglos saxonios; as
lendas dos serbos, e toda a vasta e amorosa plêiada de me-
nestréis e trovadores provençaes da edade-media, desde Be-
trand de Born até ao conde de Poitiers, entrando n*este nu-
mero de apaixonados alaúdes o do rei Alfredo, que entra dis*
farçado de menestrel no campo dos dinamarquezes, e At*
cardo Coração de Leão, que encosta á janella da prisão a
sua harpa de trovador, como diz com enthusiastica saudade
um historiador d'essas épocas de poesia, de gloría e de amor.
£ ainda aiém da edade-media» nas evM. aiitig«a, oas ema
bíblicas» o Bentimento i:om0nlico se.maDífe^ta^ Job. (jdoi&ap- '
4ú-se de sees Infortúnios, ecú^ tristeza fíio tQin copsolaçâo»
é o primeiro romanlíco da antigoidadis.
O santo rei David, quando do alto do Gadron deplora $p-
bre as cordas plangentes do sen psaUerio« as desgraças da
filha de Sião. apparece-nos de certo como o primeiro geoip
inspirado doesta patlietica familia de poetas elagiacQs» de qae
o aúctor das Medi(açõe9, séculos depois^ é^^o glorioM^ sqo
'Oessor. .
E não será Izaias, esse génio trtsie e fatídico» que fu)iQioa
^ impiedade do povo hebreu com os raioa da $w ^loqueo^
<}ia inflamaiada de imagens que nenhum esiylo lop^erno. fen^
excedido, não será o peeta terrivel que Qoa annuocia já a
'^rojado e propbelico auctor da L^gendán dos Séculos? .
£.lod(te os outros proplietas que são $efi30 outros ta^toa
românticos, na accepcão mais esp^iritoalisla e Apaixonada da
palavra?
£ quando se léetn as phrases do religiosos q/m^ Pfsrgqn*
tado pelo emprego que fuera da ^ua Içsnga solidão^ ri^pp^nr*
4e : Cagitmi dies antíiUos, et c^nuQS mtsvnQ^ in menta ^C*
bui. Dão «e abre ui» infinito diaqte dQ pM$a,miQnto^'É a
inspiração romântica accesa pelo jsentjflAento religiQW.
Mas em muUos ão$ escriptos- doa. saoios padres n^^a
mais se ibanifesia este sentimento com o caracter ideai e
e6(Mritualista que lhes mfirmm a$ luctaa da fói com os W
pulses lAquietoâ da curiosidade que interroga a nossa dupla
€ mysteriosa naiureaa^ duvidas <|ue a fé acaba por/iaCffícár
« converter em hymnos de adoracãp. Nem Bp^SMOl, nefln
Boordalde &o isentos doestas incertezas, áqnáQ depois saem
<Dai8 triumphantto em suas crenças religiosas.
Mas seja um .luminar da eloquência chrístã, no quarto seca*
to, .«(lie nos proporciooe a exemplo d e^ta ideaUsmo. Seja Sf
fincgorio Nazianzeno, o arcetbispo de Gonsiiantinopla, quando^
€em Qcoraçao a trasbordar de amarguras, jái longe do fiau^to
ém cortes e das intrigas dos ooncilips* pccupadQ: unicamente da
«cultura de um jardimi volve de novo i paii^aq pr^ilecta dp
poetar, ^ue tanto Ibe bavia enflorado dQ.dí|c^nlos os prir
meiros diuis da mocidade. Estas poesias sâo verdadeira^ (pa-
ditagões religiosas. Q^^ suave e meiga melancbolía nfiOF^p^
pir^ esta, de que abi trasladamos o segijiinte trecho!
.'4itoatem, aiorfioentado de meuspesarea* achí|va-me as^irár
24 LfTTEftATUItA
.tàdô á sombra de um bosque umbroso, só e devorando meu
coração; porque no cAmuio de meus males, acho lenitivo
em conversar no sacrário de minha alma. As brisas da tarde
misturadas com o trinar das a^es, derramavam um doce
somno do alto da copa das arvores, onde os rouxínoes can-
tavam, alegres com os últimos raios do sol, que estava a
desapparecer. As cigarras occoltas debaixo da herva, fazjam>
resoar toda a selva: um regato limpido me banhava os pés,
cotrendo suaveibente atravez do bosque, que refrescava. Mas
eu não sentia senão a minha dõr, e quasi não altentava n'este
j^ainel da natureza, porque, quando o animo está ferido
de angustias, debalde o prazer o disperta. Do turbilhão
éa minba alma agitada, deixava eu escapar estas palavras
que se combatiam: «Que tenho eu sido? Quem sou? Que
virei a ser? Ignoro-o. Nem m'o podorá dizer aquelle que
86 reputa mais sábio que eu. Envolvido em souEibras, va-
gueio por aqui e por alfi, nada profundo, nem mesmo o so-
nho dos meus desejos, porque a mente se anniquilta, tanto
què a perturbação dos sentidos pesa sobre nós;, e aquelle
homem que parece mais sábio que eu, talvez se deixe illu-
dir pela mentira* do seu coração. Mas, em summa^ que soo
eul Porque, emflm, o que eu era desappareceu de mim, &
boje sou outro e bem differente.
<E que s^ei amanhã, se existir ainda? Nada de duratel;
porque eu passo e me precipito, como o curso de um rio.
Dize-me, se julgas ser mais que isto, e, detendo-te aqui, olba^
antes que eu me dissipe de todo. Não voWem duas vezes
as mesmas ondas que já passaram : não se torna a ver o
mesmo homem que uma vez se viu.»
Aqui temos, pois, o sentimento fundamental da escola
moderna n^esta mistura de pensamentos abstractos e sensa-
ções intimas, n'este contraste da inspiração das perspectivas
da natureza com as inquietações de um peito atormentado
pelo enigma da vida. São de certo estes os froctos de uma
poesia contemplativa. É n'estas tristezas do homem que se
engolpha no abysmo de tão penosas cogitações ; é n'esies
TÕos de um idealismo desconhecido dos poetas antigos, por-
que tem por ponto de partida e por alvo os dogmas de uiaa
religião que não eram os d^elles, e que nos abrem um fa*
tttro de immorlalidade, de recompensa ou de condemnação
eterna; é emSm em toda» estas aspirações, jdéas e arreba*»^
ttinento^, que a Índole da nova^eseola tem \um vantagens
LITTBRATUKA 2S
r^eonhâcída UàbvQ a sua rival, porque» n'este pojito, o ro-
maBtbmo vive eom a humanidade e é ^expressão ardenle
de uma religião ç^piritualista.
E' 03a baverá n^esias hesitações das meditações de S. Gre-
gório, sobre a instabilidade dos nossos dias, e acerca do fu-
turo de uma vida melhor, já um anciado desabafo de me-
lancholia, que Gilfoert exprimiu, quasi da mesma sorte, pas-
sados séculos?
Au banquet de la vie, infortune convive,
.J'apparus un jour, et je meurs.
Je mèurs... et sur la tombe oú lantement j'arrive,
' . Kul ne viendra verser des pleurs.
Àdieu, champs que j'aimais, adieu, douce verdure,
Âdie»^ riant exil des bois,
Ciei, pavillon de Thomme, admirable aature,
Âdieu par la demière fois !
Assim vemos que as sentidas elegias do desditoso Mille-
voje, La chute des feuitles, Le bois détruit, Le poete mou-
rant, Larabe au tombeau de son coursier, são lamentos,
são incertesaS) são. inepirai^s e saudades que já a musst de
otttros tempos arrancava do corado e da mente a outros^
QaDtora&.
. E máim oqs almas bafejadas pelo sopro do cbristianisooip
a pbaníasia poética levanta esta natureza de voos; debai^a
doNproprioiofluxo.do potytheismo» o^nio dos philosopbos
e dos poetas, doestes philosophos pelo pensamento e pela
coraoio» se< maflifestaifii' €sias tendências irresistíveis. Soera-
t^e Rlatão, se fisessem versos, poetariam como Yictor Hugo
fi. iamartine. :: .
O pro^^río Vipgilio, esse. génio naturalmente grave, serio
6. meianòoilico, presagia este sentimento espiritualista nai sua
^gloga it^, á memoria de Galius* , tio apaixonada» e na qual
desabafam já os lamentos do auctor da infortunada Dido; e
m egloga aiPoUion, tão religiosa e sjtbíHiQa, q«ie prognos-
tica egualmeote as bellezas severas e sagradas do vi livro da
Emiáa. .
B ^ episodio ãBí líedéa de Apoílonius, de que Virgilio se
inspiroQ jpara a creaçâo da sua Dido» assiim como da Ariadna
deGatuHoi nS^.apresieiíta também verdfadeiros relan^os da
paiK8ô iinodema, e. até já, um vago e iad^Soivel fundo de
«ei^ibilidaâe, <}ualidade qoa» estranha. nos antigos?! .
£ tm S6ná libaUo, o mais affectuoso poçta latino» depois
26 LITTERATtnRA
de Virgilio, um coração melancólico e apaixonado* como Ber^
nardim Rib^ro, Beftin ou Malfiaire, quando dirige á siiat
Delia estes versos repassados de temurav noíV iquaes-íftaò
pedia para si seh^ uma choça e a pobreza, ntisturando Do
ideal da sua illusoria ventura estas imiagens agrarias?
Ipse boves, mea, sim tecum modo, Deli^t possinjL-
Jungere, et íq solo pascere monte pecus ;
Et te dum liceat teneris retinere lacertis,
Moilis et inculta set mihi somnus humo !
E que sentiniento mai;$. romântico nos pòdp offerecer a
actualidade do quo os ancores de Catullo com a sua Lésbia!
Como que se presente a inspiração seutimental, mas que
não exclue o império dos sentidos, de Alfrçdp de Musset,
n'este pensamento do lyrico latino:
Quum desiderio migo niteali,
Nesçio cjuid carum lui)eyocari, >
Et sollatiolium sui doloris. ' i
Â(p3i temos, portanto, o sentimentov a inspiração romaria
tfca, influindo até no coração e no espirito do* poeta. B se
este sentimento existiu sempre, e ainda mesmo nas prop^MS
ena^ do predominio do paganismo, como querem qae na
actualidade, que as disposições do animo pioetíco o alimen-
tam,, athahe elle o sm mimdo é se ficasse n'essa vis(U> f^ea*
tificaf '
Não flcou de cerio, porque o esfpíritualísmo e o amor»
poeáia cujas fontes brotam ambas da aima, são as éter*
nas e características inspirações da musa moderna. E èm
quanto o coração do homem palpitar, :6 á meote afcfra-
sada lhe arrebaftar essas palpitações ás regiões infinitas do
ideai, a poesia romântica ha de existir; ser fecunda e uni*
versai.
As palavras de VlUemain, (aliando de Os^ian, $2ío <;oiaa
â suprema sancçãoque nòs poderemos procurar a esta af>
firmativa. «E qual é a lição de gosto que sáe doeste eiam^V
pergunta o illustre critico. Êò conhectiÉento da necessidade
H&e a litteratura seja naciohal e contemporânea Bm toda$ as
^as tentativas;' Quando mesmo, para i Iludir o goslo dos
còntemporaneds, a imaginação basca uma flc^o longiqua*
quando se transforma, se disfarça, e occuita debaixo de uma
folsâ apparencia, é. pelos aooidentes actmés que agrada e
UTrEKATmA. tt
consegue ser poderosa. Fugi, pois, da imilação; fugi da lit-
teratura falsa e artificial; sede do vosso tempo pela vida e
pelas sensações, que também haveis de merecel-o ser pelo
talento. Sede homens antes de ser escriptores.v
Aqui temos uma grande opinião, que, em breves palavras»
resume e decide a questão. Sede homens, antes de ser es-
cripíores. Esta sentença abrange tudo que se pôde dizer em
abono da escola moderna.
Âpproximemonos, porém, agora do assumpto que moii*
vou estas considerações.
Ovídio é o cantor de todos os prazeres da vida, e, prin-
cipalmente, do amor, mas do amor lascivo, que se ateia e
apaga na satisfação dos estimulos sensuaes; amor como O
sentiam os romanos, e ao qual a Grécia, nos voos lúbricos
da sua imaginação voluptuosa, havia creado um culto, er*
giiendo-lhe templos em Amathonta, Lesbos, Paphos, Cy*
thera e Gnido.
Porém, Uvidio, génio fácil e abundante nas Heroides, pbait*
tasia opulenta e inventiva nas Meiamorphoses, tornára-se
QH)notono e plangente nas Tristezas^ e por isso com rasão
disse Gresset :
Jc cesse d'estiiQer Ovide
Quand il vient, sur des faibles toos,
Me chanter, picureur insipide,
De longnes lamentations.
É na Arte de Amar, e, sobretudo, nos três livros dos
Amores, que este fecundo engenho poético accumula os the**
soaròs da sua imaginação e encontra os assumptos predile-
ctos das inspirações d'aquella formosíssima musa erótica.
Sem possuir a paixão de Propercio, nem a sensibilidade e
a elegância concisa e conceituosa de Tibuilo, o seu eslylo^
eom particularidade n'esta obra, que é da sua mocidade,
possue a espontaneidade, a frescura, a florescência da edade
em que as illusões nos sorriem e desabroxam com a aurora
da vida. Os Amores são a historia do mancebo, CQJos dotes,
que tão perigosos foram para as mulheres do toa tempo,
predíspozeram as aventuras de que depois a pbantasia do
poeta formou quadros formosos de graça e voiuptuosidade,
mas a historia do mancebo que, ainda em annos impúberes,
perscrutina e explica já os arcanos do peito feminil, o que
(as que Marmontel assim o appellide:
28 LITT^RATURA
Enfaut gâté des muses et des grâçes,
De leurs trésors brillant dissipateur,
Et des plaisirs savant législateur.
 expressão do amor, nos poetas antigos, não a idealísa
o perfume da castidade, nem a eleva o sentimento do pu-
dor. E a rasão é porque a mulher, no seio da civilisação
d'aquellas sociedades, apresenta-se meramente como um in*
slrumento de prazer. Esta consideração, aprofundada, resu-
me talvez a analyse da existência moral e social do povo
grego e romano; porque, no modo porque era avaliada a mu*
Iber, estão implícitas, mas quasi incluidas, as teis das so-
ciedades pagãs, e os princípios dós seus cultos polytbeis-
tas.
A ausência da castidade no amor é o primeiro indicio
das civiiisações e litteraturas que o christianismo não puri-
ficou. E não só em épocas antigas, senão em modernas.
Não tratando das poesias e outras obras com que Anacreonte,
Horácio, Apuléo, Petronio, Marcial, Memmio, Cinna e o pró-
prio Virgílio consagraram as maiores torpezas de lubricidade
e os costumes devassos do seu tempo, os próprios cantos
amorosos dos poetas pagãos, antigos e modernos, como Oví-
dio, Catullo, Propercio, Chaulieu, Panard, Parny, Bertin e
Pyron, estão bem longe de respirar o delicado e modesto
recato, a pudica reserva, que é como a urna de alabastro
que, sem o encobrir, envolve na suave e mysteriosa penum-
bra dos receios e esperanças o amor, e o conserva rodeado
dos arcanos e perfumes, sem os quaes este sentimento fica
sendo um instincto animal.
É difficil, diz um grande pensador moderno, convertendo
n'uma ironia amarga a verdade doesta observação, é difScíl
exprimir com mais engenho o que sentem os brutos; e é
de certo para que se reconheça a differença que vae dos
seus amorets aos amores dos animaes, que aquelles amáveis
estylistas fizeram elegias. Chegaram a converter em sciencía
o que ba de mais natural no mundo; e a arte de amar é
ensinada por Ovídio aos pagãos do século de Augusto, e
pe|o Gentil Bernard aos pagãos do século de Voltaire. As
sociedades polidas, mas idolatras, de Athenas e Roma, igno-
raram a celeste dignidade da mulher, revelada tempos de-
pois aos homens [)or Jesus, que a eternisou nascendo de
uma filha de Eva. E por isto que o amor, n^estes povos, se
dedica unicamente ou ás cortezãs ou ás escravas; e as mu-
LITTERATURA 29
Iberes, nos poemas dos vates mais celebrados, n3o possuam
a elevação, e ideal, não as cinge nem d'ellas irradia aqueila
auréola de prestigio que lhes dera a consagração do senti-
mento e a phantasia do espirito christão. Nenhuma d'essa6
Delias, Gynthias, Lycores, Lesbias e Némesis, amáveis cred-
turas que a imaginação sensual da antiguidade nos apresenta
como o encanto de todas as seducções da voloptuosidade,
nenhuma d'ellas nos apparece inundada de luzsuavissioia
6 fulgurando-lhes na fronte a estrella da immortalidade, que
o amor puro, ardente e espiritualista do Dante, do Tasso 6
Camões accendeu na fronte de Beatriz, Leonor, e Gatharina
de Âthaide. <Se exceptuarmos (e servimo-nos aqui de um
trecho do próprio sr. Castilho, publicado como introduoçSo
a algumas odes de Anacreonte, no Archivo Pittoresco, e ad-
«duzido pelo seu erudito commentador), se exceptuarmos
c(diz elle) a Ândromacha e a Penélope de Homero, alguma
€scena de Sophocles, o inspirado iv conto da Eneida, o
«episodio de Ceyx e Alcione das Metamorphoses, um pouco
«de Tibullo, e quasi todo o Proserpio (quanto a nós o unieo
«apaixonado amante de toda a antiguidade); se exceptuarmos
«estes, os poucos mais, que rasgam como relâmpagos a pro-
«funda noite do materialismo polytheista. o amor, nâo indi-
«gno de se o£ferecer, o amor fino e delicado, o amor dos
«Lamartines e Hugos, não era ainda conhecido nem futu»-
«rado.»
£ como não havia de acontecer d'este modo, se na mo*
Iher, envilecida pelas instituições sociaes, se operavam todos
os effeitos doesta causa, que resumia a sua degradação mo-
ral? «As mulheres (servimo-nos aqui de uma das excellen-
tes notas do sr. José Feliciano de Castilho, á obra de sea
«illustre irmão), as mulheres, por tal guiza tratadas, tão
«pouco se não récommendam por sua moralidade. Por uma
«Cornellia, veneranda mãe dos Gracchos, que somente da
«pecha de ambiciosa pôde ser censurada ; por uma Octavia,
«excellente irmã de Augusto e mãe de António, ostenta-nos
«a historia uma Servilia, mulher de Lucullo, expulsa por
csuas devassidões; uma filha de Silla, casada com Milão, e
«por este surprehendida com o historiador Salustio, que é
«condemnado a uma pesada muleta e a ser fustigado. Catão
«repudia sua mulher, por indigna; cede outra para enrique-
«cer. Suspeita-se que Tulliola, filha de Cicero, tem relações
«criminosas com seu próprio pae. Mucia^ mulher de Pom-
3D LITTERATURA
fipeo, irmã dos dois Metellos» perde todo o pudor. Saxia,
«enamorada de seu genro, faz-llie repudiar sua filha e vive
«eom tílle como sua mullier, depois de ter ciiegado ale o
«parncidio. A irmã de Clodio, ainda creança, presta-^se ás
cincestuosas caricias do irmão, casa comMetello, e conserva
iícora Celio, a quem empresta diniieiro, relações vergonho-
tsas: temendo que este a invenene, crta-o perante a justiça,
«6 abi se mencionaram publicamente as infâmias d^ella e os
«l^anhos que ella mandava preparar em seus jardins, a Gm
«de melhor escolher entre a numerosa juventude que ali
«concorresse t Marco António conduz em triumpho, no seu
«carro, a prostituta Cytherida, saída dos prostibuios de
Roma, etc.
' «Dos poetas eróticos facilmente se sacaria a hisioria da
«arte do prazer, em que eram mestras as bellezas romanas
.«(Vide Bolliger, Sabina, ou a manhã de ufna dama romã-
tna, Leipsíck, 1806. allemão). De noite, punham no rosto,
«para lhe conservarem a frescura, uma cataplasma de migas
«de pão ensopado em leite e agua ; as escravas, incumbidas
«dos pormenores do toucador, passavam horas esquecidas
«a caiar e pintar o rosto da senhora, e a suavisar-lhe a peite:
«punham-lhe os dentes que faltavam; tingiara-lhe de verme-
4n\ho ou preto as sobrancelhas e os cabellos, segundo a mo-
«da; adaptavam-lhe uma cabelleira ou crescente de alem-
«Rfaefio, tirada da cabeça de uma mulher sycambra. Occu-
«p»va-se uma escrava a encaracolar os anneis dos cabelios,
noutra a perfumal-os, a terceira a adornal-os com flores ou
«com os longos alGnetes; mas pobres d^eilas, se a senhora*
«mirando-se ao espelho de prata polida, acha que dissimu-
«laram mal os seus defeitos, ou não fizeram sobresair bas-
«tante as suas bellezas I não só a fidalga as arranha e mor-
«de, mas tem á mão um comprido alfinete com que espi-
«caça o seio nú da escrava infaabil ; ás vezes mesmo ordena
«ao escravo incumbido dos castigos (lorarius) que suspeuda
«pelos cabellos a culpada, e a fustigue até a senhora, enfa-
«recida, dizer: bastai
«Emfím, eisahi a janota romana penteada, untada e apa-
«mada; tem as unhas cortadas; acaba de lavar no leite as
«mãos e de limpai as aos cabellos louros de um escravo mo-
«ço; traja o vestido de matrona, de fazenda de lã branca,
«bordado de franjas de oiro e de purpura. Tem, é verdade.
UTTSaATmA SI
«túnicas de variadas cores, mas guará jhas para as suasex-
ccorsões Docturaad» quando se Ibe mette em cabeça vagar
cpeltis ruas de Roma, para que os rapazes a iomem pdr
cafBa liberta ou níulher da vida airada. Oòbrem-na 4e pia-
•frAlas 6 pedras preciosas» dâs rakihas estrangeiras; o qm
«fiiz dizer que só tíma mulher traz sobre si um património.
«Cada um dos dedos (excepto o do meio) vae carregado de
«ânnets, que variara segundo a estação (tudo isto talvee mer-
«cado ao preço da honra). Embrulhasse emflm no seu manio,
«6. tá sáe, levada n'uma liteira por oito robustos escravos,
«i|ue elia mesma escolheu no mercado; duas escravas mo-
scas vão ao seu liado, levando páro-sees de cauda de pavão;
«e no encalço dois rapazes com coxins.
«Se nos causa espanro vermos os athenieoses conduzSlrem
«isetrs Alhos e muJteres a aprender o bom tom na morada
cde Aspasia» menos não deve assombrar-nos observar que
«as matronas romanas protegiam as meretrizes, e conserva-
«vam junto a si, sob o mesmo tecto, as qbe ibe corrompiam
«imariâo e fllboB. Estas matrona^s (brada uitla nolulber per-
«dida bm certa comedia de Planto) querem que nós precise-
€fi(ios d'diãs; se a ellas nos chtgtmos, logo nos arrepende-
rmos: em publico são todas mel para nós; apeúas viramos
€€08tús^ aqui d^el-rei que somos libertas. i>
«Basta. Este quadro da romana de Augusto, tâo outra da
.«sua avó Sabina, prova que a mulher d:'essa sociedade, des-
«présada- e despresivel, menos fonte que ludibrio da raça
«humana, não fim mas instrumento, despojada de toda essa
«aíureola de pudor e grandeza que o cbristianismo lhe res-
«lituiu, aucíoKs^va, em vez de um cúltò respeitoso e sin-
«cero, desatterições e menosprêso; e que, se lhe arremeça-
-(tT&m floreé, erartí malniequeres e não amores-^perfeitos;
^eram espinbos sem rosas, e não rosas sem espinhos: N'essa
«época tudo era gtande; os vicios como as virtudes.
«Se d'isito vos convencerdes, achareis qde Ovidio não me-
«rece a geral íibpu;taçã() com que o opprimem; ha muitas
«vezes nas suas palavras uma suavidade, uma cortezia, um
«perfume, que alembra o sentimento cbrístão; mas se, mãiis
^frequente, revela desestima ao sexo, é essa, não sua, mas
«da sociedade e do tempo em que surgiu. i>
32 LttTBftATDlIA
Esta mesma consideração nos acúdio ^emf>re aaier 0^-
dio. Ovídio, posto que, cedendo ao influxo; d^esfta socieda-
de do tempo de Ângusto, a mais libertina e devassa de to-
das as sociedades, mostra-se, nSo ha duvida, um espirito
delicado e elegante; e, convidado pelos impoíâos de galan-
teio, em que era mestre, e aproximando-èe instinctivamein-
te de séculos mais polidos pela força virtual do seu génio
que o impelle para épocas de mais nobre e generosa apre-
ciação moral, manifesta já uma finura de sentir que não era
a <!ommum do seu tempo. No entanto, a não ser GoriniMi,
que é em seus versos a p^sonificação da belleza amável,
todas as outras mulheres dos três livros dos Armres^ a <:aii-
dida Pitho, a loura Chio, Lésbia, Cypasse, e Naripe,: são «or-
tezãs e escravas, mercado íàcil de impudicos desejos.
Porém, mesmo por este caracter especial, a obra de O vi- '
dio não se nos apresenta unicamente- como um viçoso .ra-
malhete de pequenos poemas, senão Gomo uma galeria de
quadros, em que os costumes descompostos da sociedade
romana são patenteados, de véu erguido, e com o coBorido
ardente d'est&s scenas de impudor; e foi esta natureza de
assumptos que obrigou o sr. Castilho o uma páraphrase;
porque, diz elle pela boca de seu erudito irmio, o sr. imè
Feliciano de Castilho, obras taes como as Metamorphoses e
os Factos, devem ser traduzidas, e as como -os Amores, pa-
rapfara$eadas\
Mas de certo não será esta a opinião dos idotatra^ dasie-
trás clássicas, que vêem um sacrilégio ém tudo (|ue nid seja
conservar, com religiosa fidelidade, no ^ppirito e ria fóima,
tudo que produziu o engenho poético d^aquellàs eras. Eiioí
inquestionavelmente dominado dos mesmoís princípios de
respeitoso culto, que o illustre paraphrasta nos fliz no pro-
logo: «não ha licenciosidade na litteratura latina, cpie se não
-possa ler em todas as línguas da Europa; já. em» verso, e já
mesmo em prosa, sem disfarce nem Todeios.í> .Asserção tal-
vez audaciosa; porque, se se pensou assim, comoi se. enten-
deu ser antes conveniente a paraphrase?
Os críticos píchpsos e chicaneiros acharão porvBàfura con-
tradição n'este ponto, e ainda mais quando o sn CastiliK>
diz affoutamente, que menos lhe importou o mmo Ovidio ti-
nha concMdo e expresso o& seus amores, do que o como
os expressaria, se a nossa fora a sua linguagem e os; mos
e gosto litterarios de então os mesmx>8 que hoje sãò^»
UTTERATURA 33
NÓS applaodimos um tal systema de interpretação, visto
(fne elle nos deu t3o prodigiosos' resultados de metrificaçSo
lyríca, e por isso reconhecemos com sobejo direito o nosso
poeta de chamar ás elegias do vate sulmonense as minhas
canções ovidianas, e estamos até tentados a confessar» sem
adulação, que mais feslejamos estas do que aqnellas, posto
que nos custe a atinar (dizemolo com sinceridade) o como
Ovidio, pagão e do século de Augusto» conceberia e expres-
saria, n'estes nossos tempos de sentimentalismo, os seus
amores, e a conseguiUo, como seria que o amante de Go-
rinna, assim amodernado, nao se nos apresentaria muito
outro e demudado!
Todavia, foi n'isto que se revelou a virtude, o dom es-
pecial do talento do sr. Castilho. Ovidio foi cingido e ador-
nado de novas galas pelo seu illustre paraphrasta, e com-
tudo nâo ficou outro nem demudado; e a explicação é fá-
cil. O sr. Castilho, que por aquelle systema com o qual Theo-
philo Gautier adivinha nas tendências Fitterarias e artislicas
a pátria intellectual dos grandes talentos, e acha que André
Chenier é grego, Victor Hugo hespanhol, e Ingres florenti-
no, por esta nova metempsycose o sr. Castilho 6 romano,
e romano do bello século de Augusto. Foi á sombra das ri-
sonhas veigas do Tempe. em grata palestra com Virgílio e
Horácio, Propeicio e Tibullo, que o auctor da Primavera
sentiu desprenderem-se-lhe e aclimarem-se-lhe os primeiros
v6os da imaginação. Cuida elle haver transportado Ovidio
para estas nossas épocas, quando é Ovidio que o retém
abraçado, e o conserva assim n'este dulcíssimo amplexo de
intimidade espiritual, como a um de seus irmãos mais pre-
claros d*essa estyrpe immortal de poetas do Lacio.
E que importa que na forma, no apanhado das roupas,
na disposição das galas, se procurasse, nos formosos qua-
dros dos Amores, a elegância moderna, se o pensamento
foi sempre respeitado, e apenas velado de ligeiras e diapha-
nas roupagens, quando a decência o exigia?
Mas nem mesnio assim os idolatras da antiguidade per-
doariam ao sr. Castilho, se elle lhes não tivesse dado já bri-
lhantes e aoctorisadas provas do quanto ama todas as pro-
ducções do engenho antigo, conservando-lh'o intacto qnasi
na essência e forma, nas Metamorphoses, nos Fastos, e ago-
ra na Arte de Amar. Estas versões s9o um modelo de fide-
lidade. Tanto o poeta como o philoiogo se comprazem em
TOMO I " 3
34 UTTERATURA
contemplar n^ellas, o philologo mais um monumento, que
trazido para o nosso idioma, com a religiosa solicitude com
que o archeologo transporta para a sua pátria uma voluta
ou um cypo do Parthenon, nos proporciona a presença mais
proKÍma e nossa de uma obra indispensável na vasta fabri-
ca da historia litteraria; e o poeta um modelo, onde, coili-
gídas, deparámos com as infinitas bellezas que soube crear
e inundar de viva luz o estro dos antigos.
£ por isto que, nas obras litterarias, e, sobretudo, nas
do poeta, o estylo é tudo, e que, transmudado este, ouamo-
dernado, o que tanto vale, não fica a idéa completa da en-
toação e toques originaes do quadro primitivo. O traduzir
os antigos deve de ser como o retratar, dizem os apologis-
tas das lettras clássicas: e nós estendemos o preceito ao an-
tigo e ao moderno. Não é com o que praticou Ducis, que
se pode fazer idéa da índole poética e género dramático de
Shakespeare. Se fosse possível admitiir nas operações do
pensamento a photographia, só os seus resultados nos sa-
tisfariam na reproducção das obras dos grandes génios.
Oxalá que assim como ella pôde vulgarisar os prodígios do
cinzel grego e do pincel romano e florentino, podesse tam-
bém traduzir, para todas as intelligencias, as concepções
admiráveis do génio poético. Desesperados de conseguir es-
te esmero de verdade, muitos dos mais escrupulosos cul-
tores da antiguidade teem feito as suas versões em prosa;
e n'este sentido os trabalhos de madame Dacier, Desfontai-
nes, Dugas Montbel, e agora a vasta collecção dos clássicos
latinos de Nisard, hão de ser em todo o tempo procurados,
quando se deseje conhecer de perto a physionomia dos es-
criptores que formaram os primeiros séculos da litteratu-
ra. Uma traducção livre ou uma paraphrase, aos olhos dos
idolatras das boas letras antigas, afSgura-se sempre sacrilé-
gio não fácil de perdão. Pretender-se adornar ou ampliar
aquillo que se reputa modelo (exclamam estes adoradores
do bello antigo), não pôde deixar de tornar-se attentado, e
attentado tanto maior, porque tem a condemnação na pró-
pria incoherencia que encerra. Pois que sé deseja conseguir
com a versão dos clássicos? Será conhecer a historia anti-
ga ou o machinismo e physionomia da civilisação d'aquel-
las eras? Não de certo, porque para isso serviriam melhor
os historiadores e os philosophos que os poetas. Será en-
tão copiar e acceitar os seus principies moraes, políticos
LITTERATURA 35
OU religiosos, os quaes davam uma feiç3o tão peculiar á sua
poesia? Tão pouco; porque o espirito das edades modíQca-
se no seu curso incessante e progressivo, segundo as exi-
gências das novas sociedades que se succedem ; e seria ab-
surdo/ ainda mesmo nos dominios ideaes das letras, que-
rer voltar a esse tempo de paganismo, quando tudo nos
impelle para outro rumo e outros destinos. Que será pois
que se procura nos auctores antigos ? Procura-se o estudo
da forma, a simplicidade magestosa d'aquellas linhas sin-
gelas e grandiosas, que, como o Júpiter Olympico de Phi-
dias, traduzem a serenidade da omnipotência do génio. Esta
elevação épica, esta graça simples e pura, que não busca
nos artiQcios de complicados processos de estylo os segre-
dos da sua excellencra, é a herança que nos cabe dos anti-
gos, é a herança que devemos procurar obter, e que impor-
ta façamos os maioros esforços para conseguir e enthesou-
rar.
Mas esta qualidade é exactamente aquella que desappa-
rece de todo nas versões livres, e por isto uma paraphrase,
no conceito de alguns bons contrastes em litleratura, fica
sempre sendo trabalho que atraiçoa dois méritos: o da obra
original, porque, veslindo-a e enfeitando-a com adornos pe-
regrinos, a transmuda; e o do paraphasta, porque atando-
Ihe a imaginação, apesar das liberdades que tome, ao pen-
samento inicial do quadro primitivo, mal lhe deixa ostentar
o vigor e gentileza dos voos a que as forças próprias o con-
videm.
São estes reparos que alguém poderia fazer talvez ao sr.
Castilho, se com effeito os Amores não fossem uma collec-
ção de poesias, cuja indole pede ligeiro disfarce, como dia-
phano cendal lançado sobre as formas nuas e provocadoras
da Vénus Aphrodita. E, sobretudo, se nos lembrarmos de
que esta liberdade de interpretação, de que esta faculdade
de vestir com donaires seus as elegias do vate sulmonense,
deu logar a todos os engenhosos brincos de inspiração ly-
rica, de metrificação multicor e scintillante, mimos e gra-
ças de dizer que admirámos nas canções ovidianas do sr.
Castilho, o applauso não pôde deixar de nos rebentar fran-
co do animo e dos lábios, porque nunca mais rica, mais
esmerada e opulenta obra doesta natureza saiu dos prelos
portuguezes. N'este sentido todo o elogio fica áquem dos
desejos. Depois de se ver e analysar tão portentoso esfor-
36 LITTERATCRA
ço de accumulação de riquezas poéticas, de combinações
rbythmicas» de fulgor e opportunidade de imagens, ufana-
se o leitor de fatiar tal idioma, que para tão diversas e ful-
gorosas pompas opulentou recursos. Não é só uma pa-
raphrase o trabalho do sr. Castilho, é uma esplendida e
abundante poética, exemplificada nas difDculdades mais as-
sombrosas da metrificação, reunindo os segredos de todo
o machinismo do estylo lyrico, grupo de graças, não três,
mas cem, mas mil, e todas ellas de uma gentileza praxite-
lica e de um primor e acabado, que nem que as modelas-
se o cinzel de Phidias. Que linda não é a canção á morte
do papagaio, espécie de caleidoscopo lyrico de infinitas e
multíplices cores, em que, como os matizes cambiantes da
ave da America, fulguram todos os brilhos do colorido poé-
tico !
Morreu da bella aurora o bello filho,
?ue ovante espanejava em nossos lares
odas as cores do materno brilho,
Todo o verde dos indicos palmares.
E O Circo de Roma? Ha nada aproximavel ao movimen-
to dramático d'esle formoso episodio, cuja acção é tão enér-
gica e vivamente expressa pela variação e propriedade dos
rhythmos! Parece-nos assistir eífectivamente a uma d'aquel-
las sumptuosas funcções da antiga sociedade romana, e o
coração e o espirito, em desencontrados impulsos de ancie-
dade, seguem todas as peripécias da carreira, e como que
acompanham até á meta os fogosos contendores. Que pena
temos que o espaço nos vede reproduzil-o aqui por extenso!
São todos os géneros de que se triumpha, todos os pri-
mores que se conseguem, n'esta tela de exquisito lavor lit-
terario. E muito mais a admiração recresce, quando se no-
ta a conceituosa concisão doesta poesia, que nunca empre-
ga uma palavra de mais, nem obscurece uma idéa, ainda
que a imagem venha velal-a. Gomo modéio doeste género,
o trecho que vamos transcrever, é prodigioso. Corinna vae
a um banquete, e Ovidio presenceia que ella lhe é infiel.
Sóbrio, entre os vinhos com que a mesa ria,
Eu fui do caso infando testemunha. .
No mover dos sobr'olhos, teus e d'elle,
Vi ciaras expressões; as frontes de ambos
Prescindiam da voz; olhos vibráveis
Eloquentes de amor; letras c'o vinho
Escrevíeis na mesa; os próprios dedos,
Movidos com disfarce, as imitavam.
UTTBRATUIIA 3T
Da lingiiagem fallada o senso occalto
Decifrei; tudo os zelos interpretam !
Cada palavra, que entre vós trocáveis,
Na accepçâo usual e conhecida^
Outra elicerrava, só de vós sabida.
Terminado o banquete, os soltos convidados
Deixam ermo o salão; dois ficam reclinados...
Sois vós; disfarço, espreito, observo tudo emflm.
Estes versos, na sua bclleza concisa è pintoresca, resu-
mem, só de per si, todo o episodio da infidelidade da bolla
Corinna. Formam um quadro.
Como arrojo lyrico, a Aventura meridiana apresenta omi
trabalho admirável. A versão é feita em quartetos de seis e
doze syllabas: o primeiro verso rima com a segunda syl-
laba do segundo; o segundo com o quarto; e o terceiro»
em écco, com a segunda syllaba do quarto. Âs rimas sao
alternadas, ora graves, ora agudas. ^É mister ser conhece-
dor, para apreciar toda a difficuldade doesta versão, aliás
fidelissima. E talvez julguem que estas dificuldades de metri-
ficação se denunciam na canção? Pois nem um hiperbato for-
çado, nem um hiato, nem uma collisão de sons ásperos ou
dissonantes, nem uma palavra sobeja, nem uma violência
ou impropriedade de rima revelam os obstáculos vencidos.
Todos os versos são fluentes ; não ha uma palavra escusá-
vel, um adjectivo supérfluo; e a cadencia e a euphonia dos
sons chegam a emparelhar com a melodia metastaziana. No
pensamento, esta canção lembra a musa leviana e ás vezes
sensual de Alfredo de Musset. Ha o espirito moderno no
sentir doeste quadn», que o mysterio das sombras torna
mais provocador e voluptuoso.
A canção á immortalidade do poeta suggere-nos uma
idéa, que, como argumento complementar da comparação
da poesia antiga com a moderna, nos parece dar a victoria
a esta ultima. Victor Hugo, na sua poesia Le poete, trata
este mesmo assumpto, que todavia tanto se distanceia e
varia, segundo as duas épocas, mas que se apresenta de
uma nqaneira muito mais larga e elevada na producção (fo
poeta francez. É n'estes pontos de contacto que se contra-
prova o quanto a inspiração moderna leva vantagem á musa
. dos antigos, que, sem aspirações para um futuro de luz
infinita, nem azas que a deixassem voar pelos horisontes
sem fim do espiritualismo, se flca nos domínios estreitos
do sensualismo pagão. Confrontemos algumas estrophes.
38 LITTERATURA
Falle primeiro Ovidio nos formosos versos do sr. Casti-
lho:
Porque, mordaz inveja, assim me infamas,
Me exprobras de passar no ócio a vida,
£ fructos de alma inerte aos versos chamas?
Porque me argues de que na mareia lida,
Quaes os priscos heroes da pátria ^cnte,
Kão siga os postos na estação florida?
liem das verbosas leis o impertinente
Cabos revolva, aprenda e prostitua
Ao fogo ingrato meu ingenbo ardente?
Tem jus sobre isso tudo a morte crua...
Sequioso, de gloria, ao mundo inteiro
Quer meu génio estender a fama sua.
Será Homero á morte sobranceiro
Em quanto o Ida, e Tenedos durarem
E o Simoente ao mar correr ligeiro, etc.
Depois continua esta referencia a todos os bellos enge-
nhos gregos e romanos, e em seguida conclue assim:
Bronzes devora o tempo desabrido.
Mina, carcome o mármore lustroso,
Mas do canto ao poder foge vencido.
Régios triumphos, sceptros do or^lhoso,
Thesouros com que o Tejo se enriquece,
Kada sois ante o estro, o dom fogoso!.
Em cousas vis o vulgo se interessa!
A mim Phebo me outorga seus favores,
E cheios copos da Gastalia off'rece.
Myrlho, que teme os invemaes rigores.
Ha de sempre c'roar-me; sempre lido
Serei dos extremosos amadores.
Depois de ter aos vivos perseguido,
Yae morrer sobre os túmulos a inveja,
E dá-se o preço a cada qual devido.
Assim pois, quando entregue ás cbammas seja,
Tomaao em cinza o véu da humanidade,
Ovante vivirei, sem que me veja
Em risco de perder a eternidade!
Agora a poesia de Victor Hugo:
Quil passe en paix^ ao sein d'un monde qui Fignore
L'auguste infortune que son àme devore ! •
Respectez ses nobles malheurs; *
Fuyez, ò piaisirs vainSj sou cxistence austére ;
Sa palme qui grandit, jalouse et solitaire,
Ife peut crofitre parmi vos fleurs.
LITTERATCJRA 39
11 souín*e assez de maux, sans y joindre vos joies !
Chaquc pas qui reníoncc en de sublimes voies
Par une doleur est compté.
11 pleure sa ieunesse avant l'áge envolée,
Sa vie, bumble roseau, qui se trouve accablée
Du poíds de rimmortalité.
II pleure, ô belle enfance, et ta grâce et tes charmes,
Ft ton rire ionocent et tes nalves larmes,
Ton bonheur doux et turbulent,
Ft, loin des vastes cieux, Taile que tu reposes,
Ft, dans les jeux bruyants, ta couronne ae roses
Que flétrírait son front brúlant !
Ah ! si du moins, coucbé sur ie char de la vie,
L'hymne de son triomphe et les cris de Tenvie
* Passaient sans troubler son sommeil!
S'ii pouvait dans Toubli préparer sa memoire!
Ou, voilé de rayons, se cacher dans sa gloíre
Gomme un ange dans le soleil!
Mais sans cesse 11 faut suivre, en la commune aréne,
Le flot qui le repousse et le flot qui Tentralne!
Les hommes iroublent son chemin!
Sa voix grave se perd dans leurs vaines paroles,
Et leur foi orgueii môle à leurs jouets frivoles
Le sceptre qui pese à sa main!
Pourquoi traíner ce roi si loin de ses royauraes?
Qulmporte à ce fi:éant un cortége d'atomes?
Fils du monde, c'ait vous qu'il fuit.
Que fait à Timmortel votre éphemére empire?
Sans les chants de sa voix, sans les sons de sa lyre,
N'avez-vous point assaz de bniit?
Laissez-le dans son ombre oh descend la lumiére.
Savez-vous qu'une muse, épurant sa poussière,
Y charme en secret ses ennuis?
Et que, laissant pour lui les éterneltes fétes,
La colombe du Christ et Taigle des prophètes
Souvent y visitent ses nuits ?
Sa veille redoutable, en ses visions saintes,
Voit les soleils naissants et les sphères éteintes
• Passer en foule aufond duciel;
Et, suivant dans Tespace um cboeur brulant d'archange8,
Cherche, aux mondes lointains, quelles formes étranges
Y revôt TEtre universel.
O pensamento dos dois séculos imprime um caracter di-
verso nas dnas poesias, no entanto ba um ponto em que a
ascensão natural do talento aproxima os dois grandes gé-
nios, e é quando ambos presentem a immortalidade na mis-
são augusta do poeta.
Seria obra de uma analyse extremamente longa e minu-
ciosa notar aqui todas as bellezas do texto, aclimatadas com
tanta arte e imaginação pelo engenho do illustre paraphras-
40 LITTERATURA
tâ, e outras tornadas mais formosas ainda, depois de trans-
plantadas para o nosso idioma. O valor doeste trabalho é
incalculável, e o seu alcance, para o estudo exemplificati-
vo, na sua riqueza e variedade de formas, deve de ser de
summo aproveitamento.
O sr. Castilho já nos tinha revelado os segredos do ma-
chinismo poético no seu bello Tratado da Metrificação; mas
nas Canções Ovidianas converte todos esses preceitos em
exemplos de inspiração felicissima. O metro habilmente va-
riado; fluência e valentia de verso; riqueza de combinações
rhythmicas naturalmente nascidas da indole e movimento
da idéa; jogo harmonioso das vogaes; cadencia de acentua-
ção métrica; opulência de rimas; tudo attesta a grande scien-
cia da contestura -e harmonia da versificação em que o sr.
Castilho é sem egual. Nem uma aspereza, repetimos, nem
uma collisão desagradável ou pouco euphonica, nem uma
deficiência de rima, nem uma exuberância de epilhelos, que
são os avelorios da mingoa das verdadeiras galas da ima-
ginação poética, nem uma violência ás leis da prosódia,
n'uraa palavra nenhum d'esles pequenos defeitos que fervi-
lham nas poesias dos primeiros génios poéticos de todos
os tempos, se encontram, sequer, no seu trabalho. Até o
emprego dos exdruxulos, assas difÓcil na nossa lingua tanto
carecida d'elles, e que, combinados com os agudos e gra-
ves, formam uma das bellezas de harmonia da lingua ita-
liana, aié isso nos proporciona um dos melhores estudos,
porque é sempre cora extrema naturalidade que elles ap-
parecem e se combinam alternadamente. A própria rima,
que n'oatras mãos menos versadas nos segredos da consonân-
cia métrica e opulentas de seus sons, se tornaria um mar-
tellar monótono e pesado, usada pelo sr. Castilho, em to-
das as variações das pausas e medidas métricas a que elle
a sujeita, é como uma verdadeira musica, cujas vozes, vi-
bradas de distancia em distancia, correspondem, por inter-
vallos calculados, ao mesmo machinismo e natural desen-
volvimento do pensamento poético. Faz até lembrar aquel-
les vasos de bronze artisticamente collocados pelos antigos
sobre o tympano dos seus amphitheatros que, percutidos
a compasso, chamavam aos fundamentos da harmonia as
vozes dos cantores.
Algumas palavras ainda sobre o erudito trabalho do sr.
}osé Feliciano de Castilho, a sua Grinalda Ovidiana^ e va-
LITTERATURA 41
mos rematar. Somos (l'aqueUes a quem custa a ver um im-
n^nso séquito de notas, apostillasecommentosJoDtoauma
obra poética. Ver logo o poeta e o censor, Homero e Aris-
larcho, o génio creador e a posteridade no mesmo livro,
parece-nos um trabalho superabundante» que tira ao leitor
todo o trabalho de pensar e julgar.
N^outro tempo, o sr. António Feliciano de Castilho era
de certo da nossa opinião, quando escrevia no seu prologo
das Metamorphoses estas palavras: «Supposto, por algumas
vias, possa convir a um escriptor o dar rasão de si, e de
seu escripto, sempre comliido é innegavel, que nesse hu-
manar-se e descer á familiaridade de toda a gente^ como
que desauctorisãj e, em grande parte, annulla o seu próprio
personagem poético. Quando de um grande varão só nos fi-
caram os seus versos, cria-se e ama*se uma illusão maravi-
lhosamente favorável á sua gloria; por quanto toda a vileza
e mesquinhez da prosa, que era a parte miserável e cadu-
ca, por onde se aparentava com o pó, com o vulgo e com a
vida, desapparece, e só fica, para nos representar o seu
nome, a parte nobillissima, etherea, immortal do seu sujei-
to—o génio.»
É isto mesmo que nós sentimos. Uma analyse, que tudo
explique, que tudo revolva e elucide; que, como escalpello
de anatomista, disseque as fibras mais ténues do corpo
que nós suppunhamos divino, e que, por isso, se nos affi-
gura verdadeira profanação todo o exame, toda a inquiri-
ção da autopsia intentada sobre formas, que a consagração
do prestigio sublima; uma tal analyse faz-nos o effeito do
magico que, depois de nos ter o espirito suspenso nos por-
digios da sua prestidigitação, nos viesse explicar logo como
taes milagres se operam,
Queremos ver os milagres, mas não queremos conhecer-
Ihes as molas que os fabricam; queremos presencear as ma-
ravilhas da scenographia, sem inquirir de que arte se vale-
ram o pintor e o machinista para nos illudir; queremos go-
sar, emfim, as delicias do paraiso, sem provar dos fructos da
arvore da sciencia, que travam sempre depois do néctar e
ambrozia da meza dos Deuses.
O sr. José Feliciano de Castilho dir-nos-ha que todo o
grande engenho poético tem tido o seu Pisistrato, o seu
Wolf, o seu Christiano Heyne, e nenhum de certo mais il-
lustrado e competente, no nosso conceito, para tão exigen-
42 UTTERATCmA
te tarefa, que o analysta do trabalho de seu illustre irmão.
E sobretudo, se considerarmos o serviço que elle faz de-
certo á litteratura portugueza, buscando, com tanto zelo
patriótico e esclarecida erudição, em os nossos auctores, as
referencias, as analogias, os logares remotos ou similban-
tes, que o decurso do seu profundo exame lhe suggeriu,
se considerarmos isto tudo, torna-se impossível deixar de
louvar e aceitar a sua obra de critica panegyrica, não só como
completo auxiliar para a inlrepetração de toda a parte his-
tórica do texto, senão como um indicador solerle e noticio-
so das immensas preciosidades litterarias escriptas na lín-
gua de Camões.
N'uma palavra, a paraphrase dos Amores de Ovidio do
sr. António Feliciano, de Castilho, acompanhada da Grinal-
da Ovidiana do seu erudito jrmão, formam um bom livro,
um livro cuja apparição marca época em todos os paizes,
onde as letras sejam uma profíssão e um culto; e nós, di-
rigihdo os nossos reparos a tão eminentes escriptores, ain-
da mesmo que alguma vez a razão venha collocar-se da nos-
sa parte, não nos resta senão o sentimento da estima e
respeito, que nos obrigam, em todo o caso, a pedir-lhes
perdão dessa nossa pequena victoria, como Carlos V ao
papa: Sanctissime pater, indulge victori.
^ >
Seteití)ro— 1860.
LUIZ AUGUSTO REBELLO DA SILVA
Comêco da Sociedade Escolastíco-Phílomatica.— A nossa mocidade littera-
ria de ha trinta annos.— O renascimento romântico e os effeitos exage-
rados do romanticismo.— O romance histórico.— Os auctores da D. Brartn
ca, e do Mestre Gil.— O impulso partido de AUemanha e de França ge-
ncralisa-se entre nós.— Byron e os seus poemas.— Influxo de todas es-
tas causas nos nossos escriptores.— O Rausso por Homisio.—A ullima
corrida de touros em Saít?.a/tfrra.— Rebello da Silva orador politico.—
Fundação do Curso Superior de lettras.
Quem passasse, em alguma das noites de fevereiro de
1838, pela rua da Atalaya, não poderia deixar de fazer re-
paro no primeiro andar de um prédio de acanhada e sin-
gela frontaria, que ainda hoje lá existe, pois atravez das
vidraças das janetlas do primeiro andar d'esse prédio veria
uma iltuminação desusada, e, poder-se-bia dizer até esplen-
dida, a attender á parcimonia de luz que habitualmente
bruxeleia nas pequenas casas d'aquetla rua do interior do
Baírro-Alto. Vozes acaloradas, como de homens que apos-
tropbavam, ou que ensaiassem as diversas entoações decla-
matórias de um empolado sermão, soavam de dentro, sendo
não poucas vezes interrompidas ou abafadas pela clamorosa
algasarra de muitos individuos, que todos disputavam, ao
que parecia.
 estranheza da scena, e uma luz que soluçava mortiça
n'uma enferrujada lanterna de folha, na escada, e que comO/
que convidava a subir, dizendo-nos que a funcção era publica
6 a entrada franca, tudo isto picava a curiosidade ao cami*
nhante e o incitava por fim a entrar. Chegado acima via
44 LITTERATURA
' uma pequena sala disposta á maneira de parlamento. Â pre-
sidência occiípava o topo da casa: renques de bancos, coi-
locados como na platéa de um thealrinho particular, en-
cliiam o resto da sala, deixando apenas uma estreitíssima
nesga de espaço para a galeria publica (nem isso faltava!)
que eram duas fileiras de assentos de pinho, que ficavam
logo á entrada da porta principal, para maior commodidade
do visitante estranho que concorresse a presenciar estas
polemicas oraes em miniatura, comparadas com o que já
succedia então nas nossas assembléas politicas.
Uma multidão de indivíduos occupava os logares todos.
No meio, de pé, via-se o orador, bracejando com energia
e inlimativo accionado; e. se nem sempre prendia a atten-
ç3o do auditório pelos primores oratórios de uma eloquên-
cia já auctorisada em triumphos succcssivos, nunca mais
audaciosos tbemas, nem arremettidos com mais temerária
e reformadora philosophia, o curioso depararia em logar
algum de discussão.
Esta casa era o berço dá Sociedade Phylomaticíi, so-
ciedade que depois tanto floresceu, abrangendo em &eu gré-
mio toda a mocidade lettrada de enlâo. As matérias que lá
se discutiam eram nada menos do que a influencia da ct-
vilisação na historia; a reacção romântica e os eff eitos da
litteratura no occidente da Europa, e diversas outras; e os
mancebos oradores que primavam n'estas dissertações e
controvérsias, exercitando já as forças de uma palavra que
depois se tornaria o ornamento e esplendor da tribuna par-
lamentar ou de algumas cadeiras scientiíicas, eram muitos»
como Thomaz de Carvalho, Vieira de Carvalho, Andrade
Corvo, e entre estes e outros mais, Luiz Augusto Rebello
da Silva.
Rebello da Silva contava a este tempo 17 annos; os seus
estudos reduziam-se ainda aos simples preparatórios que
um moço doesta edade costuma ter apenas adquirido, em-
bora o amor ás lettras o chame já para o terreno difflcil
das altas questões pbilologicas. No entanto, n3o foi custoso
de perceber n'elle desde logo o homem de agudo tino e
espirito vasto, que na ascençao virtual do próprio talento
encontraria as concepções mais elevadas e o dom de as
generalisar com os fulgores de uma eloquência imaginosa e
abundante com que facilmente daria forma pomposa ás flo«
res da sua phantasia.
UTTEAATDRA 45
E que época de fogo para os espíritos da javentode nSo
foi esta em que os primeiros arreboes de uma aurora litte-
raria começavam de manifestar-se e fulgir I O movimento
poético, que rebentou em França, trazendo á sua frente
Cháteaubriand, mad. de Staêl, Lamartine e Victor Hugo, só
por este tempo evidenciou os seus effeitos em Portugal. A
guerra civil, terminada em 1834, havia-lbe suíTocado muitos
dos seus mais nativos e fogosos intuitos, mas também fora
o triumpho dos princípios liberaes que, como um impulso
correlativo, trouxera com mais força e victoriosas as novas
doutrinas. Almeida Garrett, o poeta soldado, o exilado no
seio da princesa altiva das armadas^ no coito da foragida
liberdade, como elle denomina a nobre Albion, no seu Ca-
m^s, inspirára-se de todo esle movimento que então tra-
zia em fermentação as imaginações em Âllemanha, França
e Inglaterra, com a apparição das obras de Byron. Este
movimento, excitado pelo ancíoso desejo de elevar o ideal
da natureza humana, abatido e aviltado pelas glorias mili-
tares de Napoleão; este conjuncto de doutrinas diversas, mix to
de aspirações religiosas, de recordações do passado, das
singelas e nativas tradições que haviam desferido o vôo
das poéticas e melancholicas ribas de Rheno, como um so-
pro espiritualista das raças do Norte que invadisse e viesse
puriQcar a atmosphera morna e viciada dos povos do Meio-
día e Occidente da Europa; todos estes princípios, todas es-
tas impressões, todas estas exigências moraes e intellectuaes
crearam uma escola . de ínnovadores ardentes, como Man-
zoni, Ugo Foscolo, e Silvio Pellico, em Itália; Watter Scott
e Byron, em Inglaterra; Victor Hugo, George Sand e Al-
fredo de Musset, em França; e o duque de Ribas, em Hes-
panha. O auctor da D, Branca, que já sentia em si a alma
e o fogo doesta família ideal, correu a alistar-se em volta
do estandarte de tão grande revolução litteraria. O impulso
dado foi communicativo, e a Harpa do Crente soou dentro
em pouco, vibrando em themas propheticos as fervorosas
6 tristes endexas, que só consegue inspirar a melancholia sua-
Te do génio da poesia peninsular. A Izabel e o Espectro, poe-
mas de José Maria da Costa e Silva, assim como a Noite
do Castello e os Ciúmes do Bardo, são também inspirações
da mesma musa. Acceitando a doutrina de que as artes de-
vem de ser a expressão das intimas e verdadeiras impres-
sões da alma, e sentindo inílamar-se-lhes a phantasia com
46 ' LITTERATURA
a leitura dos melhores escriptos de Goêlhe e Scbiller, com
as estrophes arrebatadas do D. João e do ChUdHaroU e com
os romances de Walter Scott, todos estes homens distin-
ctos tnstínctívamente se colligaram n'esta cruzada, esforçan-
do-se por imprimir á litteratura pátria um cuubo de nacio-
nalidade que havia perdido desde fins do século xvi. «O gé-
nio da poesia nacional (dissemos já n'outra parte) como que
presentindo talvez o largo período devolvido a que teria de
ser votado, havia soltado os seus últimos lamentos de des-
pedida nos sentidos contos do Affonso o Africano, de Que-
bedo, e na maviosa e dolorida narrativa do Naufrágio de
Sepúlveda, de Corte Real. Depois d'isto nada mais se ou-
vira de verdadeiramente portuguez, nem no espirito, nem
na linguagem. As differentes manifestações da arte, da arte
filha genuína do sentimento peninsular, míxto da influencia
chrislã e das tradições cavalleirosas da edade-media e das.
lendas árabes, jaziam opprimídas e despresadas pela tyraa-
nía das doutrinas da litteratura mythologica, doutrinas sem
rasâo de ser para nós, povos modernos e chrístãos, cria-
dos na crença e culto de uma religião espiritualista. Que sa-
bia o povo de Júpiter e do seu Olympo, e de Vénus, a
lasciva e formosa esposa de Vulcano? A vista esplendida
do Armamento, nas horas da magestade silenciosa da noite,
diz mais á imaginação de nós todos do que toda a comitiva
impudica das divindades pagãs de Hesiodo e Homero.»
Porém, esta quadra do predomínio clássico passou. O
Génio do Christianismo, René, Fausto, o Child-Harol, As
Orientaes e as Harmonias, inspirações sopradas de diver-
sos pontos e illuminando talentos que despediam voos para
horisontes bem oppostos, mas todos reagindo, com a audá-
cia de um pensamento que devassa novos segredos á arte
e os divulga, contra o dogmatismo das regras antigas, fo-
ram as producções que fundaram a nova escola, que lhe
serviram de modelo, que accenderam o estro aos modernos
escriptores, e que não poucas vezes também os desvairaram
por essas veredas Íngremes e apertadas de precipícios, que
téem, de um lado, a imitação servil que absorve toda a in-
dividualidade, e do outro, o prurido da originalidade que leva
á exageração e ao ridículo.
É impossível negar que a reacção romântica rasgou mais
amplos espaços e encheu de luz e vida perspectivas, que
os preceitos da poética antiga, levados á obstinação do sys-
LITTBRATURA 47
lema absoluto para todas as formas de arte, conservavam
envolvidas n'um véo denso, que só m3os audazes se aba-
lançaram a descerrar. Lamarline, por exemplo, elevou a
poesia ás regiões do espiritualismo e do amor, mas do amor
que se puriQca na própria intensidade das chammas que o
inflamam, em quanto que Victor Hugo a penetrou dos es-
plendores e da sonoridade do mundo exterior. Gomtudo é
innegavel também que esta reacção trouxe comsigo os seus
effeilos> como séquito natural que acompanha sempre tal
natureza de acontecimentos. O exagero, que se manifestou
DOS espiritos, reflectiu-se logo em todas as obras. A im-
pressão estranha das theorias innovadoras; o deslumbra-
mento, que se seguiu, como um phenomeno previsto, ao
apparecimento dos recentes astros surgidos nos borisontes
da arte; o receio de ainda se mostrar sujeição aos dictames
da velha escola, tudo isto arrastou as idéas a uma tal anar-
chia, que a hesitação se tornou evidente, como effeito ne-
cessário doestas causas, nos primeiros passos dados na senda
que o arrojo reformador acabava de abrir e franquear aos
talentos que ambicionavam uma estréa nos differentes do-
mínios das leltras.
E d'estas origens deriva a agilação febril, e nasceu tam-
bém a ambição desmedida, as lastimáveis e singularissimas
pretenções de originalidade que se patentearam em muitos
escriptos inconsistentes e hvperbolicos.
Todavia, foi esta uma época de enthusiasmo e quasi de
delírio, mas do nobre e solemne delírio que solta azas ra-
diantes em desmesurados arrebatamentos, e que só é delírio
porque a imaginação vôa para eminências de regiões até ahi
ignoradas, delírio a que Voltaire chamou diable au corps,
e os antigos sacra fúria. Havia vida, havia impulsos de re-
solução generosa, havia ardentes e fervidos incentivos a
que obedeciam espontâneos os espiritos, inflammados pela
atmosphera de fogo das novas inspirações. Publicava-se um
livro; e a crítica (a critica d'esse tempo, que era benévola
e enthusiasta também; que era a primeira a acolher, a pro-
clamar todas as tentativas, e a preparar logar para todos
os talentos); publícava-se um livro, repetimos, e a critica
apressava-se a annuncial-o, a encarecel-o, a rodeal-o de pres-
tigio e bom nome, de leitores e radiosos e fecundos desti-
nos. Era uma Htteratura amiga, sim, mas cujos intuitos,
cujos nobres e ardentes instinctos, cujas ambições justifica-
46 UrTERATORA
veis e qae coDvergiam todas para um mesmo e glorioso
fim, que consistia na inauguração de uma nova quadra lit-
(eraria, se animavam e inspiravam do único sentimento que
pôde determinar as grandes revoluções do espirito huma-
no. Esse sentimento era o amor das nossas cousas ; amor ex-
citado pelo movimento intellectual que acabava do gyrar uma
parte da Europa, e que entre nós se converteu n'um deseja
constante e geral de fazer resuscítar as nossas tradições pa-
trióticas e os melhores modelos da lítteratura UiUional.
Basta citar aqui uma parte do prefacio dos editores do Auio
de Gil Vicente, applaudidissimo drama que appareceu en-
tão, como a primeira e mais valiosa pedra do edifício do
nosso theatro moderno, parasse julgar do alvoroço com que
se recebiam os acontecimentos d*esta ordem. «A apparição
d'este drama (dizem os editores) teve uma época na histo-
ria de Portugal. De então verdadeiramente é que se come-
çou a pensar que podia haver theatro portuguez. Toda Lis-
boa foi á rua dos Condes applaudir Gil Vicente, todos os
«ovens escriplores quizeram imitar Gil Vicente, Toda a im-
prensa periódica celebrou este acontecimento nacional com
enthusiasrao. Se ladrou algum zoilo, foi de modo que se
não ouviu ; latido que se perdeu entre as acciamações ge-
raes.»
E agora ouçamos o próprio auclor, e seja elle que nos
diga quaes os sentimentos que o animavam n'esta quadra
de tanta vida e esperanças para as. nossas lettras. — «O que
eu tinha no coração e na cabeça— a restauração do nosso
theatro— seu fundador Gil Vicente— seu primeiro protector
el-rei D. Manuel— aquella grande época, aquella grande glo-
ria—de tudo isto se fez o drama.»
Eis como se exprimia o visconde de Almeida Garrett. Era
um nobre e fecundo pensamento que desabroxava ao sol de
uma luminosa éra litteraria. Em roda tudo refulgia esperan-
ças, incitamento e vida.
E esta época não vae longe; apenas teem decorrido vinte
e tantos annos ; * e comtudo, comparados os seus altivos e
generosos impulsos, o movimento, o calor, o fogo que ateia-
va e impellia então os ânimos, com a frieza, com a apa-
Ihia e quasi desapego de tudo e de todos que hoje resfria
as almas e lhes encolhe as azas para todos os voos de largo
* Este artigo era escripto em 1859.
LRmAvnu 49
e audacioso akanee, como ârstante^ '^ nm affigurani todos
dites sucQSSsosI Parece tudo isto uma iltusSo dos sentidos,
oa qm jogo^de óptica que nos sarja diaote dos oitios! 06'
mancebos d'esse teitipo sio apenas ao presente bomens' fei-
tos, e tada\ia são 0ltes os propr4oa q»e sè. recordam, com-
o sorHr nos lábios, mas com o amargo sorrir que sente o
espinho da saudade a pungir o ooraçSo, d^esses dias de*
exaltação e embriaguez, em qae o triufmf)ho de umdranta,
em que o apipareovmenlo de um livrinho de versos, em qiie
a neiveiaçao de uma vocaOSo aospíeiosa erá a mais applau'*
didó e aimôjado acontecimento porque aquelles peitos amda'
juvenis poderiam anciar.
'■ Mas- esta reacçlo teve os seus excessos, e os sens deva-
neios, €omo todasras reacções^ O desejo de resiiscítar a
e^de-medía, com ledos oifc seus dastetlos e castellSs, arne-
zes e moirides; adarnes e pontes^lèvadíças^ com as suas ca^-
tlvedraes goithieas -e -ogivas de vidros coloridos de iliumi*'
miras my^icas, cn^ptios povoados de espectros e tradições
iegendarras, que no culto popular tHríhmi a sáa orígetn poe^
tica elttteraria/tMas estas idéas triste^ e sinistrai ^nlucta-^'
vam as imaginaçdes. A estas predilecções, que n9o foram
outra cousa seríão >a resurreíçSo d^-este género litterarro,
veip agrqpan^e o gosto encarecido da historia pátria, mas^
aberta nos iproprio>s eapíUvlos e«i que as sevicias e flagicioe'
â<!>6 régulos fl&iyâaes ministravam assumpto aos engenhos ro-
Bwlne^cos para crear perseguições, torturas, captiveiros ^e
phantasma&y em todos ospalacios-senhorvaes, eM tadas as toF«
resique, a deoèndararem^-se ^das fragas das serranias, der^
rooadas>e meio ocoultas^ em fossois e matag^es, ainda mais*
teiíebrõslis sotorrUivam escondidas pela s^iperstlçHo do povo
nos mysteríoá romaviesGOâ^ da^ escuridão dos sectílos. A his--
toria.de Infgteterra; Fdfoaqceíaida por Walter Scott, a NôPre
Iktmêde PaN^ easnUveltas ^bisíoEicas^ de Ate<xandre Dumas
inspiraram ao illaslre auctor do Eurico, a Abobadai o Mes^
Wé\G»ly estudos èm' que asi iradiçSês legendarias rea^umi-^'
ram as feições que só a profunda investigação archeoldgicd'
dabe^rcK^cmipèir' 6 animar. O'èenio litterariò dos noseos>fiián-
eebes' escriptores despertou ,f e aocendeu-sé em emfulaçãd^
a eéte ct^mamenlò, iléitii pefo' a^<^oridade de' unrnomie,
aonstèilado t pelos ptieisligiiesi do itátefitt^le ^' sabefi^, ^ ainda;
mais- 1 peles ftilg^s dos' trínmphos^que iliD^pairlMi^ e<
(M)ns€4enciosili'pagina8ia0dbavdm''de'écynquist^^ * >: ' '
TOMO 1 4
90 UTOftâlVtA.
B Q ^f. Àlei:;9d[)djre Herootooí, oomo. o visboode de Al-
iQeida 6arr6(l, olio roram unícamentó um didmplo e uia
mcxléla para a mocúilade Qdtudiosa au« então alvorecia para
as leUra&, senão as mestres e o& cbefes de umaedchola, peia
solicitude com que ora acQdiasi á voÔHâ<i)i que/ se via eo*
tregjue apeaas aos seus esforços vacilantes» . ara (roclama*
vam com a sua palavra auctorisada as iaileUií$eDciis já pro-
v^d^s en) esp^rançosas, tentativas*
iRebelloda Silva foi um dos íliscipoias^ Jâais.aolâveia d^esr
ta e&chola. í^a Gpsniordma ííHerari9f • iorm\ .dâSocieâada
EscMastjco^Phylomatica» já eUe tiavia easaiadD^igaDs gêae*
ros, sobresaindo o romance historlooi a Timudà* de Ceuta.
PQrém, a sua verdadeira estreia, nesta, espeoiatidade, deve
de coâsiderar*se o Raussv p&r ,Hamizio,^ saido á^ estampa
ua Revisia Universal d e 1842 elS^k. Basta attoatar no li-
tuio da obra, para comprelieoder logo que be trata de.am es-^:
tudo litterario levado aos extremos das investigações da. arf
cheologia* Eí&çtivamentie, o gosto e&agerado> das leodas* e
costumes da edtide-media« época que o movimento romoisi*
tico, com todas as predilecções da sua índole,. :bavia contra^,
posto ao predomínio das influencias clássicas, obrigara a ima*
ginação dos romancistas e dramaturgos a eotraob^se pelas
regiões enubladas do passado, e a fa^iíer consistir o principal
mérito de seus escriptos na reproducçao exacta desses cos*
tungies semi-gothicos, costumes a que o brial recamado da
cavallaria. esforçando-se pelos envolver nos dopaires da$:
instituições da gentileza militar, não conseguiu esconder
a, ferocidade dos rudes inslinctoa das leis sanguinárias
das tradições guerreiras da velba Germânia, tudo isto dos
apparece e tudo se respira 4ioiiat49«o por Homizio. Os códi-
ces dos séculos xiv, e do século xv, o amor das ruioas re-
commendadas pela superstição popular, e autbeatieado pelas
investigações de Ducange^ Viterbo e Montfaucoo, toroaca^se
a fonte de inspiração e de ensino D'estas obras, em que
o poeta abatia as azas da pbaatasia diante d6s escrupuloa
do antiquário.
Vieram depois tempos de critica mais atilados e de oiaia
fino e acrysolado gosto» e esta nuvem que entenebrecia d&
espíritos, dissipou-se» deixando ver asaplos e. aprazíveis tu)-
risontes. O estudo da historia uio esqueceu» mas não foi
inculcada só uma época como thema absoluto para todas as
formas da arte: o taleato percorreu muitas outras, e saltou
st
r
até para fôra dos. limites dasveibas chroQÍeas,.oanipQlsiQ-
cIq com mais acerto soas tendoaoias e apitdSes.O (Míd ve»
lho mo cansa, oQvelta br&ioriGa tainb6m».de Batello daSil-»
va,, figurai. ainda coma trabalho que pekrtdoee i -ordem .d9
idéas de qu6 1i^iámos> mas a. UUima carridm deitaurns rtàes
em Saií)aterr(it a sobretudo a Mocidade de A; Joãa V, apreien-
tam-009 já otanovoi áspero,, tanto, pelos in^tinclos qaema^
nifest^m» como pelasí influencias, a que cedem.
.\UUima cofirída deiatiros teaes em Salmterra é apenas bm
episodio do. reinado deD. José I» que servo, como de qua*
<ko á de{rf<;)ravel morte da conde dós. Àrcoe, desveqtBr^te
mancebo qoe» uo auge dos exAremoa da gentíl^a ádalga
â!d()iielk38 tras,'acbou termo a seus dias> n!am combate, de
touros!
Porépi . com que mão de mestre se não: amplia e íHu-
mina este: peqaeno episodio, fataendo-o tomar as prúpor*
0ds rápidas, imas- profundas, do esboço de uma époea his^
íorioat GqmO' a d^cripção do brilhante, concurso dá espe-r
€tadore$^ na praça de Salvaterra, nos apresenta, em vuUo,
ammada de pbysioúomia e de vida, a corte d'aquelles témr
pos e oí seus entretenimentos, em qiie a polidez dos eostin
mes trazidos pelos usos galantes e senhoris dos reinados de
Luiz XIV e Luiz XV, ainda não amenisavam de todo a fe-
rocidade dos instioctos peninsulares, q^ie pediam ao garbo
eavalleiroso dos torneios da edade-med^a o prestigio do seu
valor para se conservarem ainda como um dos distinctivos
do arrojo e perícia da missa nol^eza! Com que donaire o
ettremado oavalleiro não percorre a praça, constrâng^o
o; fogoso ginete a executar todas as manobras em que a arte
equestre o educara í Gomo depois o combate se iravp, o in-
teresse recresce, e a calastropbe se preparai Por Qm conoo
Ibe põem o remate as tintas vagas e sinistras com que Re^
bello da Silva pinta o terror dos espectadores, quasi que
agourado pelo trage de Idcto que vestia o }oven cende dos
Arcos, o cavalleiro terno e gialanteador, na phrase expres-
siva dq romancista, que tSo romanesco oos torna este fldal-
go com os tons magicc^s do seu pincel opulento de colorídot
Depois õomo.nos apparece essa Qgura veneranda e gran-
diosa de v^lbo marquez de Marialva» que, esquecido dos an-
nos e com p sentimento da vingança tingindo-lbe o rosto
das sombras da morte, pede licença ao rei para vingar sea
fiibol
LRTEIIATDIIA
tisÊicBtdafâes; BMS como romance, como fabuia em que a
ima^iKiçSo cria um laixteda vKja, ou o aproveita, se o de-
para a propósito, e o enriquece, e mottiiilic» e agrupa de-
episódios, Bem lhe qvebrar o So do interesse capital, an-
tes accrfl)centatido-)l>'o com accidentes qae naturainenle oo
eorretn a filisr-se em torno de Iodas » scenaR da existên-
cia, como romance d'esle género follain-lbe as cohdiçSes
esãenoiaes. O pinto río é largamente concebido; a sua ur-
diduitad fròuss, inconsistente, e inienneada de tecidcs, con[io
o capiluto do desabo do poeta, qne, se n3o sSo estranhos-
de todo jo pensamertto capil;il, como pinlura dos costu-
mes da época, retardflra-thè a acçSo e idiam o desenlace,
sem excitarem mais curiosidade ao leitor, como escHpto de
imaginação. Percebe-se que a Mocidade fflra escripta ao&
quadros * para uma publicação periódica, e que não foi a
natoreza do semanário que dividiu o romance, depois à'e-
Mto já, senSo o romance qne acompanhou o semanário, nas-
cendo dividido como elle. D'este escrever inlerronipido,-e'
sájeito'9 capitules, que o-auclor desejava por v<;ntora emok
durar nos limites do interesse que devem acompanhar e reíi-
nir fragntenlos lidos com tantos diafe dé intervallo, e que
por isso mesmo aconselham o fazer de cnda capitulo uma
espécie de painel sobre si, nasceu decerto a quebra ou froo^'
xMão dacontexturíi geral, que devera apertar e unificar o po-í
manse em todas as soas partes.
App3['eoe talvez outra falta na Mocidade de D. João Vj
(joe não terá escapado ao critico perspicaz, que é a ausên-
cia éo sentimaito. O capitulo dasTVei» graças, coín rasSo-
gabado como analyse de coração femitmw; como conjnncto'
gracioso e delicado de três retratos, cujo mimo de loque «•
reahje defetçôes tanto oaprosimám de um d'estes brincos
de PouBsin* se elle lograsse dar voz e aegSo ás suas c#ea* '
çõea, como colloqnio intimo de confidencias de donzellas, é;
antes uma disserlaçHí) em que domina a metapbysica' do
sentimento do que o sentir e piilsni- da ]>,■)[•> di' ires me-
ninas. ThereM, Catharina e Ceoiliit Oism leam nvisniliimente
jttna de diversas theses do amor,^«fMÉ^am ;ir <lis('ipu>» ~
ikaad. Scodéri, quando os imir ^*lo juvenil »'
,IH^dos e regulados, n'iiiii íosi ^|^«*' P^l»!
■^ms- e niybmintiiB dos hnns ViRtbouM
^K MBHMe hUu p^niitivameulc
"' O que ^ Mõcíâéâede D, João fé, principalirtente; é om
magnifico quadro histórico, alegrada, a Íniorvallòs,,cle epi-
sódios fttcclos, em qae os dòies safyricos do escripioi* des-
pedem todas às seltiis dò génio sarcástico de Rabélais, mas
também onde ú cohírepçSo grandiosa de várias figuras' er-
gue o pensamento ás considerações eieiadas da historia e
da poHtrca. Os lances dfamatlcos, que ligam' os princi|1a(ís
personagens, 'São apenas' o preti3Xlo para os trazer aos dif-
ferentes planos do qnadrt),' e agrupal-os. D'entrç estús flgtí-
ras surge, como a primeira, à do padre Ventura, magèsto-
so vulto que realisa o ídéaf da Companhia de Jesus, con-
forme a inâlittrití Ignacio de Loyola. N3o é o jesuíta mlgár,
o jesuíta histórico, argtiMo^e vituperado; n5o é o Bodin de
EJugénio Sue, que pratica, ei^té d bem. para Aégar aos fins
positiveis e ignóbeis da ordem ; é a figura grandiosa de Mi-
gfoel Angelo Tamburinr. geral dg famosa Sociedade, que ex-
plica no conselho se<íreto o vasto platiO que abrangia to-
das as ínflueriçias da= época; plagio qíie, animado e dirigido
péla cohgf^ega^aó dos horiiens que sô a íhietligencia, a de-
dicaçSo, a supbetnatMa social e' um ^igiflo inquebrantável
reuniam n'um vasto e océultò poder, afcançária chegar a
dominar os thrtertos e os povos, sem ofl^ensa para nenhum
e verdadeira exaítaçlio do pensamento que operasse obra
ISo uhivér^-l. BrA dsle o sonho àó Quintb Império, nSo o
das trovas s^basticas; nf^as o 'das ambiciosas concepções dè
aquelles hércules, qde' trabafhávatn sempre, noite e dia, no
confeSsionrfMo, ua intimidade da fetoilia'. na catechese longf-
(jOa e arriscada da America, ria miss3o ainda mais perigosa
entre bárbaros' dôs áéíos de Africa, para chegar a tão suspi-
rado fim. • • !'
O colloqtíiò que este- homem eminente tem por ultimo
com D. JoSo V, já lentSo rei , ' completa de todo à fdéa gran-
diosa que: poderifií è dísíveríâ ter aquella Oírdetu, ée ella obe-
decesse ao» estatuto- qttei lhe deixou seu fundador ; se nSô
foBsetti hòmerts còntamirtadòá de ruins fiaixqes que o per-
vertessem, e sé ' principalmente a houvessem Intendido e
praticado eomò a intende eexpllca^RebeHo dk Silva no seli
"•ívro. Qtiando; nsb fosseòutro o merifo da otra, bastaria
ta persdniflfcá(j5b; 'énf' qtíèí se cfncârrtam pCFisiarj^entos tSo
ados e tamafn^o âlcdrifce Mstòrico e phríosotibícò, e, pòr
z d'ella, a idéa magestosa da reconstrucção social que
líMo niift nos diz o pw)re Ventura dos ihsti*ctos' e es-
§6 ]L)ffnsaA9RmA
forçps da Companbia, para se apreciar, uio o padre Venta-
ra, nem a Companhia, luas o escriptor eminente qw^ pelo
vigor de iiraa aJta intelligeocia, conseguiu dar aucM>ridade«
prestigio e 3ympathia a coqsas e a^bomeos que Ião dacahi*
dos andam no conceito universal. É este um graude mérito
de Rebello da Silva.
Porém, não são estas aá únicas creacôes apreciáveis da
Mocidade, porque junto do gera} dos jesuitas fez o auctor
apparecer, e no mesmo plano, o secretario das mercês de
D. Pedro lU Diogo (ie Mendonça Corte Real» tigmeo) QotaT
vel que se distinguiu na historia politica do tempo, e não
sõ na habilidade e consun^da eiperieooia <;om que diri-
gia os (^gocios do estado nas suas relações interiore^^ se^
não ^m tudo que respeitava ásdiíliculdades diplomatioaa d%
época, chegando a Ster celebrado pela sua sagacidade entre
os diplomatas de Luiz XIV e Luiz XV. N'est9 personagem
subsiste um profundo estudo histórico, de certo, e de subi-
da valia; mas, talvez, quem bem o inquerir e analysar acba^
rá no argucioso ministro de D. Pecjro 11 e de D. João V,
não raros nem inequivocos. traços de uma physionomia il*-
lustre, que a historia contemporânea já registpu e que a
todos nós lembra com siudade ^ Entre um e outro havia
indubitável semelhança e foi seguramente d-este accordocpia
$ahiu tão vivo e perfeílo o retrato, porque s^ da inferência
das memorias e opúsculos do tempo não seria fácil cplber
(leduoções para reconstruir e levantar vultos tão acabados.
A musa da comedia não iiiventa, colhe os ridículos, ^ n'el-
les exprime os defeitos da sociedade,^ flagelLaBdo-os. Como
o (oçio da estatua de Pygmalíão, anima s6 o que já possiie
formas conhecidas. Diogo de Mendonça não é outra cousa
senão um grande personagem da: grande ncomodia poliiiça
d'aquelle$ tempos; e, para sobresabir perfeito, nai tel|a do
romance, ou tinh^ de ser conhecido ou copiado, porque si$
illaçõÓ3 são impotentes para tamanhos resuúados.
Ém, volta destas i^i^ras» que resumem o p^^aq^ento
philQsophico dOTomanee e firmam as prijicipaas molas, da
^cção» surgem as figuras burlescas do comqíieiMiador Telles»
erudito de salla que sahe da existência da& pyramides do
Egypto, porque ha estampas, que a^ reprodu^^m; o a&|v<
quario abb^de Silva, cujo coQhecimenlo dos ^gredos da
um»&TDiu 87
arcbeologia» nio vae mui além da decifração dos caracieres
dd quaesquer códices ou lapidas cpie um menos mau latw
usta leia correctamente; o beato Thomé das Chogas, e a
seabora. Perpetua das Dores, comitiva de typos cómicos que
a veia de Scarron anima, e o lápis de Cham exagera com os
seus rai^gos malignos, deotre os quaés sobresahe, como uvm
exoepc3o que a custo se escapa d'estas influencias de co*
medisi picaresca, a figura galharda e insinuante de Jcrony^
mo Guerreiro, amante e militar, transparecendo-lhe no sem*
bUnte vivo o fogo e a resolução de qualquer d 'estas alterna^
tivas porque tem passado a sua existência.
EmSm, Rebello da Silva, não é um romancista de imagi-
Dação fjgcunda e dotes creadores» nem de \ivo sentimento^
mas, espirito fino e satyrico, occupa de certo o primeiro lu-
gar entre nós como eseríptor da escbola de Sterne, Cbamissa
a Swift. Observador perspicas, a ponto de muitas vezes tos-
car a minúcia; babíí em collier em flagrante os ridrcolos
da sociedade; abundante e fácil na narrativa, género em que
ostenta todos os thesouros de unda erodifão sempre opu^
leoia e opportuna, assim como as riquezas do idioma, qvé
elje conhece & adapta a todas as exigências como poucos;
propendendo com ínstinetiva facilidade para o faceto, mas
sabando*se precaver a tempo contra essas tentações do ge^
nio malévolo da satyra, quando a gravidade do assumpto o
põe acima doscbascbs da inspiraçSo cómica, o illustreescrfp-
tordeve ser tido, principalmente, como um pensador, critico
e moralista. V^se no acinte com que flagella certos perSo-<
n^ens, ser inexorável contra os néscios, e tem rasão, por*'
qitte sSaa peior praga que Deus deitou aomonido. É ordíná-
riaipQDte com a espada de dois gumes, do motejo afiadq
na nroqip, que entra n'e8las pelejas. Rabellais, Cervantes e
Molière são os nftoâarchas doeste género, e>Rebello da Silva,
qae tanto, os tem estudado, que taufo os trata e decdta,
não {xéde deixar de os seguir, sobrettido cfuando a^ ten*'
denoias de se« espirito caminham provocadas pelos sorri-»
sqs sarcásticos do demónio da analyse, e os objectos que
lhe aipon^ia o dedq do Saianaz do grotesco são algumas d^es*
sa^ criaturas que iencbem o mundo dos seus ridículos e da
sua ÍB^flScieo«ia.
Mas, caso notável. Bebello da Silva encerra em si duas
eqtiAades completatt^ale oppostas, se aaalysamos n'elle o jor^'
natksta a o orador pojitieoi: o jornalista cmfimâe*se muitas
S8 littbiiátoiia
vezes cora o verrlnario; e o orador jávridis transpS^ ás relids
naturaes da questão dos princípios, para disparar ai^ íhve-
etivas pessoaes que ultimamente taoto se crneam nófs parla-
mentos modernos. Isto ulo quer dizei- que Rebelló» dá SiH*a
haja sido um escriptor político que só maneje as armas tia
aggressâo, ou que o dev^m unicamente còn«iderat<- como
uma penna aparada para. o pamphleto ou fecunda em dia-
tribes, mas, tendo militado desde 1640 na oppodi<^5o;d'onde
raríssimas vezes sahin, o seu esiylo inspirou-se de eel-to da
violência, que as discordiaè partidárias tem levado ás diver-
sas parcerias politicas. . ' •
No entanto, importa dizel-o, e- com louvor pára Hebéllo
da Silva, sobretudo hoje, em que a constúencia do homens
publico é.thormometro que se eleva ou at)aixa^fi}talfnetíte
sob o influxo do ambiente governativo: foi sempre 'no campo
moderado, e em defeza dos bons princípios que o vimos sds--
tentar o seu posto. Escrevendo de comôço em atgUmaís fo-
lhas, tomou por fim a redacçSo da Cartai como prlmeir^o
redactor, em companhia de Mendes Leal e Silva Turno- ^e em
1852 escreveu, quasi só, o jornal a Imprensa, Era qualquer
d'e8tes periódicos se mostrou o publicista esclarecido 'que
largos e porfiados estudos em admínif^traçlio O' economia
politica, haviam preparado, e que o conhecimento- da his-
toria e bellas-lettras fecundara.
- Todos se recordam ainda dos admiráveis artigos q»e a
impressão de momento fazia accudir á sua penna ^ portjilrè
Rebello da Silva, mormente na vida jí)rnalisrtca, poucas ve-
zes escrevia que nâo fosse com essa pasmo^a rapide^r, q|tfe
só conhecem .aquelles que tratam de perto cora as exigéuciéâ
quotidianas das folhas politicas. Esta fecundidade é um^Uos'
dotes do seu talento, tão fácil e espontâneo em moléar-
se^na forma que o assumpto lhe determina. ^*
Porém, esta facilidade, n'elle, ASio é sómehte uni restrt-
tado da vivacidade de imaginaçílo e qualidades repentistas,;
que todos lhe reconhecera, porque Rebello á^ Sif va nSo éf
dos escriptores que. tomam a penna e a entregam òOAi ou-
sadia temerária aos aca^s da inspiração: Esses esòriptôres,
qúe, como a águia, contam mais com o vigor das áisâís,' do
que com as faculdades mentaes, se muitas veae^ 'ábrancaitV
voos, como a rainha das^ves, que rásgaiíi b espaço e^Vio
buscar apenas pouso no cimo -de aprumados alcantis; biYtras:^
também se éenleai sem tino, nem norte» envolvidas dâès-
ciiridio dp {amieiro nevoeiro qAie paira na aUufos^inti» Re^
beilo da Silva, D|k)"iiDprovi$av escreraQOfi) JnQriv«el» etim
•ânúravel i ivieioeidadie^: e e$cfeu assiio,, porque iQ'eile ia idéa
já letíà elaborada e €X)fi(1(yn8ada na e^at lõrma maia eocwtisa e
faoil. O .maoiíe&taUa torparse Uie ^perms um processo que
effet(lua.$eoa esforfo.i V ! f t ;
D'mlas iSOas. polenH^s jormUsii€d6 fifcou; nu eaemopia.de
taàoa mat& de ume^ptonodavel.. As qu^sito^ <]e direito
publico e de fazenda acharam sempre n'elle um e^criptor^
qiie>«á luoideB deíe]ipo^i<fão/e^vi(il()r.dedf|l(Hioa» .ajuntava o
canbeoimento esaoto .q ícabat daa maleria& que- tratava. Nou^
tro ^DBPO .iornaram^^se celebradas as.a&alyses,. ou juízos
das.sesaõesi.âas camarás, dados á eationpa diat^ir^iamente
na Mpnmksa,: 0preciMCQ0s esicriptas ao conter da.penna, e
em iqw esta não poucas ^íeee^ se. Irocava no tsiylete acerado
de Juv£taa^ indo ferir ide morte ôs.Hartensiosi: certa najos,
que entãov c<Moo em.todi^ '0S'temf)iQ6i!enfeât}dvam a tribuna
parlamenlaf» gagii6>ando disdursos que afugl^ntavam os au-
(Ktomosi! ■ • "i. ' . . ? '
Reb^Uo daSUva, ain^dameamo^atregaeiáãí.tarefaada po*
ttliça^,quii,;/ein espiriM)is manos fecundos^ eatentisam setn^
pre OjidealieataiB os. vôosia:tiido qu^ nQo ^eja? rastejar pelos
teiu^nbs raao^ das questões positivas^ m^inteveem todo o
tempo ;0r seu logar», maisiou inenosaciiivoyDa imprensa lit-
teraria..^FDi n:unft. ck'asles 'íntervallos miais d0$occupados,
(|*6 r ditei idâu a. lume fosF^OiSia^ da Egrejt^, iíA^n que pro-
metliaiSQKis^largíi dairaçâio, eique^t eom f^»ar pana os^ amia-
doresi.da^ tettras i^aor^s, Aeou &ó no .printeiro século do
Osí tnabaibos^da crática devemtlbei porém^ bastante, e pena
è qiiejaiiMmorta.^ra ElminOi iQiagístital dissetftaçgo que
serve de prefaciar a tilibimp(edigãk)i4^&^brad de B|0(:age, bs^
sítta como a.eiruditacoltocoãOidei artigos «acerba dos Poetasí
déAim^ditíf nao fossem .aindu seguidas de outros escripUoSi
da mesma espécie, com que muitoig^ib^ia a historia d»
QQlsQ HlMnaitttra, f e a pliitolagia em ^geroK Poucos, como
Bfibello ida Silvai laqUilatam^melbor o^vMqr dei^uilquer \i-
yro^.iiiM»\wm»\^ ballesas^e defertos*. Sèmveíxduir aaf)a-
l3rsf,iabtas> pwrtimloi ã^tíWin e da: mai3 profunda; pdra ebe-
gar aoS' resultados id^íapreoiíçâ!^ geral,. 9< seu taleiítos, natur
ralaiMte propenso áfiu^on^nb^laiciaoãe^' syjfitb^tJc&s, coqmk
toâoaios.talpntoftialtamesrtç eapiritealistas^ 6 porisso^geoe^
69 EmtnAttttu
rallsadores, teyantd o&i tbemBs lilleí*»rÍos sr «hhi grande al^
turai, 6 6 â'essas regimes que- os dê60Ã\Hyfve e aprecia, ge*
nero de tirilica em qdo^lia de Vittemain e Ouizôt^ ttiarsekii
qire ha afinda mais d'a<|ridlè qud 'd'e^fe, p&t(\m esta i»)rle
de critica, mais ideal qiie dè nma rígòrosji dedocQSd scieiH
tifica, foge de toda a formula de ensino o desprende ^tos,
a qne a t;ensi()llidâdié t &i arrebat^ménlòs dapha»ta»a<kn-
pèttem o pensamento/ qmndio' o ferem algdtna^ das fàitéM
do bsHo. ,
Como orador, Rèbello da SHva é ttma das palafvras mdis
correctas e inspiradas da noss^ tritMina. Antes de obega^ao
parlamento, o seu tyroctflio oratório baTia )á âido lon^o e
auspioíoBo. Vimol-o, mancebo de t7 annos^ começar ii*es>-
ses ensaios de discussUofia sociedade fiscbolastite^RbjrtoVna»
tica, para ir com o templo conquistando creditou e Irium-
phos, até chegar á arena politio», onde os largos burisohteft
dos debates parlamentareis IHe offereceram âmbito, «r, -e i&^
citamento a todos os arrojos^^do seu verbo audai2. f*
Foi em 1846 a primeira legislatura dô que fez parle. A
sua estreia era desejada por todos qoe (he conhedíafai' os
recur^^os do talento oratório; O assciA^plo, todavia, em que
primeiro medid as forças, fo» hm assumplo aridd e pouo»
sympalhioo, porque foi m renhido debate oue se inawo
ácérca das eleiçCes dk) Afgai^e; mas a aoíieflidade que lum^
seguiu dar^ibè, salpndo*o at6 do ctristosats alUiBÕis, pneit^
deu logo â camará inteirará phrase - fluente, illominédaAi
in»agens, aguda e penetrante. de conceito. A imprensa (éláte^
jou a sua apparíç9o, e os certaMes poltUcos coutaram oouk
um athleta de mais, que promettia ser tão dexti^ nas evo-
luções estratégicas da controvérsia, como nias ífr^tida^ te-
merárias da opposíçso aggressiva. li versado mi negtMios
públicos, te\B sua slssídáidade no jornttlisittOy tddas as qite»-
tões se lhe apresentaram fahorHares, disodtindo com faoMi^
dade as^ económicas, e iffostrafndo raro cabedal demMed*
mentos nas admmièfrativiís.
Mas como orador, Rebello 4a âilva, pela sua tadòle, pela»
suas tendetK^ías, p64es rasgos doeeu espirito e petos lahd^
pe)os dfl phantasia, quêf lhe refWge na pbra^ e- iitaliiiina d
idéa, é ainda mais um omdoh acadefaiibo que mu aridor po^
Ktico. Cònbecese que aquente > belto laliíihto, edbcadD-DO es^
tildo dos bobs exemplais dd «nfUgoídade e «ouiempoifâMoe*
opulento de todas a^ li(Hii$ániti&> qM tMtem ò piihdamemo
ummmui ai
áfl8,£6rr«as( mais atti»eliv«6, talento iSo íoelinado a. ampliar
on fipraodes tbeses todas as. qOeslõeâ, e a cii)01*as das So*
Fes^eumaioiagioaçlio vi(ma, ri60ob«>>e perf amacia:; vé-sa
QBd espirito assim a oão bafejoti Deus para voar por entrei
os matagaes das argucias sttk)g:Í6tica8 da falsa fó ppirtidaria»
e ainda menos paf*a eaperdiçar o viço e a ilôr na arid^ez dos
problemas ecoaonliaia e floaoeQiros.' Percorre esse terreno,
e.ittom segurança e arrojo, porqipe.aiguia tao bem eórtaoa
péquenoá eap^ços como sareatonlaás incomnaenauraYeis ai-
toraa^ mas .f criiiea lamenta qde forças tão possamae e esmer»
radas se percam nToiítras oommettimentos que não ataquei*
to^-paracpie a. Providencia ai destiiKJia. Lamartine» em Frao-
ça, e Almeida Garrett, em Portugal, são os! dota represea^
tanies é^eeta». diríamos eschola- oratoiia,. se tivesse d iseipaios
e*iIbe<ftese.dado graogear seguidoí^, porém nâo é fácil, e
RebeU^ da^SiJNay apnxxkoa&do^ge doestes dois príncipes dai
eloqueacía, patenteia maig uma vooaKâo espacial do que se*
gae os preceito^ de tão grandiosos modelos.. . i.
Um doa maíore8:,triompho^>oratoríos-de RebellOida SiK
va» o loaior tal?i^ez, peto quadro de circum&taQcias que. o
rodeariam, foi o seu . ditscurso . suBciiado pelo acto addicio-
aaU em 1A52. .Militava eoiao.ina opposiçlp, e no banco dos
Hiinistiros senta vamrse bbmens da orateka ^ de . Rod^go da
Fofíseoai lliagalbaes, do duque de Satdaoba, de António Luiz.
át: Seabra e do viscoiKle dò.Alipeida Garrett, Este. gabinete
Qu^ resumia as câlebrtdadefc qtíe à^ tetiras pátrias, os.triíamf*
pboS'.de'<fòro;os louros da vtctoria. e as magniScencias da
oraloria parlaimentbr apresentaivam ide mais illoslre na soe^
pa^da politica, estavaem A^efitejdojQveA oradoru Em roda
agrapav^' senlhe uiaa caniatia fiie, .sem acinte^ nen» de^ayre
para nenhuma pari^ialidade, poderemos ,Qom segurança clas^-
siSeár coAiOiOimaia sallecto e Ulnstiriido coDgresao nacional
qae ainda; d: valo poblico^ troui^ea S..Bento. Acabava de. orar
o 9íutXDr:Mi)i.[BiP(m€a^ A s^mbl^á queestegcandeívulto pror-
jeotava sohr& todos, Kfueiseibeapuroximavam, qoaaéo seer^-
gaia fláraifallar; ^oilupana eeiraveri :«fra;sempre immensa. Na
tribuna, . eomiOí 00$ doinijnoâ^éa ipioesia^ os tbesiouroa.daseix
safaerle^^a&ipoinpafr.da phantasfia florejajvam-^lhe.dKDiSi lábios»,
deixando todos suspensos e attrahidos. Foi debaixo . de .uma
d'estas impressões que' Rebetto da Silva se levantou para
reapodider ao< • i>iacobãe. .d^Almâida; Garèetk O inanteb0> :de-
puladO' tiobá-o esçuSaKto^xomQi.OiiiresfQ da.^GaiuáFa» ^ íi^q
62 UmitíkTDiU
bastava para lhe arrebatar todos os sentidos e faser esqoe^
cer o papel de antagonista. E Rebello da SHva erà ont do»
mais sinceros e enthasiasticos admiradores do grande pae^^
ta; mas q debate bavia^se empenhado* e era »isler>sahir^
com honra do empenho, e sahim.
Rebello da Stlva ergoeu-se, e inclinando-se oom reépeito
diante do chefe da noissa titteratura moderna, soitoo algu-
mas palavras! de exórdio, qi)e foram o sobejo par9'^llrahir
ein volta de si a camará todac Galerias e deputados; tiidq
se tornou ée repente presa da t^nsio gerai» ()ue conceoH
trou n'um só todos os sentimentos. For um certame que
eialtòu a tribuna portogoeza^ honrando ao mesmo -tempe
os dois contendores. . • . : > . r« /
Ainda me lembro, d^eâsa sessão, uma. das mais Aotafeig
do nosso parlamento. Os deputados, enlevados nos- â()n8:de
palavra tão cheia do prestígios, haviam descido dos^ seus loM
gares, e cingiam o orador como de um circulo de adaiírá"
ção, permanecendo em tomod^elle. Os applausos n«o go««
nheciam nem direita, nem esquerda: subsistia s6 o eDtha-
siasmo, que dominava as imagi^iações, e que coroava nas
phrases do talentoso deputado, o publicista e o orador.-
E quem diria que, decorridos três annos, a mesma voe
havia de soltar*se sobre a campa do grande poeta^polralan
mentar tão irremediável perda t Foi talvez um dos momen-
tos de mais viva angustia para o coração do amigo e do
discípulo: mas a; solemnidade do concurso, a agonia: qoe
fundo cavara os seios da alma, as sombras da eternidade
que já envolviam o nobre finado, fazendo sobresahir mais
o fulgor á aureola de que a* posteridade cercara o seu nome»
todo este conjuncto de circumstancias tristes, mas q^ie arre-
batavam a phantasia para as regiões do mysterio e da contem^
plação, feriram a sensibilidade e a imaginação de Rebello da
Silva, as duas mais poderosas e eminentes faculdades que
poderiam mover o orador á beira de uma sepultura. Nunca
a saudade do amigo arrancara mais sublime vòo á melan*»
cholica e solemne eloquência dos túmulos 1 N'aquella dôr
houve uma sublimidade sem esforço, porque gemeu no fun-
do de alma, antes que o talento o tomasse nas azas doura-
das da inspiração.
■ I ■
Rebello da Silva é actualmente membro do conselho su-
perior de instrucção publica, logar onde pôde fazer valioso^
iITT£RATtmA 69
seifvii^!^ ín^rqcçâae ás: loiras. tA Aeadefnili das Scieoclâá
bQiu:a*se de o contar no seu grémio já baannos^e os tra-
UalUo^qqe essa corporação dhe tem incumbido mostram o
subido cQQceito em que tem a sua aptidão e os seus bons
(}^çejoSt.i $( quadro ekmmt0ír^da$ relações polUicas e diplo^
m£^UGq«i*4^Portuffal,mmeçHáo pelo viscon()e;de Santarém;
é !(;(m4:es^e^. trabalhos. que o dístincto académico vae pror
S€g2[(li^Q« precedendo os volumes de luminosos . prefácios
em que algumas épocas da nossa historia» devassadas: com
a^Si^gur-iiaç^i áe uma analyse conscienciosa, nos patenteiam
muilQs4<^ segredos dos seus principaes acoatecimedtos.
. m jlnipnensa Nacional está também para'sab»r a lume a
HisíQria)fía B^Hauração de> 1640, obra para que o labot
rjQSO 'ej^cvip4Qr havia colhido já materiaes em- diversas èpO'^
cas, ^ ^oe Nagora conseguiu publicar, cótn applausos úos
^jí:e^íadoro$ dos livros de reconhecida, utilidade.
. vicl^uaimente Beb^Ho da Silwa foi escolhi do -por sua Mav^
geçiade a Swhpr D. Pedro V, par^ tomar contada cadeira
de historia pátria, no Curso Siupàrior de LeUras, que este
principe^ com o zelo e amor Utterarío que todos ii'elie admi*
ram, creou ba pouco, e que em breves dias começa as
suas prelecções. Os seus conhecimentos espécimes n'este gru-
po de sciencia6 moraes e politicas, de sobejo attestados em
tantos documentosi» dão*nDs um seguro abono de quanto
poderá .taler o seu auxilio n'este Curso. É n^estes trabalbos^
d^ e^<flu^va analyse critica, em que os seus conhecimentos
taoto mos podem aproveitar, qu(^ o quizeramos ver sempre
concentrado. A politica, como uma nuvem negra que por
vezes tenor passado por diante d^aquetla brilhante intelligen-
cid» tem-no roubado ás letras em varias épocas, porém agora»
empenhjaiioem tão grandes compromissos, e vendo ante si
um futuro de gloria, mas de grave e impreterível respon*
sabilidadei é de presumir que as suas vistas se dirijam uni-
camente; para este ponto, que pôde sér, que ha de ser, àf-
fiançamo8-lh'o, um doá seus mais esplendidos borísontes de.
reputação litteraria.
Dezembro-^ 1S59.. ' ' •
E assim foi: o meu vaticinio não sahiu errado, porque
BebeUo tia Silva^ com o seu estudo, com o seu vasto e lu-
minoso espirito e com a sua palavra eloquentíssima, corres-
pooieo Iriampbatítemente ao pensamento do sr« D. Pedro Y.
€4 LmBRATCnA
A fuodaçSo do Corso Superior de Lettras é do Hiostnvão mo-
narcha que coia tanta $oÍicilade o dotou e auspiciou oonsian-
tenente com a sua presença, mas a fama que ad<)uifíu, o
auditório selleolo que para logo correu a escutar as pre-
lecções, foi obra dos prodigios da ek)qu€ncía de Rebello da
Silva. Porém, a politica veiu ainda envolvel-o no 1'edemofAho
das suas lides; e aquella saúde, já alterada, em poucos an-
ãos mostrou que havia muito a receiar péla existência do
ilinstre escriptor.
Durante, este periodo, tão debatido de aUemaliTas, a sua
fecunda iatelligeticia n3o deixou de produzir, e mmieroeos
escriptos, em diversos géneros, vieram accrescent9r4be os
motivos de louvor. S3o d'este tempo» e também de épocas
anteriores, 2í Memoria acerca ia mda lUteraria^ê pêliíica
de D. Francisco Martinez de la Rosa, Elogio hisê^ieode
D. Pedro V, os romances: Lagrimas e íhesouroê e a Caea
doi pkantasmas^ os contos: Pena de Talião, Vknaúvmíàra
de el-rei D. Pedro, O infante santo, o drama D". João 11 e
a nobreza, A torre de Belém, Estadistas fortuguezes. Ora-
dares portuguezes, e outros muitos artigos, dispersos em
variadíssimas fólhas, quer litterarias, quer :poUticas.
. Na tribuna parlamentar, os seus discursos coDtttíUdram a
ser modôlo, sobretudo de estalo académico. No género ver-
rinaríQ, a sua oração contra o sr. bispo de Yi2eu> è das mais
Botáveis que as nassas câmaras tem ouvido^ d talvez das
mais completas, litterariarpeote considerada, se^ exceptuar-
mos o famoso discurso de Porto Pyreu, do visconde -de Al-
meida Garrett, a resposta (de José Estevão, e^ fèlippica tre-
menda do conselheiro Hodrígo da Fonseca contra as aggres-
gões do.dr. Costa Hoitremam^ então deputado, três da(3 ibais
vehementes e celebradas visirinas quie se tem proferido em
assemblèas parlanientares.
Foi este discurso que indigitou a Rebello da Síl^= piara
ministro^ ho gabiqete que suecedeu á siluaçSo de eoti(S pre-
sidido peio sr. duque ^e Loulé. €oube^(he a pasta da ma-
rinha, e na sua gerência ostentou tal activídadcl 'e'«onbeci^
mentos tao especiaes que sufprehenderami os Btfds .affeitos
a admirarem os grandes dotes d'aquelle talento. O relàto-
Eioem três partes, e qué forma um t»om volÂriíe^ àpwBsen-
tado ás oòrtes, logo mezès depois de entrar •• fio igorânio^v
prova de certo quanto Ibs ercjni já {amilidres 'qiiestõèS' tSo
graves é coinpteKás, porque* t^jRiinisterJa daiiiipriíihá ciMran^
:ge o>s mais difficeis ramos em qae se ãitide a ge^enicía do
«^Cadaem ;er»l, pais comprebe«)daaiapmadai cdlonías, gtier-
VB, bzenda>, e até negocias ecdosiaaiieoS', e todds estas ik»»
toi^ias^ lacK)aiiiente^€dmpendi»das e d«9(»avôlyiâas; s« aebani
&'este trabalho q[ue rienham hòmeoi pabliÈoipóde deixar de
lep e éMivdar, sd qaizer eonheoer de peMo^ e com exaetí-
dão, o que é e' o que ptoderáP vir a sièr am dos mais tm-»'
pirtanteS' nafisos d!a nossas adiamlstração; Wúsns» palavra,, se
Aài ctmdrai dt)»']^aii8s Blsbedo da Sftva conuíauou a suisleoK
tar os seus créditos de oraéíkvComb mioistro foi reforina^
éor odm meOvod^, e> admiiiístãradpr com dfeaepotiWQto, re-
<tliinO' e economia.
Infelizmente, o seu estado phvsico já nSo podia CK^mlSo
âft(figosas iUGubrs|ç5es. SifbstiKiid^ o gabíáete de que f^zía
pnv^, r8lírou*se para a s^a Qwhua do» , VaHei vrsiohia a Saa^^
iHAretiv» a buBear socego e conforto is suas Torças debili*
IBÚ»; c^mVaà(í, os seus amigos» qpe' eranr muitos» espe^
raram .delíalda O' sea reslabeleeíraiwito. A enfermidade ag^
gMmm^e, ea iltusSov até abí ei^lerlida, de que a scienda
a poderia debellar, dissipou-se de todo. Yeiu para Lisboa;,
•e ainda durou algum tempo, mas os seus momentos der-
radeiros foram excruciantes.
Cbegou o dia 1) de setembro K O sr. marquez de Avila
pediu a palavra, na camará dos pares, e disse o seguinte:
<Sr. presidente, pedi a palavra para cumprir a triste e
dolorosa missão de participar a v. ex/ e á camará, que o
nosso illustre collega, o sr. Rebello da Silva, um dos or-
namentos doesta camará, e uma das glorias doeste paiz, dei-
xou de existir esta manhã, e tem de ser sepultado ámanbl
ás doze horas do dia.
«Peço á camará que convenha em que se lance na acta a
expressão do nosso justo sentimento por tão grande e irre-
parável perda fapoiados). E a v. ex.* peço egualmente qae
dô as suas ordens, afim de que se prestem ao illustre fina-
do as honras, a que elle tem direito, e ás quaes estou per-
suadido, que toda a camará não deixará de se associar
(muitos apoiados), 1^
Egual participação fez na outra casa do parlamento o de-
putado Marianno de Carvalho.
A magoa que se apoderou de todos foi profunda e sín-
« De 1871. ...
TOMO 1
-I
66 UTTBRATURA
cera. Rebello da Silva, d3o era só uma gloria das nossas
lettras, era também uma grande alma. Quem escreve estas
líiiiias, que foi um dos seus amigos íntimos e mais sinceros,,
sabe-o a fundo. N*aqueile coração não havia senão bondade»
até para os ingratos, que os teve e sobejos.
Deus acuda com o arrependimento áquelles que abrevia*
ram, com fundos golpes, dias tão preciosos!
E assim terminou o ultimo orador da famosa galeria, em
que foi um dos principes a par de Passos Manuel, Garrett,.
Rodrjgo da Fonseca e José Estevão !
A eloquência dos. príneipios generosos e elevadas theses^
politicas, arrebatadas pelas imagens vebementes, expirou
eom elle.
Quando o auctor d'este livro revia a primeira prova da
esboço bíograpbico que acima se lé, teve logo o triste pre-
sentimento de que o livro não sairia a lume ainda em vida.
de Rebello da Silva. O presentimento realisou-se. A biogra-
phia teve de ser arrematada com o necrológio. A aprecia-
ção do escriptor vae orvalhada com as lagrimas de saudade
áo amigo.
/
RODRIGO BA FOKBECA MAOALHISS
A imprensa tornada arma insidiosa.^Àmor que o illustre estadista consagrar
va a esta instituição.— Desassombrodo seu caracter e a BevUla do tmno no
Gymnasio.-— Os calumniadores e o homem publico.-— O panegyrico fea-
demico do sr. Latino Coelho e a eschola politica de Rodrigo da Fonseca.
•— A Inglaterra e a sympathia pelas instituições liberaes da eschola in-
glesa.— Discursos do grande parlamentar.— As necessidades da politica
appellando para o seu tacto governativo.— Sua ida a Coimbra.— O gran-^ .
de estadista no gabinete e na tribuna.— O jornalismo eschola pratica dos
maiores estadistas.— Talento oratório de Rodrigo da Fonseca.— Famosa '
replica de improviso ao discurso do dr. Bazilio Alberto.— Morte e fune-
ral.
Em 1859 publica va-se em Lisboa a Hevistã Contempora^
nea S periódico cujo fim era reunir n'uma série os princi*-
paes traços biographicos do$ faomeos que avultavam enCia
mais importantemente na scena politica, e acompanhai^)»
dos respectivos retratos. Por todos os motivos, o nome do
conselheiro Rodrigo da Fonseca Magalhães, não podia dei-,
xar de ter um logar n'este PaQíbeon de caracteres puUNoos,
visto que Bntre todos, e acima de nraitos d'elles liavia já
figurado como o representante de uma eschola polilrica notá-
vel pelo respeito que consagrava ás iastituições liberaes. e
madureza de priocipic» práticos^ como ai palavra mais elo*:
quente e arguciosa das npssas controvérsias parlameateres,
e.sopce tudpicomo o bomem atilado para quem as neces*
? Aiwèlimote oftaiii, apesar do mesmo titoloi nada tini» de c^nnonait
cpai ^,m)isUi CòfUiimoranea àaLÍ& à estampa em folhetos çiens^Qi^ du-*
rante wànnos de 1859 á 1S63.' Aquelm comççou em Íd48, e seguiu depois
emilSiS. '
68 UrTERATURA
sidades publicas, em occasiões de apuro, viravam muitas
vezes os olhos, procurando na sua prudência e conselho o
remédio dos desconcertos que a cubica de uns e o egoís-
mo de outros haviam trazido á admmistraçâo do estado.
Os editores da Revista Contemporânea solicitaram, pois,
do conselheiro Rodrigo da Fonseca alguns esclarecimentos
que os podesse ajudar no trabalho que intentavam fazer a
seu respeito. A resposta a esta exigência foi concisa e mo-
desta: respondeu que a sua vida nâo valia a pena de escre-
vera, em (juanto fosse vivo; que, de(H)is da quarto, fizesse
a justiça dos homens o que quizesse.
A malevolencia de seus inimigos interpretou a escusa
como evasiva, atraz da qual queriam descobrir o receio do
homem que havia atravessado épocas combatidas de paixões
partidárias difficeis para todos, e onde não poucos earaete-
res públicos tinham naufragado.
Más a esta interpretação insidiosa responde o caso se-
guinte. Em 1852 representava-se no Gymnasio qma revista
do» anno, por titulo Progresso e Fossiíismú. N^esta espécie
de juizo final do anno, a que eram chamados a comas os
ridículos mais característicos da época, appareciam referen-
cias sâlyricas à regeneração,, e ao sr. duquiQ d^ Saldanha e
mais figuras que tomaram parte n'aquelle acontecimento po-
litico. O marechal irritou-se, ou antes a sua corte de auli-
cos por elle. O certo é que a Revista do anno foi avocada
ao cooservatòrtò, e, por essa occasiSo, Rodrigoi da Pdnseoa»
iHÍBÍslro do retfio que era, escreveu ao digno secretarid'
d^^tiell» reparliçao, recommendando-the que examinasse a
Mefíiêta eott escrúpulo: tirem tudo do (h$que (accre«ieeDtava>
eHe) «» dêitem-no para mim. Com tanto que o publico rkti
e-ú theatm ganhe, é o qu» eu desejo.
O hMiçm' que escrevia oom este desassombro* nid temíà-
a> erttica publica e aiada^ menos os motej^^s da satyra maMt'^
zente. E nSo tema. Rodrigo da Fonseca Magathies foi per
muttO' tempo o estadista mais vidímado pete oosso }orna>
lisslmo pdliiicf»* Houvai uma épocai alè em que os fterop^s^
col1fgaA>9 dd opposi^o* só miravam aquelle alvo, Gada qual
aporfiava ei» Ihp cuspir mais mi aleive, ou em lhe assetear
mais a reputação, com tiros que trespassavam o caracter do
boinéni pbbtico o iai» crivar o^ ooraçSh»^ do hoioe» ptrUcti-
lar« Nem o sacrário da hm\\x aem sts santas affaicSto djei
pae 6 esposo tiveram indulto perante este plano de iá&UBia»*
luniuuunniA 69
gio. Nio havia garraio da imprensa, que preleodesse exeN
oitar-se na gymnastica dos doestos quotidianos, ,que se dm
oiCGultasse nas sombras do anonymo, para d^abi Ibe arre^
messar a sua pedrada. E a malícia dos adversários espa*^
Ibava ainda que Rodrigo da Fonseta gostava d'isto: que se
fingia Injuriado, mas que ria por dentro. O que fazia que
muitos tomassem esta tarefa por brinquedo em que affia^
vam as armas e adestravam os melhores golpes da invec-
ctiva. Cursavam a aula da diffamaçio i custa da bonra do
homem de estado. A critica sisuda perguntava: — Por -que
atacam a Rodrigo da Fonseca só quando elle é ministro?
As manchas que lhe notaes serão de agora ou de outros
tempos? São de outros tempos, porque de agora ninguém
se atreve nem a suspeitar da sua honestidade. Pois se as*
sim é, como acontece que aquelles mesmos que o mandam
paiibular diariamente na praça publica da imprensa, o dei-
xaram subir a ministro, a conselheiro de estado, a par do
reino, e o teem chamado sempre em círcumstancias criti-
cas, e lhe teem pedido o auxilio da palavra, na tribuna, e
do conselho, no gabinete, e se ufanam com o soccorro d'es8a
palavra, narrando proverbialmente até os seus conceitos, os
seus chistes e sentenças, e se reputam fortes com o alcance
do conselho, adoptando-o, encarecendo<o e colhendo-ibe os
fructos? Gomo acontece tudo isto? Pois o homem era já
Fotm, e fostes procural-o; e depois de collocado assim em
posição eminente, é que lhe assacaes os defeitos, e nio 4e*
feitos de ministro, senão defeitos de individuo de outras
eras, que por isso vos deveriam ter impedido de concorrer
oom elle nos diversos passos que deu primeiro que clle-
gasse á posição elevada que per fim occupou f
bê todas estas contradícções appareciam documentos tris*
tifôimos nas folhas periódicas. Isto poderia indignar o wà*
nistro e atemorisar o homem particular; e nio aconteoett
assim: o homem particular lastimava^ na intimidade dos aitii*
gos, os desvarios do jornalismo; e o ministro não condem-^
Bou jamais a instilui(^o pelos erros d^aqueUes que mal a
intendiam e representavam.
Pelo menos, esta aggressão parcialissima da parte de aK
gmis periódicos, aggressão que chegou a ser conloio impla*
cavei contra o homem de estado, parece que lhe devia fa-
zer crear aversão á imprensa^ e não fez já mais. Nunca o
víamos mais risonho e expansivo do que quando failava
70 LITTERATURA
dos seus. primeiros anãos de jornalista. Era cooi sandade»
e ao m&snlp tempo com ufania que se lembrava d'essa época .
E até se pagava muito de que o considerassem o decano do
jornalismo poliiico liberal.
Rodrigo da Fonseca MagalhSes era um espírito superior;
etle conhecia-o; mas conhecia -o como o conhece o homem
que conta com as suas forças hercúleas, e sabe que pôde
vencer. Âs mil circumstancias que agrupam em roda do ho-
mem de estado toda a espécie de individuo de mérito e
sem elle, haviamlhe aproximado muito pygmeo, que ruíDS
paixões roíam por dentro e que dava a seus desabafos as
variadíssimas formas que a calumnia inventa, e Rodrigo da
Fonseca Magalhães percebia tudo isto e ria*se. Nada mais
fácil do que enfrear os libellistas que o injuriavam: aos pe-
quenos, era poNos debaixo da acção da justiça, eaos gran-
des, captal-os. Nunca o tentou. A.ppareceu ahi uma lei de
repressão para a imprensa, e foi elle o seu mais incansável
e sincero impugnador. Não nos consta até que chamasse ne-
nhum jornal aos tribunaes, salvo uma vez, e essa mesma
porque o jornal o accusava de peculato. N'essa occasião a
calumnia arranhou a probidade do homem (que foi só uma
vez): então nem se riu, como fazia sempre, nem reeeiou tão
pouco, como assegurava a malevolencia dos inimigos, que
a sentença dos tribunaes viesse conQrmar as accusações fei-
tas nos domínios da politica: appellou para o paiz, repre-
sentado no jury, e o ministro foi julgado sem culpa, e o
jornal condemnado.
Um dos nossos primeiros talentos, *■ tratando de esboçar
o panegyrico académico doeste homem notável, traçou eia
dimensões largas a apologia das revoluções, como quadro
em que naturalmente poderia ser emoldurado o retrato de
Rodrigo da Fonseca Magalhães, e apresentou*o depois como
filho legítimo d*estas convulsões sociaes. E comtudo, Ro-
drigo da Fonseca Magalhães temia e aborrecia as revoluções.
É elle próprio que o declarara «....Não venho aqui justifi-
«car a revolta (dizia elle, em 5 de fevereiro de 4848, na
«camará dos pares), nem direi que nunca entrei em nenhu-
«ma ; como ha pouco observei, olhe cada um de nós para
< o sr. Latino Coelho, no elogio recitado na Academia Real das Sciencias,
que corre impresso.
LITTEllAT0âA 1^
4í0 seu passado e emmudeça.... N3o venho pois, nem pó*
«dia, n'esta edade, n'esta posição, faier elogios a revoloçãd
^aigama, nem militar, nem não militar, parcial ou geral.
«Todas as revoluçOes, como a lava do Vesúvio, destroem
«os paizes onde chegam: de todos os males com que a di«*
^vina Providencia nos pôde castigar, as revoluções são o
ornais funesto. Se por meio de revoluções um ou outro bo*
«mem se tem engrandecido e triumphado, se houve Syllas»
«Mãrios e Gezares, não é menos certo que ellas teem cati*
«sado a destruição dos impérios, e levado aos povos o ex*
^terminio é a miséria.»
E a'outra passagem do mesmo discurso: — «Diz-se de mim
«que nenhum partido represento, que nenhuns soldados,
«nem chefes me reconhecem, que ninguém teáho, não soa
«partido, não sou nada. Eu sou o homem da conciliação e
«da paz: e dir*se-ha que um homem de paz não tem par-
«tido algum no paiz? Não o creio; pois por ventura não
«existirá fora das fiteiras do exclusivismo e da intolerância
«alguém que solte livremente a palavra a favor da pátria»
«chamando esses homens enfurecidos a escutar-se e tolo*
«rar-se mutuamente?»
Estas palavras dão a verdadeira indole politica de Ro-
drigo da Fonseca Magalhães. Doestes princípios é que ella
procede, e foi com elles que as suas convicções se abraça*
ram, e de que fez normas constantes de governo em toda&
as diversas administrações a que pertenceu. Abriúdo os
olhos para as coisas do mundo, quando Portugal comej^va
a sentír-se alvoroçado com os primeiros assomos da liber-
dade que já irradiava da Hespanha, em 1812; Rodrigo da-
Fonseca Magalhães, coração aberto ás aspirações de eman-
cipação social, imaginação fácil em inQammar-se com os seus
triumphos, não podia deixar de acudir a tomar parte «ai*
lodos os episódios da epopôa, a que a revelação do Porto,
em 18â0, abriu as primeiras datas, e que a convenção de
Évora Monte, em 183i, assellou com gloria para as arm^^
constitucionaes. Era impossível persistir indiffereote diante*
doeste espectáculo grandioso da Península que se reunia
para destruir as formas do velho absolutismo, e substituil^as
pelas instituições de um novo credo politico. Rodrigo da
Fonseca associou*se a quasi todas as peripécias d'este coài-
plicado drama, em principio tio sobresaltado de incertezas
6 por vezes quasi sufiocado pelos esforços desesperados do:
92 juarrvíMfw^
despotismo, mas por fim glori<»sD para a perseverança d&
seus martyres e apostoles.
Porém, ainda mesmo no meio d'estes abalos da nossa
sociedade política, Rodrigo da Fonseca se mostrou antes
propugnador da acc3o natural da excellencia das idéas, do
que partidária úo ímpeto o Torça das revoluções armadas.
Espirito maduro, apesar dos poucos annoe que enlâo ímí-
tava, e versado pro&mdameníe na analyse da historia^ co-
nhecia que as transformações sociaes, aquellas que levivm
setas effeitos longe, e que. ^ópois os transmudam em tosti-
tuições profícuas e duradouras, nascem sempre de um prin-
cipk) fecundo, e que esse, iocubado nos ânimos, vae pouco
a pouco germinando,. o'uma marcha progressiva e ineessan-^
te, embora lenta;, ao revee d'essas outras revoluções, qae
impellidas apenas por uma ambigâo individual, pela rivali-
dade de um throno entre duas dymnastias, pela sede de
eonquista ou pela aversão de algumas classes entre si, re-
bentam como a lava do vulcão, talam as campinas, arran-
cam arvoredos, queimam a vegetação e a vida dos campos,
e deixam, como vestígio único de sua passagem, o exaspero
' dos povos e a miséria das nações. Aquellas confiam no seu
influxo próprio, porque derivam de uma norma moral, de-
um sentimento generoso e fecundo, de uma lógica pratica
de governo, e por isso lançam unicamente mâo das armas
a vem l)radar á praça publica, quando a oppressão dos des^
potas tenta saffocal-as no seu gérmen. É ainda mais um^
desabafo natural, do qoô pm Intuito de aggressao esta mos**
tra (de força. As outras,. não; ^s outras vão amontoando nas
machinaçõés teúebrosas oB elementos de força e triumpbo,
tiram logo da espada, e substituem assim com a viól^cia
e o terror o que oão poderiam deribar com a auctoi^tdade
de seus dogmas;.
Rodrigo da Fonseca amava a liberdade: como poucos deu
disso testímunhos eloquentes até ao fim da vida: (conhecia
(pe essa aspiração generosa mais tarde ou mais cedo se ha-
via de radicar no animo de todos os portuguezes, e por issa
confiava antes da lógica persuasiva do tempo do que dosart
gumentos das revoltas, a victoria dos bons princípios.
Além desta disposição natural do seu intendimento, outra»
circumstancias mais occorreram para o Qlíar na eschola
doutrinaria, em que depois figurou a par do duque de Pai-
mella, Agostinho José Frdre e Mousinho de Albuquerque,^
unrausuRA 73
e foi ^e certo uma 4'efises circuaistancia$y e mui princy)al,
as relaições de estima qoe travou com vários dos mais no-
táveis oiSciaes inglezes, quando» ainda bem moço, serviu,
no Corpo de Guias, pertencente ao exercito anglo-luso, na
£>uerra peninsular K A seri^ade do espirito brítannico, a
sua dedicação e respeito ás formas constitucjonaes, e prin-
cipalmente o talento pratico de seus estadistas, analysadoe
encarecido em continuas conversações, nâo podia deíxaor do
influir e lançar po animo de Rodrigo da Fonseca IVlagaitiães
os germens de principios e theorias de governo que depois
ircictííicaríim tão largamente. Foi esta como a primeira escbola
pratica, das suas idéa^ liberaes; e talvez a origem da predí-
iecção, que n^uitos depois lhe notavam, com que elle sem-
j)re fallav^ da constituição ingleza e das muitas coisas úteis
4'aqi|e|lo paiz, que necessaiiamenle lhe haviam de despertar
J^^\^ vivamente este rultq» qvidnda, decorridos annos, se re-
fugiou em Londres, com outros emigrados portuguezes.
Educado pois n*estes princípios sólidos de liberdade, que
a Inglaterra julga antes dever ás deducções lentas da mar-
cha do espirito bqmano, que aps tumultos anarchicos dos
reformadores ipsaí!rJ(joâ, lodrigo da Fonseca Magalhães aa-
iípathi^ava com os abalos violentos da sociedade, produzidos
pK^la exiplosâo do o^lio.e furor dospartidos« Depois., os qua^
dros ensaguentados da Jtevoluçao Franceza, como que tra*
ziam ainda os gemidos dàs suas victímas aos ouvidos de to-
dos. A imagem resignada de um rei guilhotinado, cercado
de sua família perecendo ás mãos. do algoz, ergnia-se tam-
bém das rui^s d^esta^ epnvulsões da anarchía, e resumia
Q pathetico da irrespops-^bilidade de um príncipe diante dos
ei^cessos do fanatismo revolucionado, desabafando sobre a
instituição da realeza. Vinham ainda ajuntar-se a estas lu-
ctuosas scenas de cadafalso e subversão de todas as normas
ivais puras e sstgradas do respeito da familia e das classes,
as devastações das conquistas do Império, essas outras re-
voluções com que o despotismo militar, em nome do génio
da victoria, algemava a independência das nações. Surgia
Saragoça em cbammas; appareciam os nossos monumentos
espoliados e mutíl^Hlos^.e o espirito da nacionalidade fora*
gido, e fião antevendp em seu futuro senão as cruezas e
e^terminios da gmerra.
* Foi capitão. Mas antes d^essa época, já tliihiGi servido no Batalhão Àca-
deanico, por oecasiãcda -revolução vtiJberal que rebentou ao Porto.
74 LrmsáATtJRA
Era por isto que Rodrigo da Fonseda odiava as revolu-
ções, que as combatia, que pedia á eilperíeucia das coisas
e ao juízo dos homens a segurança e progresso das socie-
dades; era emOm por todo este complexo de reminiscên-
cias de factos, uns que elle bayia presenciado, outros que
lhe haviam abalado o coração como um éceo doloroso, que
era doutrinário, amaldiçoando os iúdividuos que entregam
á fluctuação das revoltas a emenda dos erros políticos. O
solo que circunda o Vesúvio abre, é verdade, os thesoiros
de uma vegetação fecunda, depois de tisnado pela lava que
o innunda nas horas temerosas das erupções; mas é obe-
decendo ás condições singulares de um phenomeno da na-
tureza, e nlo segundo as leis que regulam a marcha regu-
lar da creaçSo. As estações succedendo-se, o inverno con-
centrando e refazendo as forças nutritivas, que a primavera
elabora, e o estio sazona e fructiflca, vindo depois o outono
como uma quadra de repouso, formam a lei geral que pre-
side ás diversas phases da vida vegetativa. Na ordem phy-
sica, as revoluções s3o as tempestades.
Além disto, Rodrigo da Fonseca era d'aquelles homens
que acreditavam que a consolidação dos bons princípios em
Portugal se não podia conseguir sem a concórdia da famí-
lia portugueza, porque o predomínio exclusivo de um par-
tido, nunca pôde ser senão o repudio das outras parciali-
dades em que esteja dividida a actividade politica; e os paí-
zes jamais progridem, nem prosperam em quanto os franc-
cionam ódios intestinos, senão colligando-se, e colligindo
todas as suas forças a bem da pátria commum.
Este era o credo, e ao mesmo tempo a aspiração de Ro-
drigo da Fonseca, e por isso elle se apregoava homem de
paz e conciliação.
Os indivíduos que só podem medrar no meio da turbu-
lência dos conflictos civis, porque n'estes momentos de du-
vida e inconsideração não se dá pela hediondez de seu ca-
racter, e a mão da necessidade acolbe-os e elevava-os mui-
tas vezes, estes indivíduos compraziam-se de o apregoar
como utopista; mas o que fora apenas sonho, e sonho coq-
demnadò pelos exaltados nos primitivos tempos de efferves-
cencia, já o não era dos últimos annos da sua vida; e hoje
esses desejos tendem a formar até o fundo da nossa socie-
dade. Rodrigo da Fonseca já o previa» quando exclamava
na camará dos pares, n'estes termos :-^<Se a verdade não
LRTERATimA '75
«6stá em nenhoma espécie de exclusivismo, que importa
«qoe ella tarde em sea triompho? Eu a professarei até mor-
€rer. Após de mim virão mais fortes defensores, espíritos
«mais elevados, vozes mais eioqueotes, que sustentem e
«propaguem as boas doutrinas. Embora eu fique por muito
ctempo, e sempre, objecto dos motejos e do despréso de
«todos os furiosos, e de todos os especuladores políticos,
«ao menos algum dia me farão justiça de crer que eu mi-
«rei sempre á mais perfeita união da família porlugueza
«toda inteira.»
E assim era, porque até do partido miguelista, do qual
as suas convicções o affastavam sem transacção de natureza
alguma, elle dizia o seguinte, n'outro discurso, proferido na
mesma camará, dias antes.
a Sr. Presidente, os príneipaes sectários d'esse homem (o
<sr. D. M^ael de Bragança) já estão velhos; muitos jazem
«no sepulchro: a morte os têm reformado com mão incle-
«mente. fclsses que podiam entrar nas fadigas modernas,
«ainda que trajando á realista por honra da Qrma, perten-
«oem a uma nova geração, de cujo espirito, ainda que nSo
«queiram, hão de participar: não podem pertencer ao tem^
«po passado: beberam o leite de uma educação mais illtis-
«trada; estudam, e entendem o systema de hoje, que seus
«pães, ao menos muitos d'elles, nunca nem sequer se di-
«gnaram con^derar, reputando isso um grande e horrível
«peccado. Esses mancebos, dedicados às leltras querem de
«certo figurar na sua terra, adiantar-se, subir aos lugares
«mais eminentes, como todos nós, e reconhecem que o ca-
«minbo para chegar a esse fim é o caminho da liberdade e
«a adopção do systema representativo, quê elles vêem pro*
agredir em toda a Europa.»
A malignidade da satyra libellisla vingava-^se doestes no-^
bres e generosos intuitos de Rodrigo da Fonseca Magalhães,
appell idando^ pa& nobre da nossa comedia politica. Jufga-
va fazer-lhe uínepigramma injurioso e tecia-lhe o elogio. De
certo que era o conciliador e o homem de experiência e atila*
ç3o, para que appellavam em conjuncturas criticas. Era no meio
dos partidos que elle assentava o seu campo: poucos estaiami
com elle^ porque poucos seguem a moderação nos caminhos da
politica; porém muitos o procuravam, quando era indispensa^
vel sopitar as fúrias das opposições, ou com sagacidade il-
ludir a anttpathia das facções, voltada contra este ou aquelle
76 UTVBRA.TCnU
caracter fHiblico. E se todos o bSo prooeravam, era por-
que elle os repudiava com disfarçada e maliciosa repulsa,
porque ninguém duvidava do seu muito iacto na direc^
dos negocies do governo e da s«ia previsão 6 agudeza em
Uies medir o alcance. Se se tratava de um ministério de fu-
são, d'estes cujo fim è transigir com as pretenções das par-
cialidades rivaes» e entretel-as e afagal-as sem as descoro-
coar de todo até o governo adquirir elementos mais fortes
de estabilidade, se se tratava de organisar um d'estes mi-
nistérios a que os motejadores chamam ministério pasêelei-
rot era Rodrigo da Eonseca o encarregado de o formar» e
de tomar a pasta do reino. Se «ra necessário dar garantias
de respeito á carta e de moderaoio no tocante aos actos
governativos, o chamado aos conselhos da corte era egoal-
.mefite elle. Se um gabinete, pela di£Eiculdade de conciliar
«os seus membros entre si, carecia de perceptor, indigitavam
logo Rodrigo da Fonseca para esse perceptor. Se fioalmente
importava contemporisar com as potencias externas, oio
deixando o poder entregue nem nas mãos dos exaltados,
oem nas dos caracteres cujos precedentes ponham em 80-
JH^esalto a trat^quiUidade do paíe, aqui tínhamos ainda Ro-
drigo da Fonseca incumbido d'essa tarefa espiobosa» tarefa
que reclamava os recursos mais sagazes da sua longa pra^
Xica dos homeps e das coisas, porque ^era mister dirigir os
BOtps do governo, com um olho arteiro nas paixões irritadas
das nossas discórdias intestinas, e com outro oMio oonlem^
porisador que socegasse as notas dos gabinetes estrangeiros.
A sua ida a Coimbra, por occasião da revolta do Minho,
é um acto qoe explica completamente tudo isto. N9o par^
tilhava das idéas da Junta do Porto, e ainda menos do sys«>
tema de governo do sr. conde de Thomar, e no entanto foi
eUe o escolhido para ir ás provincias do norte aplacar a re-
voloçSo.
Nada ha de mais chistoso, e ao mesmo tempo que melhor
retracte o caracter e género de eloquência de Rodrigo da
Fonseca, que a narrativa que elle fa^ doesta sua ida a Coimbra.
Ponho aqui por inteiro *este trecho, extrahido do discurso
proferido a 7 de fevereiro de 1848, na camará hereditária.
cSr. Presidente, já que fallei de mim, como membro qae
cfui da commissSo encarregada de formar o projecto para
ca Guarda Nacional, não poderei tão pouco deixar de men-
«cionar-me como entidade creada n'aquelle lempo (o da re^
«-voluçSa do Minho), e a que se dea (sem eu o saber) a de-
cnominaÇQO de chefe supremo ad^nfiinislrativo: — Governa-
ttior civU dos governadores civis (riso). Repita que se me
«deu essa qualiflcação sem eu o saber.
«O governo persistia no grande ompenho de paefRcar os
apovos pelos mesmo6^ povos; ísf/o porece estranho, parque
cainda cá se» Dão usava; mas a administração ia progfedfin<-
ado Q!*esCa marcha, e havia- de obter prompto resuUado, se
fweBos fossem os tropeços que encontrava. Obetaculas se*
albe oppodei^am, que diemoraram o effèito dás suas diligeu-
ceias, como acontocea comigo.
«O governo pediu-me que fosse iBehra, ou ás doas Bei*
aras» a fimi de fa^er esfsrços pára tranquilltear a sua popa-
«taçSo, que aindia- sa acbava hiquiela, posto que não tanto
accMa tinha estado. Era meu propósito empnegar todos os
cesfoTQOg, por mim e petos meus amigoSi para tran<}uiHi*
<sap os espiritos, e inspirar-lhes confiança no governa que
«só queria a manutençlo da Carta Gonstítucional e a liberda-
«de negrada pela lei fundamental, e essa liberdade nunca seria
«falseada pelos ministras da- rainha. Era pois a* minha mis*
«aio o iteei predicate: eu fUi, mas nfiopude prèg^v (riso).
«Acceitei o encargo por ser difflcii e perigoso^ e porque
«entendi não dever negar-me a um sacrifício a bem da mi*
«nha putria. tà fácil, sr. presideme, dar arl^itrios: muitos
«^s davâtid', mas entrar na execu(ã<) d^elies, poucos queriam.
«(^ governo pois^ encarregou-me d'esta incumbência, e eu
«RCceiteí-a-; e havia esperanças de que da minha missão se
«liraria resultado; má pouea era a que eu tinha n^ella: as*
«sim tomei a liberdade de o declarar a Sua Magestade mee-
«ma» bem como aos ministros, a quem disse, que o. menor
cincoramedo que eu peeei)ef la seria um harmonioso charu
€vari (riso*prolongadoJ. Eu tinha proposto ao governo a
«fflifitia ida áS' províncias, nSo como auctoridad*e, mas camo
«partieular: oamo Rodrigo da Fonseca Magalhães sou mui
«conhecido em varias povoações da Beira, e tenho lá algui»
«amfí^os, com. cujo auxilio contava. Eram os meios de per*
«auaçBOé era a lifigoagem dâ rasSa e dà verdade que eu me
«propunha empregar para dar desengana aos illudtdos. ffa^
«reeia-flie melhor apresentarnob eomo particular, e. fhllar a
«todos, e ouyir a todos. O ministro do reino pensava de
«QOtro nqDddi, e porfiava e» qqe eu fosse reivaslído de aor
«ctoridade; dava suas rasOes doesta preferencia. Pouco aoh
78 LITTERATBRA
ctes de chegar a Coimbra, soube eu que do Diário do Go-
^vemo viera a minha nomeação de chefe civil de um gran-
cde circulo administrativo, e desde logo contei com o mal-
« logro da commissão.
«Entrei na cidade, e poucas horas depois o povo, iosti-
cgado não sei por quem, tumultuou-se. Foi iosirumento de
cinsidias como em taes occasiões succede. Fui insultado
«clamorosamente nas ruas por grande multidão de plebe
«enfurecida, ou que o parecia. Desgraçada gente! Inspirou-
«me compaixão 1 Em altos gritos me denominavam, e como?
«Como cabralista Criso), ajuntando a este outros nomes que
«não digo, como assobiados áquelle.
«Atraz de mim correu muita gente, e não correu mais
«porque eu não apressei os passos. Entrando na casa da
«Junta, pedi que fossem convocadas as auctoridades, mas
•Dei^huma apparecía: tarde chagou o secretario do governo
«civil. O governador saíra da cidade. Vi-me ameaçado e
«sem meio de desempenhar a minha commissão; e para
«passar rapidamente sobre alguns pormenores, voltei para
«Lis^oa^ dando por acabado este negocio.
«Estranha-se isto? Pois porque foi infeliz esta tentativa,
«s^ue-se que fora mal emprebendida? Quem não acba al-
«gum revez na vida? Os Turenn^s, os Condes, os Bonapar*
«tes, todos os grandes generaes nem sempre foram ditosos:
«em alguns encontros voltaram as costas aos inimigos, e
«nem por isso se lhes nega o mérito que tiveram* Perdeu-
«se esta batalha; eu fui o general vencido ; retírei-me (riso).
«Lá houve quem não longe de mim disparai dois tiros á
«saida da cidade; mas nunca intendi que me fossem diri-
«gidos: pareceram-ma dados para o ar, para causar-ma susto
«porque soaram a tão pequena distanda que proviaivelmente
«me feririam, se isso se quizesse*» '
Quantas ironias ao ministro do reino de então, quantos
eplgrammas á fúria popular, n'e5ta ameoa e maliciosa nar-
rativa 1 .
Gomo todos os talentos sabidos da elaboraçUo das idéas
modernas, Rodrigo d^ Fonseca con^eçou a sqa vida publica
no jornatismo, para depois chegar ás, ^Itas rei^iões da io-
íluepQia.parlanaentar e do governo i^ É a leigitima carreira
* Redigiu vários Jornaes em Portugal, q em Lop4res t^onbem, durante a
emigração. Já depdis fle mihisfro, escreveu e^ahnente em • diversas folbas
polwcae. ! • . .
LITTBRATUBÁ 79
do mérito politico. Primeiro o tyrocinio nas lides da im-
prensa, depois a sua consagração á frente dos destinos do
paiz. Foi o caminho de Bolingbroke e Addison, de Gnizot
e Ttiiers, de Martinez de la Rosa e o duque de Ribas, de
Manuel da Silva Passos e o visconde de Almeida Garrett.
Alas na tribunq foi onde o talento de Rodrigo da Fonseca
patenteou verdadeiramente as qualidades que o tornaram
celebrado. Rodrigo da Fonseca não era um bomem de ac-
ção: a actividade d'aquelle espirito, que tudo abrangia com
acame e relawe de águia, nem Ibe escapando os ridículos,
para desabafo das suas inclinações satyricas, paralisava eiQ
hesitações, quando importava determinasse. Na posição de
ministro, desleixa va-se, e deixa va-se surprehender alé n'es-
sas faltas. Era mais próprio para dirigir do que para exe-
cutar: o seu conselho ia sempre longe, em quanto que a
decisão do bomem de Estado jicava muitas vezes suspensa
á espera da bora que nui^ca chegava. Negligenciava os ne-
gócios, nap por Ihe^ temer a difficuldade, porque poucos
accidentes da publica administração lhe eram estranhos, mas,
por descuidaqo, e sobretudo porque Rodrigo da Fonseca
sacriOcaVa tudo a duas boas e espairecidas horas de cavaco,
que eram todas que elle podia aproveitar, aínd^i mesmo com
prejuizp dos seus graves encargos. E era n'estes momentos
que o caracter, o talento e a índole do liorpeqi se revela-
vam, sem refolhos,, nepn a gravidade affçctada do ipinistro»
Era expansiva, comesinha, familiar, intima até a sua coo,-
versação. E que conversação, alegrada de anecdotas» aqui e .
alU salgada.de apodos e ditos irónicos, de satyras frisantes,
de recprdaçõe^ dos primeiros annos! Não poucas vezes a.
galeria àos nossos pygmens politicosera passada em revis-*
ta Q asseteada de epigramnia^. E era principalmente n'estas
occasiões quê Rodrigo deixava correr 4 solta o seu natqral.
Os motejos e remoques salam-Uie dos labjos fulminantes de
chiste, como tirqs de pistola desfechados á queima roupa.
E estás horas de deliciosa e explosiva malignidade, não .as
troçava Qlle. por. coisa alguina do mundo. Podiam vir-|be
dizer que as bernardas l^e batiaqi á porta, ou que a oppor
sição lhe apparelbavp quatro interpellações.d.e matar um mir ,
nistro» qujB el)e respondia a isso tudo qom uxu novo çbiste..-
Póde-se dizer oue possuia a graça, qu^ ^ de^^fa. em ditos ;
agudos, evn '\ronicas picante'^, eip compsiraççe^ zombeteiras,; .
a. qKê os antiigos chanuvism dícta^ $aks. E sjò .o, grapejo ^le
80 LirrfiRATURA
saía rfiais forte do que dfe queria, se ia ferir de frenfe a
alguém, apanhava-o no ar, colhia-p no vôo, e depois era
para ver o como elle se esforçava pela disfarçar cam naalí-^
ciosos e novos ditos: mns se novâmerite lhe eseapava (fas
mãos, nada de mais interessante do qae à Iu6ia que se tra-
vava entâa, luúta de vivacidade e prudência^ um' nHtagre
erófím de flexilidtide, de replicas incisivas, de dfeffníçOes ma-
liciosas, de relt-aelàç^bs até, se tanto erâ preciso, por*m* tu-
do expHcado de mod^ que a victitna ficava aíneh rtfais en-
terrada, e míiis exattada a palavra e fòlgor d-d espirito de
RodrtRO aa Fonseca .
E era pór ístQ que este homem brilhava, prittfcipalmente,
no parlamiento, ande podia désetívolver os ínfltólos recur-
sos do seu erigenho, e altrattiÉ* (íom os engOd^s^da sua pa*-
lavra. Já a suâ figura era um triumpho para étttf. RodWgo
tiftha uma beflia cabeça. Uma fronte vasta e- dtesenvolviífe
aimunciava a força do seu pensamento. Q cabeMo gi*íSiiho
e revôllo, erguía-se-lhe n^irma desordem êleganle, * manei-
ra' dbs estadistas inglezes. O oího fundo e obliqira denuncia*-
>*a a sagiaçidade ^o Homem, e a finura do caracter gue aca-
bava de' se revdter pela nam a^dunco. e o fino sorriiso \tô*
irico que lhe brincava na canto dos. tabros delgados e Hgei^
ramente sdrvitfos. Era a e!cpressao coiúbinadà da medltaçiò
e perspicácia. A ,vòz era e^çtremamente sonora, e- poucas- a
poderiam egualar na variedade d'ás'iriflex5es: a palavra, essa
sempre grave e concrsíi. <5aa:n(ia se erguia pai*a faWap pare*
cia haver alguma coisa de affectada no seu todo, o que tal^
veí lhe dava atè mais gravidade e* distincçií^; Os seus ges-
tas e posições tinham dignidade e altivez, sem sere.Aí thea^
traeè. Ás vezes parecia escutaivse, como espreitando satis-
feito a pureza da sua dicção e a ffuencía limpida e colorida
da stra phrasie. Se ba* oradores a quem se possa applícár
com propriedade^ o dito de Plinia. mutto ma^s' afíieit vim
vox^ era a ftadrígo da Fonseca, porque raros, como éHè,
possuíam a eloquentiia da voz animada;
A sua discussão era S[oIida, mas ás vezes tqiis argucfosa
que salrda, 6 murtas vieses entrava nos domínios' da senti"-
menta, onde sabiá ferir atã as cordas do pathetieo; e sendb
necessário, para: as seus eflMlos oratórias, pasmava iiAme^
dtatamentie aos termos fòceis da jovialidade^ que, ápiaieQta'>
da dè ligeiras ironj^s, resumia a strt vardadeira indol^.
Algumas vezes parecia aftigir^eou hfdtgàar-se', ^ nlHgeiem
^
«orno elle sabia tirar do peilo %xm mais cavos e repassados
de logubre accento Iriagrco. Se não se soubesse que era Bo*
drígo dâ Fonseca qoe estava orando» todos eborariam. Mas
Dão, porque os expierimectados viam-no rir por dentro.
Até dos óculos elIc tirava partido pa^a esies elfeiioâ, erguen-
do-os para a testa, quando carecia de um aspecto imponenle e
dogmático, ou puxando-os á ponta do Daríz» e olhaudo por
cima d^elles, era seiutido obliquo, quando disparava alfi^im
epigramma. N'este momenio a victima tíAba d« se agachar»
porque o tiro era certeiro, e a risada da oamara geral. .
Na tríblma', Rodrigo da Fonseca era mais que um talento par-
lameoitar, era um portento. Todas as faltas da sua vida pu*
biíca, elle eínendava com os recursos da sua palavra.. Dizia
âó o que queria; e, como o piloto hábil, dirigia a phrase ^
as idéas por entre todos os escolhos da discussão, sem nem
sequer tocar n'um baixio. Era raro apanhal-o em qualquer
quesiio: quando se via absolutamente sem armas solidas»
retirava pela porta do sophisma, ou fazia como o atirador
aspertq, que, vendo-se perseguido por numero superier d^
tropa inimiga, antes de saltar o vaiado e fugir, dispara al-
guns tiros dos mais certeiros.
As suas expbsiçoes saiam d'aquella booca eloquente sem*
pre lúcidas e ás vezes contendo todos os encantos do estyto
narrativo; e nas replicas tomava nâo poucas occasiões as
f&rknas verrinarias do grande orador antigo ; porque — di-
ga-se de passagem-*- nenhum orador d^nossa tribuna, nem
mesmo Garrett, soube melhor alliar is necessidades da líiir
guagem dos negócios a pureza do nosso idioma e qs dictar
mes da eloquência antiga.
Nas refutações ainda Rodrigo brilhava mais. Já quando
elle recapitulava os argumentos do seu adversariq o fazia
com tal arte, que o crivava d€ setas, deixando-o a escorrer
sàbgue aos olhos da caoiara. No eotanto> nos desforços era
circomspecto, e ás vezes até generoso: só apertado dispa*-
ra<Ta alguma d'3qoeHas frexas, que tinha tanto á mão, e que»
desfechada^ com olho de mestre, cortavam a invectiva na
garganta do teioerarb que ousasse medíl-o com a vista.
Uma interpelhaçaoí de certos deputados, feita a Rodrigo
d» Fonseca, tornavam tim motivo de jubilo secreto para
€lle, e um espectáculo para a camará. Já na véspera se an-
nuDciava a interpellaçao, como se poderia annunciar uma
das. melhores sortes de Montes ou Solamanquino. Ê effecti-
TOMO I 6
▼ainente, o paciente era qnasi sempre passado á espada de
ddfs guine$ do iiiinistro do reino. Nada de mais importante
do que vôí-^o n'esses momentos. Começava por se fazer es-
perar : dava a hora e o ministro sem apparecer.
—Talvez nío venha 1
— Tem receio da ínterpellaçio.
— N3o, que o negocio é sério.
Estas conjecturas augmentâvam o interesse da siluacSOt
e o que desejava Rodrigo era accrescentar-lbe estas circum-
stancirs dramáticas.
Por fim apparecia : vinha afflicto e espavorido. Trazia im-
m^sos papeis na mSo, e um continuo da camará, com uma
pasta, após de si. Naturalmente fora a sohiçio difiicil de mil
negócios que o arredaram e não o deixaram apparecer mais
teedo. Sabido o caso, havia estado a conversar nos cerredo*
ires, e tornara-se necessário advertiUo para entrar na sala.
Começada assim, o resto da interpellação corria pelo mesmo
gosto. Algumas tergiversações, uma argúcia, dois ou três
protestos, uma appellaçâo para a verdade da sua palavra,
resumiam tudo. Os deputados riam, as galerias applaudiam,
e o próprio interpellante, perguntando a si mesmo, inde-
ciso, se deveria ficar satisfeito, sentava-se e calava-se.
Se, porém, o interpellante era um dos raios fulminantes
da nossa tribuna, como José Estevão, ou uma provocação
audaz e petulante, como António da Cunha, ' então a táctica
era outra. Já antej da ordem do dia o viriam sentado no
seu logar. O papel que ia representar tinha de ser grave, e
talvez pathetico. As primeiras palavras do exórdio eram pau-
sadas. Com o lápis na mão direita, e voltado para o centro
da camará, invocava algum princípio generoso, que sempre
encontra éccos nas maiorias. Depois annunciava que ia res-
ponder á questão, que explicaria tudo. Caminhava, chegava
quasi ao terreno próprio da interpellaçSo ; avistava-a até;
parecia que ia travar d'elia, e estrafegal-a nas mãos, e de-
pois cobrir de fulminações e invectivas o adversário ; mas
quando havia assumado ao ponto mais culminante da argu-
mentação, recolhia-se n'uma reticencia, n*uma evasiva, ou
fi'uma ironia, e descia pelo outro lado. Em seguida, se aper-
tavam ainda com elle, dizia que tinha alli os documentos,
. > Hoje yisconcle de SouttorMaior, e nospp ministro residente éín Dina-
marca.
LITTBlUTinU 83
que ia dizer a verdade ; pedia aiè, supplicava a aUençSo de
todos os lados da camará para as iinportantes^ revelações
que ia fazer; tirava os óculos affliclo no calor do debate, e
depunha-os sobre a pasta, para a qual apontava como para
o arsenal d onde a opposição tinha de vér sair os inconcus-
sos documentos que a fulminariam. Depois um violento
murro, caindo sobre a pasta, no fogo de alguma apostrophe,
espedaçava os ocutos.
Esta era a grande peripécia, já ensaiada de antemão, por-
que, quebrados os óculos, os documentos lá ficavam sem
ser lidos ^
Conhecido o logro, alguns deputados ofTereciam*ihe as
suas lunetas para que podesse ler os documentos. Mas Ro-
drigo padecia de uma myopia especialíssima; nâo podia vér
senão pelos seus óculos; e sobretudo, os papeis d'aquella
pasta nâo podiam ser lidos senão pelos óculos quebrados.
Os papeis da pasta eram apenas algumas portarias do ex-
pediente trivialissimo, e nada mais.
Mas é também indispensável conhecer a figura d'este gé-
nio da tribuna, na sua parte seria, ulil, porque mesmo por
entre estas facécias, para que propendia o seu animo zom-
beteiro, apparecia sempre o homem de Estado, nas pro-
fundas considerações politicas, o dialéctico flno, na oppor-
tunidade das replicas e deducçSo das provas, o argumenta-
dor argucioso, nos movimentos hábeis de um raciocínio
adestrado em todos os prodígios da metaphysica, o homem
emfim de vastos e variadíssimos conhecimentos, quer his-
tóricos, quer políticos, quer litteraríos. Elle captivava a ca-
mará inteira, pela elevação dos seus conceitos, e pelo vigor
da sua intelligencia, e ainda mais pela magia de uma locu-
ção grave, ornada, concisa como a verdadeira linguagem
sentenciosa, e que se elevava, não por metaphoras forçadas
e hyperboles entumecidas, mas que se erguia nas azas da
própria elevação do pensamento, trazendo das espheras su-
periores, que atravessava no vôo altivo, os brilhos e as cores ^.
. < Histórico.
2 Basta citar a sessão de 21 de abril de 1S53, para lhe podermos avaliar
todos estes dotes. Esta sessão é uma das mais notáveis em que a eloquên-
cia do grande orador se ostentou com applauso de amigos e adversários,
porque todos se tomaram seus admiraoores. artigo que então escrevi,
redigindo a Esperança, folha politica d'essa época, apresenta de alguma
sorte o quadro d'essa memorável sessão. Para aqui o trasladámos.
«A sessão de lioje, na camará dos deputados, offereoeu um exemi^o di-
84 UraRATiUA.
Entre s» diversas arguições que lhe faltam os seus inimi-
gos, era uma a de ser elle o mais fino introductor da fran-
I
no de grande consideração,. a attendermos aos precedeotçs mais recentes
o nosso parlamento.
«Conseguiram faUar sobre a ordem do dia quatro oradores!... Dois que
começaram q concluirai|i boje mesmo, e joutros dois, um que terminou, e
o ultimo que encetou a áua analyse dos actos da dictadura.
. «É para maravilhar!
«Acostumados a ouvir discursos por séries, iicaa(}o a palavra de remissa
de uma para outras sessões, custa-nos a crer na possibilidade de haver da-
do passo tâo gi^nte o debate, que tào lento, preteiicioso e apaixonado se
(em arrastado ii'uma das casas legislativas.
ff Não ba porém que duvidar. Em auxilio do facto apparece a»prova incon-
cussa da evidencia, e nós ouvimos e vimos.
«Faltaram eflectivainente O sr. Alves Martins, Basiiio Alberto, * ministro
do reino, e Corrêa Caldeira.
«O sr. Alves Martins, que tivera a palavra hontem, quando a hora já est^
Ya adiantada, concluiu o seu discurso, votando pelos actos da dictadura.
«O sr. Alves Martins é um deputado serio e consciencioso, que raras ve^
zes rouba o tempo à camará com largas dissertações, ainda niesnjo sobre
questões graves. De uma precisão mathematica rias operações do racioci-
nio, cerrado e concludente na argumentação, sóbrio e vigoroso no estylo,
caminha direito e rápido ao âmago das questões, sem se demorar em re^
vestir a idéa de roupagens escusadas, nem o deter a importunidade de dis-
sertações deciaviatorias.
«Õ seu mérito está na lucidez da definição, na força e lógica da demons-
tração. Espirito pensador, b,s armas que vibra a seus' adversários ministra-
lh'as antes a rasao do que a imaginação ; é do raciocínio que extrahe todos
os seus auxiliares de -polemica; a prova, a evidencia são o seu fito.
«Apoz o sr. Alves Martins coube subir á tribuna ao sr. dr. Basílio Alberto-
discurso do digno lente da Universidade era esperado com anciedade por
todos os lados da camará. As recordações do antigo deputado de 1820, a
auctor idade e i Ilustração do digno membro cathedratico do nosso primei-
ro corpo scientiflco, recommendavam-no ; á inteireza de caracter e a aus-
teridade de princípios do.amciâo desambicioso e alheio aos tumultos do
mundo politico, exigiam o respeito, e a attenção profunda dos seus coUegas.
«O suencio absoluto e inalterável que preàominou em toda a assembíéa,
mal que o.illustre orador ergueu a voz, provam que estes sentimentos se
tornaram unanimes e geraes em todos os ânimos.
«O sr. dr. Basílio Alberto é a primeira vez que falia mais eí:tensamente
na camará» Posto conhecer-se que o género da sua eloquência participa
Boais do caracter especial da exposição académica do que dos rasgos colo-
rioDS e ardentes da tribuna, vê-se comtudo que ao illustre deputado não
faltam dotes e sobejam até recursos para se fazer escutar com prazer e cap-
tar a attenção de amigos e contrários.
«0 seu estylo, fluente sem dilFusão, correcto e eleg[ante'sera se perder no
labyrintho das metaphorás e imagens hyperbolicas e inopportunas que des-
figuram a idéa e diuicultam a interpretação, respira uma tão notável pure-
za de locução, manifesta tal sabor dos nossos bons clássicos, que, ouvin-
do-o, mais se presume ouvir lôr uma pagina de Bernardes, Fernão Alvares
ou Frei Luiz de Sousa, do que escutar-se um deputado do século xix, apre-
ciando os ^ctos de um governo representativo. .
«Toçlavia, a sua palavra, mais habituada a expor do que a combater, mais
perita nas funcções didácticas e plácidas do magistério ao que aguerrida nas
refregas parlam^itarea, oorre<lae ás vezes dos lábios frouxa e monótona e
quAsi sempre pobre de inflexões. A escala <^a oratória parlamentar, desde
Vfloje visfond» de 3. J«roDyoio e aaMgo reitor da UDÍv»rsidad»à
LirncRATOBii 85
de eleitoral. Ha exageraçljo n'isto« como ém tado mais. Des
que qualquer bolicario oertanejo se julgou com direito a ser
a interjeição e a ironia até â imprecação e á apostrophe, qne tanto niovi^
mentOj vida e calor dão ás faculdades do verdadeiro orador^ é percorrida
com Dimia parcimonia pelo respeitável eatbedratioo. Estes recursos de que
o boniem versado nos segredos da tribuna se iproveita, por que revestem
as formulas lógicas de armas irresistíveis e lhe assecurani o trimnf)li(>, não*
podem ser despresados, muito principalmente quanoc a controvérsia verse
sobre questões politicas, quando o anditorio sejam os partidos representa^
dos pelos seus mandatários mais distinctos e audaciosos, quando emílm o
tbeatro do combate é o seio da representação nacional. O que seria laxo de
linguagem, pretenção charlataoica de liíetorieo emplmtieo, etfondo^se um
ponto de direito fmbiico constitucional a uma classe aeademfica. tomasse
indispensável, constituo os auxiliares essenciaes do deputado fulminando
08 extravios do poder iu> parlâiaento. Sem as setas e a espada de dois gu-
mes de Quintiiliano e Gedoyn. o arnez de Oenoense é uma arma muitas ve*
aes nulla: defende mas não aggride: a apostrophe ou a replica dos adver*-
sarios, rápidas» inoistvjas e incleroenles^ podem falseal-o.
«Para vencer as tempestades que se agitam nos seios dos parlamentos,
vale mais um rasgo de Mirabeau ou nm voo de Borke do que uma máxima
de Larochefoucaaid ou uma sentença deLabruyère. Longino, no sen TVo^
do do Sublime, e Timon na sua critica dos ora'dores conteníporaneos, bem
o demonstram.
«Considerado sob o aspecto politico, o anatvsta desapaixonado encontra
no discurso do illustre orador os meamos defeitos que lhe «dia, snjeitanp-
do-o á aiMreciação lltteraría: lá, os preceitos lofficos caminham desajudados
dos movimentos da rfaetorioa e ifuerem viver áo seti rigor e inflexibilidade:
cá, a austeridade inexorável dos princípios absolutos deolecà as craestõcs
dos seus terrenos especiaes, despresa as eireuiístancias que lhes dao cara*
der próprio, é quer avalialras em abstracto e impòr-liies as penas de uma
censura mjusta. Esta é a veitiade.
«O discurso do sr. dr. Basílio Alberto, largamente meditado e elaborado
sob a infloeneia de uma aáma profundamente dedicada ao estudo e ensino
do systema constituctooafy foi mais uma dissertação, em these, dos Igrandes
princípios que são a base d'esse systema, suscitada pelos actos da dictad»-
ra, do que uma anal)«e, partindo dos factos.
«As medidas da dictadura são todas filhas do brado, mais ou menos exr'
preseo e violento, das oecessâda^ea publicas, e àt dltreretiicsidesorgantsa-
ções da nossa isociedade: são o chãos das finanças que tenta des8ípar*ée';
o credito ^e precisa de cooa|ituiff'«e e ramificar-se a todoi as elementos
que d'eUe dependem; os melhoramentos materiaes que reelamara fomento,
auxilio e protecção; a agricultura que necessita de capitães para medrar e
isentar- se das garras da usura; a industria que aspira ao aeu incremetito
natura} e possivei; o povo finaijttíente que quer instraeção, bOns exmnplose
justiça,.
«Eis ò q«e são os actos da dictaduca: é uma nova sociedade que se ré*
constroe.
«Gomo veni)! ppis, o digno lente da Universidade, qnè protesta ignorar
a liturgia dais rStgifes politiGias, que. dia deacoabecer o reverso caviloso
dos programraaa das facções, que se apresenta coíbo alheio a todas as pha»
sea cawnitosaa porque tem paasado o paia, eono tem querer Joiiar por
I»incipios absolutos iUma época anormal ef s oiedidas resutCaiites das cri-
ses e exigências do estado especial porque temos passado^S fijmpoflsiveL
Não é no vago da proposiç^ abstractas que se nij^m e ooademnam i|tles-
tões^ ciyo cofjuacta de oircmnstancias, que Inea deram motivo e dôen^
volvuuento, as esquiva a toda a apreciação xpie não se de^ivcde^fima afua^*
lyse, egualmente especial o cooseieílcioiBa. t prec^aa dàiaar as rer' '
mitadas das theorias, e circumscreverittOHiosao paaitívodas naor
86 LlfTBlIATIJRA
depuiailo, percebesse fítcilmente que cada urU doestes \\o^
raeflâ se tornou accosador acrtinonioso do mtiii^tro que
positivo tanto mais excepcional e lamentayel, quanto é profundo o conhe-
cimento qoe obtemos d'elle.
«Desça^ portanto, o digno Aristarcbo do seu pedestal de censura e auste-
ridade; avalie os factos peio que eiles são, sem que desprese as eventuali-
dades que os originaram e llies deram uraa Índole própria, e achar-se-ba
mais conforme cometo mesmo. A sua rasio não trepidará, movida pelos
escrúpulos da legalidade infringida. Â Carta de certo que nào legitima as
dictaduras, mas presuppõenias, quando faculta a suspensáo das garantias
individnaes.
«Se o legisiador foi cauto e previdente, porque foi politico pratico, nio
queira o sr. Basiiio Ait)erto s^ mais constitucional do que o próprio codi>
gq, assumindo um ri^or que elle implicitamente restringe. Verificado que
foi a suprema necessidade publica que produziu as medidas discriciona-
riais 4as duas épocas diotatoríaes, e que os seus resultados, influídos por
princípios fecundos ou equitativos, correspondem a alguma indicação de
progresso, ou concorrem directa ou indirectamente para um melhor estado
de cousas, todo o bomem consciencioso e iUustrado, embora veja diante de
si algumas formulas desattendidas^ deve deixar de vacilar e prestar o seu
veto áquelle governo que se sacriOcou. sob responsabilidade própria, ao
bem do seu pau.
«Ao sr. dr. Basílio Alberto succedeu o sr. ministro do reino. orador
que acabava de fatiar tintia captivado a deferência e a attençào de toda a
assembiéa, porémo que lhe succedia nio era menos digno dé as conquis-
tar. £m frente do euM|uente e iUustrado catbcdratieo, a quem precedera*
uma grande reputação de publicista e orador, coltocou-se o homem enca-
necido nas lides paHamDiltares, nm dos nossos grandes mestres da tribuna
Q. combate tomou-se digno ée um e do outro: foi uma peleja de gigantes.
«O sr. Rodrigo da Fonseca tinha, comtudo. a luelar com uma desvantagem
immensa: o seu adversário recitara um «scurso habilmente estudado e
friamente calculado no remanso do gabinete, e elle viarse obrigado a re-
plioar^ihe com um improviso, elaborado sobre apontamentos furtuitos, a
que a celeridade de exposição do <Mgno lente da Unirersidade mal dera
íempo de coordenar.
«Todavia, estas difíiculdades serviram somente para exaltar mais a gran-
desa da victoria» .
. «O nobre ministro, n^tna á'ai|ueliaa replicas feliies. ooRi que O mesmo
orador, bafejado pelo favor ^ inspiração repentista não' pôde contar sem-
pre^ aggrediíi de frente es argumentos mais prinoipaes do selu adversário,
e desenvolven todos os incaloolaveis recursos, que asna palavra fluente e
enérgica lhe fornece. O orador repentista, armMO de todos os seus meios ■
dedefeza e aggressão. cinipdo das armas que apparelh» eaíia ouso da po-
lemica, maoilestou-se no vigor da su:^ virilidade parlamentar, e accel^u o
repto, sem tergiversações nem evasivas, onde lh'o marcou o seu coftteii^
áwí A Jofita ibi terrível, mas o tríuntpho niò pódoier floado duvidoso nos
ânimos imparciaes. O sr. ministro do reino, apesar de occupar o campo da
defesa, mns restrktp por sua natureza, -eontava do seu wo^ cotai vi^ireis
vantagens natnraes. A sua eioqueneia, ff^rtil em movimentos oratórios, e
verdadeiro modeilo da eloquência parlamentar, era só tite* per si o bastante
pan^ faier pender a balança pana o seu lado;' quando a rasão dos factos,
escudados pelas conveniências puMii»», não lhe prestasse meios extremos
e recursos mebperados.
«ta*a ànotonsormos o qoe fica dito, basta citar o testemunho de um seu
adversário.. O sr. Corre» Caldeira^ orando em seguida ao sr. Rodrigo, foi o
próprio a prestar ihomenagiem ao lUustre estadista, confessando que, mesmo
•depbis do vigoroso' discvso do sr. dr. Basilie Alberto, soubera prender, e
profundamente, a attençioida oamars;'
Ifae feebpuiaS' portas do parlqmeoto. Ora Qodoigo da.Foim
seca teria todos os defeitos, menos o de facultar livre ac^
«esso aòs fKirvos. Uíb bomeâi eâptírto» um eipedSefiie ma-
Icioso, achavam sempre n^elle boa si^mbra; mas aos iaf ptoa
fiSo dava iqaartel, oem iregnas. E tinbai rasid por^e m
oesctos sSo a ruína do mundo. , . /
Além ti'i8td, Rodrigo da EoBseca- costinuava dizer» ^ ca»
Fftsão, que era. melhor calòulo. politico domar uma oamara^
já depois de eleita, do que viciar as molas do machini&aiO
eiéitoral. E a rasão è clara. Tentar a^ vetialidade .de* iim.le-
peitado, é apenas iriostrar o mau earacter do individuo; h
adulterar o voto publico, 6 desacreditar o syilewu qoa
se |)a(!ssa com meia dutia d*esses eipirttoa corrompidos aa
gabinete.de um n^inistro, podem^no saber algumas pe^^as
apenas; mas o que se passa nol preparativos, de; uma eleíK
çào, sabe*0iQ paiz inteiro. Vô^se, portaotç, que nisto* mea<i
mo, de que o acctisavam, elle mostrava grande presciei^oia»,
es aífida por cima, reispeito ao regiotòa representativo de
qae^ era eonvieio sègaidor.' N'«qte ponto^ nio transi gii) (íeo^
coisa alguma. Era liberal sincero. «Ba já me lexplitiuet (e^^
«tas palavras s3o suas próprias) sobre o meu modo utotpdn-
csi|r:a irespèitodasospenaiD dé garantias,. e Bm. especiaNa
«suapensii» da liberdíMle d;! Mm|)nenaá. Medidas iprevdQtivPS;
«jqnero poqcasi :Ellas inlspiram ddseonSanca, atoda aosipair,
«zea mais bem goroDadds.' Nio;digp qoe jamais uma Otti
«outna jiie de vaHi» ter iâgaf ]^ itiaa-comoisystdmai oo 4^ ttso
«frequente, devem ser detestadas.»
iS:^isto. ilfe iorkm.fiaiavnisisá: <ok seus aotos adiuenc o
melhor testimunho de tudo que dizia a est8.jre9peito4.Q«iaa^.
do teve logar o tumulto da lide agosto de 1940, suspen-
deramHse as garantias; masv. pasbado8.()0iiiae dias» aot^s de
iftdo 4> pnâso,. foraln t*estdbelebidas4 por fue. Rodrigo da.
Fansefca, «títaominiistro doinèiaprfaí dedarar á carnais» qm*
nSof poáim admmistrtir $em Ubtnúaík da i «l^ranaa K ' \ ■■
Se nos transportámos ao intimo da diia VfdUpnN^da, ao,
$eiò da soa ifimiiiia, ebaantrámoa amcaraoter bouMto^y 4® im
viver simples e frugal, desinteressado, generoso <mm»0Sitiif.
gBífm\ 6:quBi)do erâaanfOi ddfioadoè u4it amigo^Valvez
lhe podessem notar na sua philosophiai e até ent materít
did •retigiãci«!«la .iieflaao.ida incredulidade, e do s^^ptioisfia
* ^d. actas das sessões da camará dos senadores de 1840.
Éí LftWIAAlVKIU
do ieciíla xtim cv^bs eseriptores Versâta oum prediieo
çao.
As èxcitaçOes da sensibilidade apcJrbícóaai o orador^ ma-
taiti porém o homem. Uma hypertrophía do coração, aggra-
tada yor acerbas ootaiÊo^ões moraes; abrevfaraflhe os díâ»
da vida, que foi extensa, pois contou setenta e um annos^
ttas qoe o seria mais, se a soa compleição admira velmeitite
robusta, dIo fosse mimlda por dentro por desgostos pro-
ftndoB.
I^arece incrível t N*es4es temípos climatericoe dó' visconda«
dos e gran-croaes, este homem que tinha muito do ailtigo»
telpicM em chamar-se Rodrigo da.Fohfóca, e sobre a su
fM*da haTia só uma medalha da Campanha Peninsubrt ^
OSerecia uda certa antinomi». vér aquella figura, um»
das mais preponderantes da nossa scena politica, só comi
nma medalha po peito^ entre a allavíio deslumbrante . da
Gêmparsaria dós nossos festejos públicos 1
'Estaria aqoella farda assim limpa d^essas vãs demonstra-
is (te uma saperioridade que^ as mais das vecse» não exis:
tOí para Ihqs fazer a sátyra?
Qoem sabei
' 'Mas Tiio pôde levar ao cabo este seo propôsitp; porqu»
a 'ftnada rainha^ & Senhora Dí Maria ir, teimoil era o agra*^
ciar com a gran^cruE de Cbristo^ dízendótibe que pareci»
mal esta soa isençBo, pohiue^muMos se resteatiam d ella.
Foi p^ mistãr a Rodrigo da Fteiseca resigfidr-aê e acoeí^
tar a mercê.
Vessd mestaa noile foi ao Poça,; Begondo o eslgrlov agfa-
deeer. á soberana.
A príndeia sorrioose quandb! o viu.' ..
— Ria*se, Tossa llfageslade^ qae tomod de mim uma no^
iH^e vlngan^, re{)liGOQ o velho liberal. Tem^me dilQ que em
oecasito das nossas crises, politicas a -tenho feito chorar;
dandolhaemseUios tiuéNUandi acertados ; agora tirli i^ vni^
gança;'rise de mimf >
: Depois abrindo a casaca» e mostrando a. beba versielba^
acerescentou:
—Ora diga- me, Voása Magealaéiv nSo estou pm pagpa«-
ftaOi «jtsim com esta fita?) - '^
Esta isenção era ndlle dm senftimeaiA praindo. Coosti-»
« Esta medalha era a das sele campanhas, Rodrigo tinha também a Tor-
re € SspacUL . . /.
»" '
Mia da» papte dá efiseocia do sen caracter; porque, dias
apenas antes de expirar» também recuso» Oi lii«ilo de con*
de, ^Hi qtieia gratidio regia idedejava* u^aqoeila hora!«u-
prema, inostrar ^uatola Ihe.iaptecíaivp oa serviços.
Este documento é digno da antiguidade. Alú^o^atâ^pâ-
mos como lum eo^empló qoe ba áà maravilhar mAiHo orgu-
lho. . r ■ • } .
Lôar*s« pri(peiro a carte, em. toemos offleiaes, que elle di*
rigtu adsr. marqâ^ez df* Loulé ^ eotio pneaidente do iaoínscH
lfa0» expoddti os ttotivosida escusa.
*l\l^ e .tx.^r** sr. — No :mcMfnento de receber a porticipa^
ção, com que, por ordem de Sua Magesiade, v. ex.^ me
honra, apesar. da oppreseSo que sioUi) áa moléstia que.pa-
deçQ, ião posao •dmar 4e ímmediattimentô elevar á Au-
gusta Presença :de Sui^ Ibgostade a esprassp do meu bíq-*
oero Bgradãcimeoto^ de-^iue jamais fiserderei a. memoria.
«AiaSimaaQlbo, Luís do flego^da Joaaeea Magalhltes, quô
làB iguala ;ent senlt«leiklos de nmor e graUdSo á Real pesr
ada de Sat Ifegestadev não pôde deixar dq proceder, como
pirocedeu» viveildo a Rainha a |SQnbora D.; Maria HUde sauf
dosa ttiemoría, qaando, a: rdeosd .mlnha^ de igual titulo qm
Sua Magestdde me coòiGedJa, tíA^r, aom deoidíc^ mbs ras-^
pehoaa f esólUf So^ ehpoas ao éAqpa 4e 'Saldanha, ptimetrdg
(}u6 em quinto sef» pi<) ivitease* ella nãd tomaria, na âociet
dpd&.wna qualificacio âtiperior á d-elid; segunde,' queiolQ
reputava os serviços de seu pae, porlíraQdasqitJdfo^afmw
«pari seram^reMmpaosudoi flbtpcttsoadiíKíftlbOi que Reidians
línba feito aiqda. !
«Êfiltâs lermos ^e eu moBiBo live a boara diS4r«pelír a
Sna; iMagesfadb a Rainha aiS^MiDcafO;. Mariailv. meiMeram
a real apprb!va(9p d'a(|úalto «sQitHrteldissima Sobarana,MO
<|na para mbD^ie paFa.meuilbo aarvio^ de maior prova da
benevolência de Sua Màgestade e do profmidd' seaso die
j«stica;eom ifaa eMa anrpllawa os act^s doai seiía f ubdHos.
tScia>fl(iagestade «l^rei, o* Stonbolr^DL Farqandosl soufo^ia
leve a bondade de api^vanaase prpoèdiiiaieatoí aom alia
«Rqgo a Y\ ex/ íai^naçli de.Êizer. d^elie sabedoria Soa Ma*
gestadelEIrR^vfepeiiodo Miau^-anguala prasapoa ios mes*
mos motivos que hoje nos <iatpFiqiaam^aiqQè d^toto bSo
< Aotempoem#eMeMHplSieMeiái«g»flMcnáiád^ c^
9^ urmuTcmA
<K(1^ merecer, a' approvaçflodo mesmo Penhor, à qqem^desdé
<)á prètesfUMos o nossa' recohbeèiiiiei¥to<. ' '
tDeusf guMe a v. es.^^J^isboa 46 de aibril dp 1858.=»
«III.™^ e ex.*"^ sr. mdrqoez de: Loúlè^Roêrigúda Fonseca
^ Magalhães, li' ' ' '••■ ' '
Este doetimento prota íima gninde Súím^iA de c*racter
Âs honras do mundo nunca poderiam cegar o homem que
sempre fli:erâ d'ellás liSopoucní cabedal) e Txiuito menos na
hora dos ddsengatio$, quando â fnofte»)á{ assentada á sua
cabeceira, lhe apontava paratodoá e«ses fotees brilhos/ coam>
}ti»is qoe pouco a pouco iriam sumfndo^se fiaabysmo das
sombras eierrías. i/ ; ' ' '
1^0' emt^nto, este' documento» peias; formulas da sua lin-
guagem affioial, aiodb 'éneobre de algoAi modp o homem,
confomie elle pensava^ e sentia,* pérqoeoilde elle seno^ pv
tentiea, como se lhe devassasseixios o intimo/ é n'est'OttlFa
catita, díolaâa apenas alguns disfi abtes deeíCpirar. Ji então
as sMffooiç5es da! sm mforial enferáfiídsde o deixavam fatiar
a eusto^ ie com pequenos é mterromt)idos:iAtervalloe. Foi
nOB^ctestes'd¥sláiagonia, i\\i^ 6 seil'graride e^iritd soube
ainda bucòiitrap a^ 2»h]b0rias do seu ix^^ génio. galhofèiho
e mordâK, |>ara répellir com o desdém nos lábios^^osiia-
bios já frios, e!eòhitraido9>p€Aè6'9elo8 da mortef-^im* A'e%^
sas ninharias orelidas^ pela fataídNide hpiiKffia; A earta éiii-
rigid« ao sK oonselhl^iró fonseca ifelles:: ^ Gopiamos áqlií
06* prinieipos^perioido». : i >' . ;w •
' uflix;^'' eiearei akiiigo^^Recebí homem a sua estimável oar^-
«tinha, e honrosa participação do sr. marqoez deíLiMé,
«fâtten^mb saieirfe daele^^áigrafidezav' e* ffuatiflcicão
iéfòdto àigúUorio\ ctíhcedida 1si' meu fiHio Lvrz do Itogo.
tCeijei reverente as< fadadas teirtls do iv. presídei^te do ooq«
4èeHi0r p 'Vi n/etiasifo of^Bd dai^generosta benevoleDaia do
t^iiosso' Sobèraiio.- - : . ^ •• !/ ..".(..••'• .-.
"^««{^nèipenai^meu caro: amigOyiiqtte ^i 'tJitve8in''Ui]itiiNÍ<-
«miebto< de 'tnep^d MmooiatiNSo^ tiveste fbito saber a<9ua
i»lfâgestade ia ftaihha^ por mim e pe|Q::seu edtSo pDesidefnfe
«do conselho, gue me não estava bem, Roderieaâ tí Om*-
€M:»aç2i hp^ntice^e iima oàrl» ieoondé, fi que emqilknto
«ètyimeu rapaz^: B9iElei»m^se*;mais d-esses^papilis lletlMralai
«fnlpfMiçiò doiqneiífiu iprofirtot . • '
«O duque, como homem que vé claro nas cousas alheias»
«mais do que nas sais* «Ao«mm rasio» «|£«)». .
LrrTBRATUlU 91
Âquelle espirito eminente não quiz — com justa altivez —
que um titulo aristocrático viesse substituir-lhe o nome;
porque o nome de Rodrigo da Fonseca Magalhães resume
uma das maiores aristocracias dos tempos modernos: a aris-
tocracia do talento e das convicções liberaes.
Depois disto resta-nos dizer ainda duas palavras a res-
peito da morte doeste homem singular. Poucos teem sido
mais malquistados durante a vida, e raros levaram após si,
até á beira da sepultura, mais geraes e profundas tristezas.
Lisboa inteira abalou-se para lhe fazer o funeral. Duas alas
de concorrentes, em que se viam todas as classes popula-
res, todas as gerarchias e condições, todos os partidos e
sympathias, seguiram desde a egreja da Lapa até ao cemi-
tério dos Prazeres.
Triste condição do espirito humano que precisa que so-
sobre o homem caia a pedra do sepulchro, para lhe fazer
justiçai Ê então, e só então que a mão da verdade grava
no epitaphio o elogio de muitos caracteres. A Rodrigo da
Fonseca aconteceu isto.
No cemitério, quando o féretro desceu á sepultura, os
srs. Casal Ribeiro e Fontes Pereira de Mello, no meio de
um silencio religioso, que era a expressão do sentimento de
uma grande perda que nem deixava respirar as magoas da
■amisade, resumiram em breves, mas eloquentes palavras,
as dores da sua saudade e os dotes do orador eminente e
do ministro illustre. Desde este momento o homem havia
desapparecido e o estadista começava a ser avaliado. Ami-
gos e adversários perceberam que da arena, ainda estreme-
cida das convulsões das nossas discórdias intestinas, tinha
saido, e para sempre, o conciliador perspicaz, o homem de
bom aviso e presciência politica, o espirito emãm que com-
prehendia os progressos da sociedade, porém realisados fora
do antagonismo irritável dos conflictos partidários.
O conselheiro Rodrigo da Fonseca Magalhães deixou um
vácuo difficil de preencher. Homem dotado de uma alta
rasão, intelligencia versada nos bons modelos da antiguida-
de, antigo e esclarecido jornalista, possuindo em subido
gráo as faculdades repentistas da palavra, a sua perda é
irreparável. Como disse Talleyrand de Mirabeau: a sua ca-
deira, no parlamento, está vasia; enche-a apenas a memo-
ria do seu immenso talento.
Outubro— 1861.
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ADELAmS RISTORI
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. [V^rqueza Del Grillo]
Missão providencial da grande trágica.— A tragedia banida pela decadência
do gosto litterario.— O theatro^ grego e os seus melhores modelw.-^
Insurreição romântica e seus excessos.-- À tragedia antiga deixando-se
influir do elemento dramático moderno.— Â Medêa, a Maria Sluard^à
Judilh.—kájmraiwel desempenho d'estas tragedias, por ma.dama Ristori.
—Volta da famosa trágica.— Ristori e o sr. tíaistilho.
Assististes já a algama d^essas grandes catastrophes dá
historia, em que a paixão, abalando todos os recessos de
alma, glorifica as suas victimas, e deixa na memoria d'a-
qúeiles que as contemplaram ais impressões acerbas de um
sentimento, que persiste e nos consome, em quanto persiste
a lembrança d^esses grandiosos acontecimientos?
Assististes decerto, porque a historia dos infortúnios toe*
moráveis tem sido incessante n'estes últimos tempos. Pois
foi indubitavelmente essa a mesma impressão que vos flcòd,^
quando saístes de S. Garlos, depois de ver a Medéà e à
Maria Stuard, por madama Rrstori. O co^açáo, confrangido
por uma lucta tão vehemente de agoniei, como quie aniquillaf
a intelligencia, permittindo apenas á memoria ret^r d efSé\to
dos abalos do que se nos passa no rntimò, abalos què de-
pois se convertem em lembranças penosas. A individualidada
da eminente artista desapparece na irradiação dòs vulloà
grandiosos que os prddigiòs da sua itrteí^prfeljarçãõ cria, en-f
nobrece e perpetua, e avulta a idéa d'essas heroinas, qiué
o úw^r, a desventura, ou o influ&o de um fado inipio, como
94 LITTERATURA
a Myrrha, a Adriana e a Juditb, enthronisam nas lúgubres
paginas da historia
E depois, se elevámos os olhos para os horisontes da
arte, se os estendennos por essas regiões que a phantasia
inflamma e a paixão assombra de sinistras nuvens, para de-
pois succederem dias mais bonançosos e esplendidos, que
bella, que imperativa personificação n3o ostenta madama
Ristori, reproduzindo-nos todas essas magestosas figuras do
theatro antigo e moderno, Phedra, Medéa, Octavia, Anna
Bolena, toda essa dynastia de rainhas trágicas, de que ella
cinge tão soberanamente a coroai
N'este tempo de verdadeira decadência para o theatro, a
missão da nobre artista è porventura providencial I
A tragedia, como as paixões memoráveis da historia, ha-
via morrido para a scena, como aquellas para os aconte-
cimentos da vida. O génio trágico, personificado na Rachel,
accorda as platéas da sua fatal lethargia; e Adelaide Ristori,
pela força irresistível de uma alma que se illumina de todos
os fogos da paixão, completa esta obra augusta, conquis-
tando a admiração e sympathia para uma magnifica forma
de arte, que jazia esquecida.
E é por isto que o apparecimento de madama Ristori, em
Lisboa, não significa unicamente a vinda de mais uma ar-
tista notável a este ponto da Europa; o apparecimento da
eminente trágica tem mais largo alcance nas esphQras da
arte. Madama Ristori, como os antigos conquistadores, que,
em nome de um principio ou de uma ambição, invadiam
os povos, deixando os vestígios da sua passagem domina-
dora em triumphos e recordações assombrosas, percorre as
sceoas mais celebradas do mundo culto, conquistando no
seio dos espintos absortos pelos rasgos do seu génio um
logar eminente para uma forma dQ arte quasi despregada.
Pepois da Chafupmeslé, e da Desmares, da Duelos, da Le-
couvreur, da Dumeçnil, da Glairon e Ducbesnois, e .final-
mente da Rachel, surge a preclai*a italiana, para continuar
essa esplendida dynastia ideal.
E torna-se realmente indispensável uma actriz d*6sta raça
p^rq confundir ós desdéns, qup ahi se notam para com a
antiga forma da^sica, e /azer volver em .enthusiasmo o des-
presQ e o esqueçifiueoto dos altos vuUos recommen^ados
á posteridade. ! ,.
f;ila,er^UjQ-se» iò.fíQ seu poderoso aceno surgem das §om-
filTTElATlIEA 86
taras do passado as sublioies pensbnificaf^es de Gorneilte e
Racine» de Sbakspeare e ÂlQeri» de Se^iiller e Maffei, qm
apparecem e( desapparecem sobre q palco, como espíritos
priyHegiados» que,, desdenhaqdo uma manifestação vulgar,
não se patenteam de novo senão encarnados no vulto adtni^
vavel da grande artista.
E ta^is proporções grandiosas encontram*nas todas estas
elevadas creações da tradição grega, da phantasia poética,
ou da verdade histórica, nos dotes inexcediveis da famosa
trágica. Ella continua esta solemne renovação, em que a tra*
gediai- a mais pura ei^pressio da arte atbeniense, triumpba
das puerilidades, das predilecções fúteis doesta época, em
^lie o actor e a espectador, por uma lastimável coincidência
de ignorancja das boas regras, depravam reciprocamente o gos-
to, este cbm as suas exigências, eaquelle com as suas conces-
sões em nome das tendências grosseiras do chamado publico.
N'esta magniãca peleja não sabemos se a tragedia ven-
cerâ; o que sabemos, porém, é que madama Ristorí, como
a Rachel, como o Talma, como Garrik, e miss Smilhson,
triumpba, e essa victoria da tragedia, n'uma das suas mais
gloriosas encarnações, torna-se a victoria dos verdadeiros
princípios, para a questão da arte.
E senão volvaoàos um olhar retrospectivo, e d'ahi con-
templemos o siadio percorrido, e os combates travados e
vencidos sobre as repugnancias de uma quadra, cujas ten-
dências frívolas, cujas sensações embotadas ou embruteci-
das, parece já não poderem accordar, senão com os estímu-
los violentos dos especlaculos do circo.
Olhemos, por exemplo, para essa época de lucta entre o
clássico e romântico, qne tanto conflagrou os espíritos, ha
trinta annos.
• O drama havia matado a tragedia. Delavigne e Victor Hu-
go substituíam Comeillè e Racine. A Sbakspeare concedía-
fid ainda um togar de honra, porque o investiram no pri-
Eiadò.danova eschola. Uma poética innovadora, legislando pe-
ripécias, contrastes, complicações; apoderai a«se do tbeatro.
Os bárbaros, como a critica aristotélica appellidava então
aoB coripheos da nova eschola, tinham dado sacco á velha
llion clasàíca, e derrocado com os aríetes e achas d'arnias
da eda^-média a porta de mármore das três unidades.
Otiahdo he de esccívir Ipia Comedia " ■
Ekieierro los ipíeceptos c(»i seis Uafves.
V
96 umaiàruKk
Este vef so áe Lopo da Vega consobslaDCiava o dogma
único dò éodigo dos-lalentos ititíovadores. O Paolheon àúk
velhos palPíarohas gregos e latioos fora ievadido: e derro*
cado. Os seds bustos jaziam' por lerra^ dispersos e d^pre^
sados; G a^ phalange dos recenles eonqiiistadores d? scena,
campeava nos mesmos logares, onde otiln^ord se ostentavam
o "pórtico de Argos, e o palácio dos Gesáres ; Campos ubi
Troya fuit.
Os brados de uma poesia originaU livre, insurreccioiaada
corttra todas as theorias e preceitos, restrugiam no recinto
qúe eehòara os sons canoros da mqtopéa dos vdbos iiieSí-
três ; e, como nos banquetes de Paulo Veronez', onde quasí
sempi^ um anão de configur{iç3o burlesca marinha pelqs
fastes das columnas, primores da arte antiga, que rodeiaii
a mesa opipara, saoadiqdo de lá o seu barrete de guizos,
assim o grotesco, introduzido n'uin canto do drama, soUava
os apupos e vociferações do seu genío galhofeiro no centro
das acerbas paixões epatheticas catqstrophes da historia.
Foi no auge doeste acceso conflictoqne resorgiu no thba-
tro francez a Phedra. Como que o templo da arte antiga se
descerrou pela mão de uma das suas musas modernas, e,
d^ellas, a mais predilecta. Esta musa, a sacerdotisa vindir
cadora da dignidade da scena, foi Rachel.
Depois, decorridos annos, qiuasi a expirar, vê ella asso^
niat nos horisoqtes ideaes da arte Adietaide Ristorí, qae
uma lei providencia], que não quer ver quebrada a cadieia
dos grandes destinos dramáticos, faz suoceder à sua antô^
cessora e rival.
Éesta nobre regeneração que, mqis tarde ou mais cedo,
bade universalisar as suas victorias. Q drama moderno, como
a Medéa, espedaçando os filhos, cortava em pedaços a arte
poética, e arremeçava-a á caldeira das bruxas de Sbakspea-
re, para a remoçar; porém, a embriaguez do triumpUoteve
os seus excessos, e os do drama moderno foram treinen*
dos. Impellião do ódio que lhes suscitaram as paAidas e
futèís i^psodias da tragedia, od^ama repbdiara a.ppopfla
tragedia, engeitandò es^ magestosa forma da arte, q/ae,
como a epopea, e a estatuária, pôde e deve ser de todos
os tempos e de tt)das as historias, porque, quando é beUai
conserva nO' tbeatro o logar iinico e indisputável qoe coá^
servam as victorias dos frisos do PartbeaoA nos dominios
da escuiptura e as acções heróicas nos domiaios do poema.
mrnBAXOBA 97
E é esta a sua lei faial. A tragedia ii3q subsiste no es-
tado medíocre: ou grandiosa» ou solejooine^ ou iospirada, ou
deixem-Da adormecida t^a ti^dicSo. Â sua de^tinaçãQ è a do
mármore da fabula:, se o d3q. talharem eip d^us, será ape^
nas um penedo. Como nol-a deixaram Sophocies e Escbilo»
Corneiilçe Racine, csen in^perio.nlo.póde deixar de ser
de todos os tempos, porque o bello projecta clarões que il-
luminam todos os espíritos il!ttsfí*atfos.
É pois este género de proporções sublimes e ideaes que
madama jiistori acaba de inaugurar m tbeairo de S. Gar-
loâ^ com a elevação e verdade do seu prodigioso talento. A
Medéa^ a Mnria Stuokrté a Judiih e a Jeabeil de Jnfflaterra^
saó OQtros taintos tríl^mphos aJcançaaos,; sobre o.aním^
d'aquelle auditório seiie^o^ que dm cada uma das creaçõe^
da eximia trágica en&revé aa ^ejlezas doesse género littera^
fio qiie a perversão <do gosto aotual havia esquecido e quasi
despre sedo.
Ao contemplar aquella magaiOca- figura de formai m^gea*
tosas e elevadae, que audaciosas áttituujles acajíieffiicas com*
pletam, dissereià tine Atelpomeme, a própria. musa da trage-
dia, tomara por Àascara a sua íCabeça pura.e expressiv^^
inspirandona do geniq antigol
Véde^a como èlla nos apparece Xi^M^d(a^ cingida mages**
tosaitaente da purpura: e. das vestes encontroadas por Ary
Scbefferr nas pinluras c|aS' muralhas de Pompèa e Herculano.
Os dois pro/unàos Bentimenlos da tragedia antiga, o ter<>
ror e a piedade, dominam os, espectadoires^ mX esta gran*-
diosá personagem surge ao fundo, da.scena. A nossa memor
jia não encontra nada de^mparave) áqualle rosto.de acerba
e funda melaocholja! .*
Othae: vede como esâfe ndeâmoptiblico^ ainda ba pQUCQ
vário e frívolo, presente agoi^ a chegada da rainha da
sceiia, é intima silencio ^ attenção com um síasvrro de resr
peito, .
O theatno é. vasCd; eíla mal< assoma :M. cimo. do despe^
nhadeiro áe penedias quâi sa agglumfiram ao fundo !do pajcQi
e o eeb vulto magestosòii:qq6ifit)3,era desconhecido» é logp
adiviphado, e á stia :vq2^ ^iiae ^nunca^ f6ra ouvida aqif i, fe^rer
nos • como se estivesse habituada a ;enpoatrar échos sjmpa-
tbicos eím nossas almats,. q ,i .
Corag^ó, âiAiifi ágíl'iâieí ,' corkígfio !
Un piSso â&CDrai ndn è linge il porto l
TOMO I 7
98 UTTUAfimÀ
S9o estas as primeiras pbrases que solta Medéa, descendo
da montanha, cingida, n'um formoso grupo, por seus dois
filhos, talvez reproduzido da Mãe desolada, de Pradier» re-
velando assim profundo estudo dos grandes modelos es-
culpturaes.
Que formosura de linhas I que grandiosa coúcepçSo!
Suanta trísteasza ia qati semblante e insieme
oalmaestà!
N*estes versos, que, ao véNa» o assombro arranca á m3e
adoptiva de Creusa, resume-se o retrato de Adelaide Ris-
'tori> entrando no primeiro acto. A sua voz, sonora e vi-
brante, que enche o theatro sem esforço, aquetia magnifica
estatura, que lembra as bellas proporções da Niobe antiga,
os cabellos bastos e negros, que se lhe desatam em vastas
madeixas de ébano sobre o coUo, como as tranças de ser-
* pentes das Eumenidas da Eneida, que, enroscadas e remor-
dendo-se, intentassem exprimir a reluctancia d'aquella alma
iracunda e apaixonada, todo este conjuncto lhe dá um as-
pecto estranho em que ha a magest^de da creaçio do
theatro grego, sem excluir o attractivo da paixão moderna.
Percebe-se que aquelle semblante, que o ciúme e a vin-
gança allumiam dos pallidos relâmpagos de furor, encobre
um coração que se abysma n'uma melancholia profunda.
Medêa é uma das mulheres, cujo rapto levantou mais
violentas discórdias entre a Grécia e toda a Ásia. Poetas an-
tigos e modernos a tomaram por assumpto de tragedias,
cantatas e até de coroe4ias. Euripides e Ovídio (a Medéa
doeste ultimo conhecemol-a apenas por alguns versos cita-*
dos por Quintilliano), Corneille e Longepierre, todos leva-
ram a terrível paixão da filha de iEétas para o theatro. Com
o titulo dos Encantas de JUedéa, as nossas platéas popula-
res, e também os eruditos em coisas do nosso velho thea-
tro, recordam-se de certo da comedia, que imaginara o gé-
nio cómico do judeu António José. Medêa era a filha de Éè-
tas, rei de Golchos e de Hypséa, magica das mais terríveis
de seus tempos. Jasão, em companhia dos príncipes da Gré-
cia, a quem convidara para quinhoar a gloria da conquista
do velocino de ouro, singrara nà sua náu Argus até Cdl-
chos. O rei iEétas conservava, porém, o famoso thesouro
guardado por um dragão, que vomitava chammas; e por
muito maior que fosse a temeridade de Jasão, a conquista
ufWBusrmk f9
4Qrfiava*tó imposstvdl oppondo^sd-lhe «ioihorrivelãdfenjior»
m as arles de Medéa, tão S9d»iâa. e çetobre magica coiqo ana
mi»» o n3o auxilids&e; porque, para Medeia^ tanto fora viar.o
vaiorosoprmcípe capitão áw argonautas, como para logo
amal-o. A fuga nSo podia estar longe doeste pirimeiro pasisa
4e amor e traioSo, e de feito. Medôa fugiu coib jaBSO, que
a levou a Colcos» e de lá a Goryntno» onde viveu dez anooft»
Das correspondidas suaves delicias de um amor coroBdo
por dois filhos. Maa para as. próprias, feitieeirajs» como para
4oduB os mortaes» a veotúra 6 um sõproí da sortei e esse
^pro correu ligeiro para a mísera Medôa, que, apesar das
^uas artes magicas, se viu despresada por Creúsa» filha de
CreSo, rei de Greta, de quem JasiOi na sua anciã de viajar
e de apreciar a natureza nas suas mais belias manifestacSea»
se agradou, mal a viu. Comtudo, Medéa, que perdera o seo
influxo de magica na alma de Ja^« mostrase mais que ma-
gica, mosira-se fúria na vingança, atrocissima que tira doa
desléaes, persegui ado-os, e estrangulando até os próprios
filhes, a' um horrendo delírio de furor.
Esta é a antiga fabula de Medéa, como se vô ainda na
tragedia de Euripídes ; mas Legouvé, e o seu traductor MoA-
tanelli, desvaneceram todo este caracter de ferocidade selr
vagem que lhe tinha dado a mythologi». ,
Na tragedia do escriptor francez, a terrível esposa de Ja-
são perde muito da sqa indole infernal. As cores livídas
da paixão e do .ciúme apenas obscurecem de sombras pro-
fundas, mas, rápidas, a phisionomia da mãe e da amante. É
a Med!êa antiga dramatisada á moderna. O amor idealisa-a,
e da tartarea eun^mide só transparecem as luctas tremen-
das de uma vingança que lhe arrancam o exaspero e a ío-
gratídio.
E mad. Bistori, pelo instmclo sublime com que interpre-
ta a historia e es^prime os seus mais díffiçeís personagens»
traça o.ci^racter da terriQc) heroina com os verdadeiros li«>
neamenios que lhe deviam, inspirar a natureza infernal e a
paixão desditosa* O seu dialogo com Greúsa, no primeiro
actp, em que. narram uma á Qutra aquelles amores mal aven-
turados, e em que, Medôa declara que dileçaria o esposo in-
fiel, e a amante, como o leopardo devora a fera incauta»
que lhe salteasse os Olhos, toda esta scena, já de si magnit
fica, prepara apeqaa o animo do espectador para as situa^
ções tremendas que se seguem no segundo e terceiro actos.
•100 ^lARcauifmA
Qaátiãd •o<amdr èbtrihho ifouba os filhos ai Medéa, aí fa-
tii (]iie 66 tt^^Qt «te gesteb da grabdé iifáéicá offèrece um
qmdpo 4ue'»3o<p6dèrdei9D)r de ser regado eotn' ás lagrimais
<dd compaixflo. O remate da trajgedisí; em qtie<Meâéa,< dè^o*
<kff}dD<as ddi6:flitiosi» obedèceá' fonça de tuna UaHncina^^,
4)t^o ififldK(9tse derrama pt^ toâa'a Bata, 6' otni trance mxtíS^
.fiíei de eibaltaçSo #agica«: > ' ' '• ^ . "
! :E a todos 06 ímpetos viòileato6>ifiad< Ribtbit dá a Bua fet-
^{j9oi earacteiistica. Depois do ^er ê^Mtdéà', jão se tíei petí-
sdoido enfi mad!^ RrBtorí^6'0 territele estfaDbovuHo daes^
'p<ÍMsa'de JasSo; que T)ôs ipreoiccirpa. Aquelb froTite de GÓr-
gona; ibas étn^ue o dedo da j^aixSo bum&rxa imprimiq stiK
'C46iãe:metaicicbolra>extreina'> (aqta^lleige^fieular qaeasauinè
toda a idagestadé épica da^e^atoa ria* antiga (; aqpaellfis pála^
m^s, qnd retumbam ria iáalaj e nos^ traspaèsam o 'eoraçãa,
Mdoitítanog povda<a phantásía á^ mít 'recordações; e Húi
dilfxa queipensav; IPor moito tempo: nac^- Vemos se«ao Me-
i]éa^/esire»iar>do 'ao- seio* os- dois fiiho^v^idiôsceDdo da^ meu-
taDha, e fluctuandolhe^ois >^stes ghe^s^ao^sébor dosveri^
tosrOseu^ infortúnio ô ó ÍKema idos* ihoí^^s cogrta(5eá, e
•4i4f^08 VeMtade de* evocar d'ai]tie(teâ é[)0t)as hemdtdi; este
Vutto>-griandioso pat^ 'adinirairmos Ôe 'parto as dimensões im*
mensas de uma perâot)iâ€8^1o>tSapr<Sfanda do amor irailâcK
'É^difQoU piniartodas^así- situações apaixonadas parque
phm este aiM;to'iinmensò/'rMenpretidò e tep^oduzida
tom -tal 'rigor ' e verdade! por madaiuaíRistori. Ba» qual-
'4rôá eifiique o 6spectádt>r> -daria tudo paria' os pod^rperoe*
luar sobreaiBeeh^, tanta é^ a magra ' dos i^stoá e a àcden^
luaçaoípathetica das patatrast Nos túomeii«e» de furor ku-
Mme em ^ue^uma sé phrase fócba um acto, como' dá pri-
meiro, as SU2S proporções académicas tomam desenvolvdúeíh
itôASofúrtíÂ^aml, que d(!3se)^eís: 'vér dbiiié de t^s algumas
d'^98as estatiuas gígelntes, qúe o cinzet'grego rmmortalisara^
O! seu olhar fascina; «e Oiacend iniimativi/' e* ibspiradodiáí-
ííús i]m está<altiuíila soberana^ i& me. ' '^
•'<) verdadeiíit)r-m(^tivo de netíbtinia dáá Medias slié' agora
oonbetída^ agrtadarem, como 'mui<bêtii' dti^ um critico ido-
demo, ist0'è as' tragediai da Èuripide^/ de Comeille; 'e de
Lotigepierre, póíe-se fexpfiúár pelo caracter 'de Jas5o, moèsi*
tro sem pafxaío, qde nfio s6^«nbstra'^ile{» digno dos ékcesh
tMS de Medêd, Dém' do ingtjnao'e''poro( tfffeeto de Greusa:
mtv: Legòuvè còAtieoéu isl^, e'fi3ot)^éâdo dbr paires a
uvmuflniA 101'
quem a ht$Sori|a ..isnega, e, por jconsegwnte^oeni mMivQir:
da Siyn(()âthiia.itragÍGa.a (^mm fattecem a nobraia e.iâteqsfc»
dade de isefitálneDlto. que e&aUam um piersoDasedi tn^^ioNl
resume todo o kiterfisâdiem Medéa, á •qiiat4ifToa aiferoçt^
d^e da tradiçio niyitolagida para. a.lorna^-^asit&.&tiiaK
çaada, e mSe deaditosa. O oteámo infdnticklioi^òe^oMiiiietH
te» é Jatào/qme.a leva a isso. itteifigliL.. uceistí... Chi U-
mrM^f.rr-TulM.. respande.esta esipúsadesv^turaâMN^aocessO/
da .Sua.baltueinacléi vingaliva. Dè Medáa íé ^M/euns o bnaç^^
que descarrej^a. o golpe n'esle laoce eiLasperado* > li. ^
Mas passemos rápido fiobr» lodasi eatâfi 'seMaçSesi Ir^f >
mendas qifô, como c&rrenteâ .eleotricas^ js^codemi .as t>Ial6a8i
em impulsões víoleniasv.e.coDtempleibQS.'essa nova fi^m»;
táo sympaLhica oa oiagesiade di> seo infortunib^ que ^Mra
^BQL seena. É liaria SUpart^ j^ valiBha de^tlosai. xi^os dali^^
ctos de mulher .não Jhe.annuvianim comtudo. a aaróoby qiicL
a dnuQDcia cQOKi.oma das mais atiraetivas victipias do máiK
lyric^ e do icadarals9'..AnBa fiolebar GaUiárlea fUyvará e M»^
ria ÀDtonietta, a ambição polttka^ â fraqueza fepiiajiia,, e a
r^Í0f<da!adv<Nr$idade< ba cabeça d«s reis, to^as eíMprinte-
zas, ini|is^i0u iseuQs criminosas, subiram ao patíiittilo aeomr
paobadasí, seoSo 4a estima, pelo. menos da Gompafs3o dfr
posteridade. Porém, Jlaria ^tuart persiste na menoria dé
t^o3.€9mo a mais laita pedrs^^jiificaQSo do ioiorluiií®, que. o»
odío de uma rival poderosa exalta, e uma graúde>Msignah
ç%) glorifica. E^dign-sei a: verdade: ao coração' e aosioUlos
das gerações. que lhe ^snepederaoi ainda custa. a adqsiuir fsaoí
moo^tiTuosaineolfereiíera de um exiterlor fènlioâissino eiumai
alma.dep^ravadfi; e a.jevep rainha dá f sâossia^ iera> tão fovM
iXkOsa>.que desarmaviai Iodas aspr«vençoes< A memoria d 'eisift
belleza peregviíiay' sõ> por si, trtompha • das: pieiMiad prouasi
da, historia. De^ía desser a. cabeça daSjleduza da; sjmpúihm
aquella cabeça decepada, tão belía e tão poética, saindo p^A^i
Udp e desfalWida >dp dentro dÈi sua coíleijra de. rendas <M)
Fibmddres! Aqueltaimagem ainda bbje toj^ba; a raíão, rasoína
a cunficiancia, e anr^ca lagrimaside píedad^^ ^etesaltafBO)
«'de loruuna a tedob quq pensam na. sua ide|s\ientunaf> ^ I
. A tragedia, úi rompncenei o poema teetn,.>lia:ires:s^uk>s,i
pcQCurado, a^mte melancholíco thena, <moti|Vo para enlerne**^
C9r m peitos, compassivos, mus, ai verdade é{ qutt pareice ter
€Í»eg)ido emfim.^ bona; de se; fbzçriDma apreciação sinoara
e JpsU d esta grande. desdita. Paio men» .assim o jblgott
04 LITTERATURA
a Myrrha, a Adriana e a Juditb, enlbronisam nas lúgubres
paginas da historia
E depois, se elevámos os olhos para os horisontes da
arte, se os estendemos por essas regiões que a phantasia
inflamma e a paixão assombra de sinistras nuvens, para de-
pois succederem dias mais bonançosos e esplendidos, que
beila, que imperativa personiScação n3o ostenta madama
Ristori, reproduzindo-nos todas essas magestosas figuras do
theatro antigo e moderno, Phedra, Medéa, Octavia, Anna
Bolena, toda essa dynastia de rainhas trágicas, de que ella
cinge tão soberanamente a coroai
N'este tempo de verdadeira decadência para o theatro, a
missão da nobre artista é porventura providencial I
A tragedia, como as paixões memoráveis da historia, ha-
via morrido para a scena, como aquellas para os aconte-
cimentos da vida. O génio trágico, personificado na Rachel,
accorda as platéas da sua fatal letbargia; e Adelaide Ristori,
pela força irresistível de uma alma que se illumina de todos
os fogos da paixão, completa esta obra augusta, conquis-
tando a admiração e sympathia para uma magnifica forma
de arte, que jazia esquecida.
E é por isto que o apparecimento de madama Ristori, em
Lisboa, não significa unicamente a vinda de mais uma ar-
tista notável a este ponto da Europa; o apparecimento da
eminente trágica tem mais largo alcance nas espheras da
arte. Madama Ristori, como os antigos conquistadores, que,
em nome de um principio ou de uma ambigão, invadiam
os povos, deixando os vestígios da sua passagem domina-
dora em triumphos e recordações assombrosas, percprre as
sceoas mais celebradas do mundo culto, conquisiaodo no
seio dos espíritos absortos pelos rasgos do seu génio um
logar eminente para uma forma dQ arte quasi despresada.
Pepois da Chafnpmeslé» e da Desmares, dia Duelos, da Le-
couvreur, da Dumesníl, da Glairon e Ducbesnois, e final-
mente da Rachel, surge a preclara italiana, para continuar
essa esplendida dynastia ideal.
. E tprna-se reaiqíientç indispensável uma actriz d*6sta raça
para confundir òs desdéns, que al^i se notam para com a
antiga forma classiica, e /azer volver em enthusiasmo o des-
preso e o esqueçitoeato dos altos vultos recommen^ados
á posteridade. . | . ,
filia. ergujç-se» e.^Q seu ppderosQ aceno surgeiu das §(>m-
fiirTEiAinaA 95
taras do passado, as sublimes pensbnificaf^es de Cornei lie e
Bacine, de Sbakspeare a Âifleri, de Sehiller e Maffei, qcie
apparecem eí desapparecem sobre o palco, como aspiritos
privilegiados» que», desdenhaqdo uma manifestação vulgar,
não se patenteam de novo senão encarnados noi vulto admi^
n\el da grande artista.
E tajBs proporções grandiosas encontram*nas todas estas
elevadas creações da tradição grega, da phantasia poética,
ou da verdade histórica, nos dotes inexcediveis da famosa
trágica. Ella coiitinua esta solemne renovação, em que a tra*
^eàía,' a mais pura ei^pressio da arte atbeniense, triumpba
das puerilidades, das predilecções fúteis doesta época, em
Sue o actor e o espectador, por uma lastimável coincidência
e ignorância das boas regras, depravam reciprocamente o gos-
to, este com as suas exigências, eaquelle com as suas conces-
sões em nome das tendências grosseiras do chamado publico.
N'esta magnifica peleja não sabemos se a tragedia ven-
cerâ; o qne sabemos, porém, é que madama Ristori, como
a Rachel, como o Talma, como Garrik, e miss Smilhson,
triumpba, e essa victoria da tragedia, n'nma das suas mais
gloriosas encarnações, iorna-se a victoria dos verdadeiros
princípios, para a questão da arte.
E senão volvamos um olhar retrospectivo, e d'ahi con-
templemos o siadio percorrido, e os combates travados e
vepcidos sobre as repugnancias de uma quadra, cujas ten-
dências frívolas, cujas sensações embotadas ou embruteci-
das, parece já não poderem accordar, senão com os estímu-
los violentos dos espectáculos do circo.
Olhemos, por exemplo, para essa época de lucta entre o
clássico e romanticx), qne tanto conflagrou os espíritos, ha
trinta annos.
O drama havia matado a tragedia. Delavigne e Victor Hu«
go substituíam Gorneillè e Racioie. A Sbakspeare concedia-
fie ainda um logar de honra, porque o investiram no pri-
Eiadò danova eschola. Uma poética innovadora, legislando pe-
ripécias, contrastes, complicações, apoderai a«se do tbeatro.
Os bárbaros, como a critica aristotélica appellidava então
aos coripheus da nova eschola, tinham dado sacco á velha
|Bon clasàíca, e derrocado com os arietes e achas d'armas
da edade-médía a porta de mármore das três unidades.
«
g liando he de esccívir una comedia
beierro los ^iwcçtos c(»i seis llafves.
V
104 hVtTBkkTVtíA
tima snpeiiorídâde positiva sobbe a rainha da Eseossía, sa-
periorídade que dá a vontade determinada e segura sobre
a inconsequência i mas, segundo o coraçSo nobre, que se
compraz de exaltar os humildes e deprimir os soberbos.
Maria Stuarl doftiina a sua riyal de toda a elevação que se-
para o ceu da terra. O historiador oondemna-a, e tem raz3o,
porque! a rainha da Escossia não soube nem reinar, nem
precaver, nem fingir, nem triumpbar; mas o dramaturgo, o
romancista e o poeta glorifioam-na, e teem egiialmente ra-
zão, por que ninguém, como ella, mais amou, mais padeceu
e se votou aos sacríflcios de umà conformidade que se exal-
ta qiiasi ás alturas da beatitude.
E è este soberbissimo qaíKjro que nos sabe pintar o ta-
lento portentoso de madamaf Rrstori. Maria Stuart, como
a respeita intacta a tradição, O' como a consagra illesa a re-
ligião da piedade, appareice-noB n'aquella physionomia sua-
ve e resignada, n'aquella estatura elegante e magestosa que
se tornou o assumpto apaixonado dos escriptores da época.
Na torre de Londres conserva-se ainda ura velho retrato
de cera da rainha Isabel, montada n'uma mula. É uma fi-
gura repellente, antipalhica, sinistra. Com o nâri2 delgado
e torcido, com a bucca sorvida, olhos pequenos e embacia-
dos, cabellos ruivos e estupetados, cora uraa coroa que se
assemelha a um barrete de clérigo, o seu todo repugna logo
no primeiro olhar. Veste gibão de tufos, carregado de canu-
tilhos exóticos e de rozetas e laços de cores disparatadas.
O mau gosto da velha donzella transparece n'isto tudo, fazen-
do caretas atrqvez da sumptuosidade da rainha. Cabeça, ves-
tuário, semblante, e matéria de que tudo é feito, tudo éex-
quisito, avelhentado, traçado e carcomido. Ora esta múmia
íiaglicana, caminhando para o sermão, sobre a soa molinha
ê&ieril, explica mais acerca do niârtyrío de Maria Stuart do
que todos os inquéritos da critica histórica. Percebe-se, por
este exótico retrato, até quÊ[ ponto deveria chegar o ódio da
fealdade á betleza, e de nmsi vida freiratica a um destino
romanesco.
Na face biliosa da âlha de Benrique VIU lé-se o agro re-
sçntjrtento de um invejoso e rancoroso celibato.— Ah t tn
ès moçal tu és bellal os poetas papistas coraparam-te ás
divindades de Olympo; tens artiantes que se dão por felí«^
zes de morrerem por ti, e até sobre o cadafalso, onde tu
os levas, beijara, abraçam o teu retrato, e proctamara-te
imEMATm^ 105
a mais adorável príoceza do mundo I... pois bem, eo voa
murchar essa flor viçosa, enrugar essa fronte alva e pai-
lida, e encanecer tio lindos cabellos louros, que escarnecem
dos meus ruivos ; vou cortar .essa cabeça encantadora, cujo
sorriso é um paraíso de attractivosl-^E a vesta^ assentada
no throno do occidenie, como lhe chama Sbakspéare, fez um
aceno aos traidores, aos carcereiros e. aos algozes, e a mais
linda cabeça que ainda possuiu a Inglaterra, cabiu aos pés
da sua rival I
E n'isto se resume, verdadeiramente, o assumpto de que.
Sebiller compoz o seu dranoa, ou antes uma elegia.
E como todo esle ódio histórico e este caracter romanesco
de uma mulher inconcebível, tomam proporções pathelicas,
interpretados por madama Ristori 1
Logo que ella apparece no primeiro acto, como que ufm
atmosphera de illusões enche a sala. É a própria rainha
de Escossia, mostraodo-se com o seu roupão de veludo ne-
gro, de grandes mangas perdidas, como se vé ainda hoje
nos velhos retratos contemporâneos do seu captiveiro, que
tem enegrecido com o tempo, dependurados nas galerias so-
litárias de Holyrood e de Sheffieid,
A admirável actriz possue toda a sua magestade grave,
pallida e histórica. Dir*se-hia que é esculpida no mármore
negro dos túmulos, com um vestuário sombrio, mas gran-
dioso, e que recorda o lacto c^e uma realeza.
Com que nobreza repelle o iuterrogatorio de Paulet, e.as
accusaçoes de Cécill Nem um grito, nem um gesto violen*
to lhe compromette a resignação soberana. Um desdenf se-
reno, á força de ser profundo, e a altitude da mulher, que
nenhum insulto pôde macular, e que se justifica por si mes-
ma, sem se lembrar de que a accusam* eis a resposta. única.
Depois, quando Mortimer tira a mascara de carcereiro, e
patenteia o coração de um amigo leal, a physionomia de Ma-
ria Stuart illumína-se: sorri -lhe a esperança; noas, passados
ifistantes, o véu da tristeza torna a cair sobre aqaella bella
face pallida, serena e melancholica. N9o é o cadafalso que elia
teme^ môs o punhal. Tu vedrau diz ella a Mortimer, com^
piú torne ai suo disegno il braccio dei sicário»
N*este momento, um gesto de punho, obliquo e homici-
da, pelo qual a actriz exprime esle presentimento, revela
n3o sei quê experiência de assassinato, de que a imagina-
ção fica assombrada. A mulher, a quem a historia imputa
104
vntÈíJtX^stíi^
ri^
orna superioridade positiva sobre a ™
perioridade que dá a vonladè determ^.
a inconsequência: mas, segundo o cMê ,
compraz de exaltar os humifdes e o* _
Maria Sluarl domina a sua rival de t;« --
para o ceu da terra. O historiador oor^.»^
porque a rainha da Eseossia não sc-;^
precaver, nem fingir, nem triumpbaw^^ ^
romancista c o poeta glorificara-na,
zão, por que ninguém, como «Ha,
e se votou aos sacriflcios de umà
ta qiiasi ás alturas da beatitode.
E è este soberbissimo quadro q«*^
lento portentoso de madam» Rist^ -
a respeita intacta a tradição, e* cot»
lígiSp da piedade, apparece-noB n v^j
vè e resignada, n'aquella estatura «k^
se tornou o assumpto apaixonado n ^.
Na torre dè Londres conserva-^ 5rii^
de cera da rainha Isabel, mont^t* .j^
gura repellente, antipalhica, sin''
e torcido, com a bocca sorvida,
dos, cabellos ruivos e estupetaâ
assemelha a um barrete de cleri f
no primeiro olhar. Veste gibão ^^o
tilhos exóticos e de rozetas e
O mau gosto da velha donzella
do caretas atravez da sumptuos
tuario, semblante, e ^nateria dl^
quisito, avdbenUdo, traçado ^^VummÍZ ^ -«i™
anglicana, caminhando para o * *1b^í? «»a/fierTi?
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senlíniento de um invejoso ' ^ ^,^. .^. ...
és moçaf tu és bellal os p-^ ^ékuMrío^"^' ^«•^
*vindades de Olympo; tento, «W/oôn ..
8 de morreram por ti, e *»^efitfj»en#^ *^''
ie%'as, beijam, abraçam ^» ^e Çíie . • '"^^'^'^
^ oporia kaputíi
.a
ue
vai.
VJVlBAAtURA 107
. , é resígna-se ainda. S9o ad-
"' Poi$ JL /os dialogo as transições de fre-
^^^ frofli^'''* eu /ulsos e reprimidos, as coq-
'^f^on^ Ou *'*'a e ^^^ ^s, transparentes e profundas,
*^^ ^0c3 ^ ^'-^r/)|. f'^'* indignação e tranqoiilidade es-
í.' ^ t^T^^^^tor,-! ^^** ^ âa admirável trágica. Ha rao-
'^''^A ^^^^ ^'*^M^ '^^^ ^ transporia: os olhos per-
'' Bh^^^^^. /ív em-se-lhe correr bagas de suor
/•/a '^. e ^ ^^/^ ilinam com a palavra, as mãos he-
' ^'^^iu uoè '^ desordenada. Recua, vacilla, tem
,^^^ f^ j3o da necessidade arrasla-a curva-
lèi^^^^f^^o (Jq ^to de abnegaçSo havia sido feito,
.^ '''V/a, ^^^ iosa entre^^ista, e para o cumprir con-
,'.1 ''•*'' roíij^^ ^ N5o se humilha, despenha-se no abys-
'^^^^ l^^Uietu^*^ IwçSo, para se não vêr, nem sentir. O
^^* supremas bèbcK) todo a tragos acerbos;
'''íio í^i,^ / de novo, e a trasbordar, e esta prova re-
/'V'^/í rj Sf wa-se. Não cabe mais nas forças humanas:
. ^*'h(U) ^^^^ *^^ eterno, porque seria converter as
* ^'V/^/j j 'í^ jndo nas penas dos réprobos. A tempestade
^i^n^o a ' '^^í^^l insulta a mulher, depois de teravíl-
^****nôsJ!^ i. Enítão uma fulmínadora metamorphose ar-
* ^ } esta creatura abatida, ergue-à, dá-lhe propor-
hl* ^ .es, e faz-lbe deitar fogo e chammas pelos olhos
tjs gf^ magnifica erupção de raiva!
que rápido e dilacerante golpe ella rasga e deixa
t, ess virtude hypocrita, qoe lhe exprobra as suas fraque-
»//W ^ ? 8^^^^ ''^al, soberano, fulminante, pelo qual, tor-
>^i^ A rainha, expulsa da sua addiencia a culpada de tesa
,foe 'dg^stadet iUma espada nua, desetbb^inhada de súbito,
;,.y. âãb télampéjaria na sala toda mais ftilgurante lampejo. E
2 depois, qoè altivo e magestoso- nao é o grito de vingança,
' que remata esta explosão de iré, e de indignação: ■
Dopo tanle vergogne e tahtó dífeni
Wora (ti vea&kta e di triqníof
p 4i* í»'»*«* ^ • ««o^ena do jolçamenlo no palácio de West-
'^nste^ ^ombria sala de jaoeHaà ogivaes e vi-
'S i omo difis íim escriplor inglez. Henri-
\ ara matar Ugatmente ; Isabel se ^s^
106 uTTSKAnmA
O assassínio de Damley^ apparece de relance atravez do Um*
pejo do punhal invisível. Aceredita se que a mão, que t3o
firme e rápida simula o golpe fatal, o saberia despedir cer-
teiro n'outra occasiSo. N9o é senão um indicio, mas de
um efleito profundo e penetrante.
No terceiro acío é onde o grande talento trágico da ar-
tista desenvolve toda a amplitude das suas proporções epi*
cas. Este acto abre pela admirável scena, em que Maria
Sluarl, depois de dezoito annos de capiiveiro, se lança amo-
ro^mente no seio da natureza, e o enche de exclamações
apaixonadas. Madama Rístori faz uma ode, uma cantata, um
solo lyrico d'este magnifico monologo. Âquella explosão de
alegria, aquelle desafogo de alma, parece encontrar todas
as suas consonancias nas inflexões e harmonias d^aqiiella
T02 maravilhosa. É preciso veUa lançar-se na scena, cotao
que dilatar-se. mergulhar-se n*aquellas a ras que ella res-
pira a sorvos, e que lhe enebriam a alma e exaltam a iAoa-
ginaçãot Mas o sonho da sua França adorada, figura-lhe
a nuvem que vem escurecer tao bellos momentos.
E quelle Dubi che ilinQríg:^io attira *
. Gercaao l'oceaa che Francia bagna;
diz ella, vestindo de suave e paliída melancholia o seu rosto
de mármore.
N isto sente-se á bozina, que annuncià a chegada de Isa-
bel. É aqui que se apresenta o terrível encontro imaginado
por Schiller, e que o poeta aproveita para completar em tra-
ços profundos o caracter das duas irmãs. N'esta scena, mada-
ma Rístori excede toda a analyse: é vélra e admiral-a. Ella ca-
minha para a sua endurecida carcereira cona um passo desfal-
lecído: ó corpo avança, mas o animo recua! Um gesto subli-
me de verdade rebenta, manifestando tbdá a repngnandia,
D asco, disséramos melhor, que sente ao aproximar-se da soa
cruel oppressora. Afinal ajoelha, mas o fogo da altivez, que
lhe chispa dos olhos, protesta contra a humildade da attitu-
dle. E com què finura feminina ella n3o afiasta da sua rival,
para a dirigir aDeus, a intençSo dVsta reverenciai Un nu-
me adoro, exclama Maria, pela boeca da actriz.
Segue-se um longo período de provação para a sua alma
altiva, e depois irrompe a explosSo. É este sublime transe
de certo a melho^ situação da tragedia. Ás suas supplicas
submissas havia respondido Isabel ^com' a aspereza de um
frio desdém. Maria ' mar tyfísa-seeresi^na-se ainda. São ad-
miráveis em toda esta parte do dialogo as transições de fre*
lúito, os estremecimentos convulsos e reprimidos, as con-
tracções de pliysionomia rápidas, transparentes e profundas,
qtrè pin^aor as alternativas de indignação e tranqoillidade es-
tudada, reluctando no intimo da admirável trágica. Ha mo-
mentos em que o resenlimenlo a transporta: os olhos per-
dem o briltio: parece veremTse^lhe correr bagas de suor
pelo rosto. Os lábios não atinam com a palavra, as mãos be-
dilabi ^n'Um;a gesticulação desordenada. Recua, vaeilla, tem
medo, tem frio. Mas a mão da necessidade arrasta-a curva-
da, e febricitante. tJm voto de abnegação havia sido feito,
no começo doesta perigosa entrevista, e para o cumprir con-
jura todas as forças. Não se humilba, despenha-se no abjs-
mo da própria humiliação, para se não vér, nem seniir. O
cálix dafs angustias siipremas bèbe^^o todo a tragos acerbos:
itías Isabel enchd-o de novo, e a trasbordar, e esta prova re-
pete^se e multiplíea-se.Não cabe mais nas forças humanas:
o martyrio não pode ser eterno, porque seria converter as
angustias do mundo nas penas díos réprobos. A tempestade
rêbef)ta e«)fím. Isabel insulta a mulher, depois de ter avil-
tado a rainha. Então uma fútminadora metamorphose ar-
fslnca d^ pó esta creatura abatida, ergue-ã, dá-lhe propor-
ções gigantes, e faz-lbe deitar fogo e chammas pelos olhos
e pela boèca.
Que magnifica erupção de raiva!
€om que rapMo e dilacerante golpe ella rasga e deixa
nua a virtude hypoCrita, que lhe exprobra as suas fraque-
zas t E õ gesto real, soberano, fulminante, pelo qual, tor-
nada rainha, expulsa dá sua audiência a culpada de lesa
magestadet^Uma espada nua, desetlibaii^hada de súbito,
nãb relampl^jaria na sala toda • mais ftilgurante latnpejò. E
depois, <]nb altivo emagestoso' não é o grito de vingança,
que rétnata esta explosão de irá, e dè indignação: •
' Dopo tanle vercogne e tahtò aSfani
Wora (ti veaoetta e di tiriQoío!
d 4i^ acto é a scena dd julgamento no palácio de West-
minster, na vasta e sombria sala de janéHas ogivaes e vi-
di^os de cdres, onde, como di2 fam escríptor inglez. Henri-
que VIII te assentava pára m^tar Ugatmente; Isabel se^s-
106 íJTrVMSVt^.
sentava para matar despoticamente: Maríq Tudor se bayi^
de assentar depois para .mdtar tteologicavientei'
O 5.^.acto é o Siipplicio* e madama RistoT» converle-o n'mi|
calvário. Este quadro díe agorfa ,presenc^a-se codí o corar
ção confrangido, e a imaginacãO; em sobre6aUos«.AquélUs
magniflcos. versos de .Bocage.: ...
Multiplicada a morte anceia a inente,
Bate horror sobre horroi^ nòpensamento^
realisam*se nos seus effeíto^ mais excracian.tes, para a j^lixtík
opprimida de todo o publico» . i . .
Maria Sluart apparece<.Vem dizer o derradeiro, adeusai
suas aias. As agitações passaram; as chammas das paixões
terrestres jazem exUnctas» .A auréola da eternidade irradia
na sua. fronte serena.. Que reaign^çSo» que bondade intim;^
e aSèciupsa,. não transpira . toda esta desped^d^t eni que o
peito, rasgado pela dôr» é apenas livre âmbito para a saun
dade que já ahi anceial Quando Cécil se oppoe a que a sua
velha amiga Ãnna aacqmpanbe ao patibulo^.porque teme. que
os seus damores e as suas. lagrimas, mais a pSlijam: oh!
no, no piangerá, exclama ella com o accento de qma mãe»
que prohibe a sua Qlba que chore, e encbiiga com as duas.
mãos a face regada de praato.da velha aia, com um gesto de.
ineffavel gentileza. .....;
Mas a hora extrema aproxima-se e a imagem do Cbri^to
arrebata-lhe o espirito n^uma ies{)tecíe de extasi de antecipa-
da bemaventurança. £ n- esta sublime attitude de contempla-
ção que Melvil Ihe.ouye.a.tíonflssão. Com que expressão
doce, serena, e ao mesmo, tempo fervorosa, eUa.nSo aper-*
ta o crucifixo I É o santo: temor da alma, que se encoatra
face a face com Aquelle a. que cúnguem engan^.
, O tambor em fuoeral senterse na sala visinhat ao oqvil-o
um frio glacial percorre tedaa sala,, A rainha de Escossia
caminha para o suppUcia. .Na entrada do seu Golgotba en-
contra o seu Judas, esse desleal e covarde Leicester, que
t3o miseravelmente trahm a amante e a princeza^Á sua vis-
ta a santa torna-se mulher: Hai sdoUa Iq iua fede, ó Ro-
berto. — Cumpriste a tua promessa, Roberto. Os teus bra-
ços deviam arrancaMoe. d':es)H»a muros, e são os teu» bra-
ços que. me arrastam d'aquil..,
A mdignaçâo, a Ironia infamante, a expressão de. pungeq^
te^ sarcasmo^ que éUa imfprímQ poesias palavras vibmdas em
trMMuimAA 1109
tom baixo, nao poâem explícar^se. Gusfta a crér que o trai-
áúT tí&o caía ftilmtnado. Mas este ligeiro vislumbro de ira
'{>a^sa como o' felâmpago. Desde esse momento um rapto
^e alma e dos ^hii(fos sei apodera' ã'ella, e lhe dá a ex-
^i*kss9o irtieffavePd^ alma escolhida^. O' sen bello rosto pa-
rece fluctuar na serenidade eibérea d6 tum esptendor de
bemaventorada. N'est6 instante p9ttte que um horlsoi/te de
Itálbiàs; de anj09, de barndonias! e dè luz invade a scehaJ Ma-
ria Stuart sobe ds degk^auis da satã fúnebre ou antes ergue-
se impellida pelo sõ^ro de'i)ma asbensOo. A sua cabeça ain-
da se votve n'esta hortí solemne para dizer o ullimo adeus,
e abençoar as suas aias prostradas^ mas n'este momento
aquella figura jánada tei^ de terrestre ; paira sobre fama re-
gião de nutens; que os olhos nM téem, mas que a pAan-
tasià imagina e aggiomera em tomo ffaquelle vulto, colo-
rindO;a^ dafs cores do Irls.* » >
Jámafs o veu, que se esfende tio detlso e implenetravel
entre o mundo e a eternidade, appareceu tão dia{)h»no aofi
olhos dõsmdrlaesí « í • «; * - ' \ .
' Dei^oi^ de tudo iisto, destere^ os bhdos,' os damores
de enth^usiaáhio, as palmas; as cCtoimoc@es, os ddirios, o si«-
íéncío afflíctivo com que uth 'publico segue e escuta todos
estes lí-aiises, é qoasí iwptísíítel. É necessário vêr, porque a
palavra e ã escripta são miilâs: para tamanho esforço. A mente
do èspecta&or quasi-que jWrdede idéa a grande trágica para
^ lembrar -só da print«2â desventurada'. A inexorável con-
defranàção 'da historia' slpaga-se n'este momenlio paira se avi-
vàrèrn unibamènte: toliòs os Incentivos d& sjmpatbia. Com
que saudade é religiosa' silencio nSovibiiaría o espectador
n^esie tnomento; depois dè tôi> a 'tragfedía deSchiller, repre-
seMada por niadama nísfóri,^ás ruina^ do bastello de Hard*
wicke, pk*is9o dd' infot^timadà princezat <A wtÁcfi camará, gne
existe dtepfé,'di2j rar. Niiíard, visitando estás poéticas e trls-
Ué rúInas, è i que'síe -cbsfulaVa 'a camiira : dos gígante3. É
ahique se vê ainda o leito' qué foi de Maria Stuart. Bsté
leito, cújàis coberturas tém Idvôrts da' sua própria mão, foi
db certo testemunha de basiames noites sém somno, de in-^
finitos gemidos abafados, de- lagrimas emsHencto devoradas,
e dos ardentes desejos de éviafeãó d regresso^ ao ar livre e ao
pódér.; 0'tfenftfio íem já dèsbottdo as (Jílres,e gasto a trama
do i^oídVpé," obra dbs seuis dedos- dèlleados, duranld o caíptl-
veiro. Um tumulo n9a seria mais 'triste 4o que este leito.
110 hvnEfuvfjmí
Aqoella magnificência sem brili^o já, o docel fiesm9Íado, os
cocares de plumas nos quatro ângulos, tuop f^z assemeUiar
este leito a um grande coche funerário^. E é pelo ip^pos uo|
tumulo, visto que todas as esperanças da pobre senhora aibi
pereceram, e quem sabe até se chegou a chorar ahi mais
de uma vez a sua mesma morte !
«A sala aonde se vô este ieito está mobilada, qpçf^opisi época
de Isabel. Ha curiosidades qae vér para um dia inteiro: mas
que vontade pôde haver de contemplar outro qualquer objd-
cto, depois de tér o leito de morte de uma princeza, quê
pagou tão caro as suas faltas, e cujas graças desarmaram
para sempre o. rigor da historia ? I »
Ainda nos falia fallar da Phedra, e da Judith.
A Phedra é a melhor tragedjp de Racine, na opinião de
Voltaire, e madama Ristori consegue reproduzir todas aqueU
las tempestades de um amor adultero e incestuoso, com a
magestade da tradição grega. A scena do delírio arrebata o
publico.
A Judith vé-se que é o thema biblico, que aproveita o
amor da independência patriótica, e que todavia o talento
poético soube accommodar ás proporções de uma tragedia
de ardentes e inspiradas situações. N'esta tragedia é mada^
ma Ristori auxiliada poderosamente por madama Ferroni e
o trágico Majeoroni, que tem bellps momentos. Mas a alma
da italiana, abrasada no santo amor da pátria, desafoga no
peito da grande trágica, nas calorosas scenas dei. que todo
este quadro de emancipação nacional está realçado. Bastai a
invocação do quarto acto, e o hymno do quinto, para eothu*
siasmarem uma platéa, e consagrarem o talento scenico,
N'uma palavra, madama Ristori é a personificação der^
radejra da tragedia, como esta sublime forma de arte de;Vd
ser concebida e interpretada. O seu maravilhoso talento õ
auxiliado por todos os dotes physícos.Aquella.belía cabeça
^n que reside a perfeição de linhas do ideal da estatuária an-
tiga, aquellas formas elevadas e magestosas, tudo annunciá
ii'ella uma d'e$sas soberbas filhas dos campos de Roma, em
que a belleza robusta e varonil, os bastos cabellos casta-
nhos e os braços desenvolvidos e académicos, fazem lem^t
brar os modelos predilectos de Leopoldo Roberto. Dissé-
reis uma matrona da velha Roma, uma Clelia das antigas
eras do Lacio, uma Gamilla, evocada á voz poderosa do ta*
lento da interpretação. E é por este prodigioso conjunçto
de dotes que Adelaide Ristori pãde representar, diante de
todas as platéas, porque todas a appjaudirlo. Âules de fai-
lar á íntelligencia, falia á imaginação. O espectador majs h|0S^
pede ao idioma italiano, n3o pôde, ainda que queira, deixar
de se idenltiQcar com todas as luctas que se passam na alma
da grande trágica. Todos os versos na sua boca, são ape»
m% um pretexto para aquelles pradigíos de expressão. A
verdade das suas inflexões torna-se tão eloquente, vão e^tas
tão ao intimo do coração, o jogo d'aque)la pbysionomia é
marcado a pincelladas tão profundas, passando-lhe o odiq,
a alegria, a vingança como relâmpago sobre a face tão signi-
ficativamente, todos estes sentimentos se resumem de tal
sorte, ora no vislumbre de um olhar fascinador, ora no sar-
casmo de um sorriso que ao de leve lhe encrespa os lábios,
prenuncio da tempestade que vae rebentar, emPim tudo isto
se produz com tanta naturalidade e elevação, que o publico
lô no semblante da actriz a historia de todas 9s paixões a
que está assistindo, sem outro auxilio senão a attenção re*
ligiosa a que se sente preso. Ao vel-a acodem . á memoria
as estrophes de Hyppolito Lucas, dirigidas a Rachel:
De son manteau grec reyétue,
Le front marque cTun sceau fatal,
On aurait dít une statue
Descendant de son píedestal.
Son souffle anima ton fantôme,
Tragedie à ia voix d'alrain!
Des gránds Jours d'Athènes, de Rome,
Ghacun se crut contemporain.
Madama Ristori voltou a. Lisboa. A Judith foi a tragedia
escolhida para a grande actriz obter mais este triumpbo de
despedida O theatro parecia de galla. Nos camarotes e nas
platéas resplandecia a flor da sociedade da capital. A ancie-
dade por ver ainda mais uma vez a mulher excepcional que
agiia um publico, como se fora uma só alma, era visível em
todos os semblantes. Quando o atalaya que vigia no alto da
montanha, gr\iQu:—AlcUn s^apressa... È la JudUa!—\xm^
oiklulação, acompanhada d'um sussurro surdo e indistincto
percorreu toda aquella multidão de cabeças, ondulação que,
nos grandes auditórios, é sempre a manifestação solemne
ã'um espontâneo e geral sentimento de respeito que nos
liga os sentidos e os concentra n'um9 attenção religiosa.
112 âvtBiUTinik
Ristorí apparece por fim. Assoma no viso do monte, e
corre pelo deâSlIadeiro a preeipitar-se aos pés do grande
pontífice. Vendò-a as^ím correr, aquelie magestoso vulto de
mulher atravez das penedias, que ella parece dominar com
o gesto e com o othar de fbgo; sabendo-a ainda hontem no
Porto, e ja hoje em Lisboa, e já amanhã em Hespanba, dis-
séreis que é o Verdadeiro génio da poesia trágica, que surde
aqui e alli aos $eus diíectos, no gyro tmiversal a qne a m-
péllem as resptendêdeiites azas com que devassa as eras da
historia.
Estrondosos applausos receberam eâta apparição magni-
fica. A commoção da actriz foi visivel. Prostrada jwito do
summo-saceídote, com oá braços cruzados de encontro ao
peito, o seio arfava-lhe, e b olhar innundava-lb'o a expres-
sííò d^um sentimento profundo* A áttitude da artista volta-
va-sé n'este momento para o yelbo' pontifiiie; mas tís senti-
mentos da mulher prcndratn^h^a do intiiÀo d'aliha ao pu-
blico que' a feçebia com tio' vehementes provas de estima
e ènffhusiasmó.
E que tragedia n3o è a JuíUik para àccender no espí-
rito d'um publico inteiro os arrebatamentos da mais viva e
ardente admiração! Vendo-a, coinprehende-se o porquê a
Ristori enlevara ás regiões do delírio as plateias da Itália.
A Judith é a personificação patriótica da historia moderna
da Itália. Aquelie povo de Bethulia e Sismaria que murmu-
ra e vocifera, é a dõr do sentimento nacional da Itália que
desafoga nos bellos versos do poeta Giacometti. Judith re-
presenta o amor da palria que se resigna, que soffre, que
se vota aos tremendos sacrificios, mas que afinal se ergue
dos abysmos da sua hiimilhaçSo, e decepa a cabeça dos ty-
ránnos.
' Estas scends de exaltação patriótica, acòendidàs pelo fogo
puríssimo da emancipação nacional, não podem jamais pas-
sar indifierentes diante de qualquer povo que tenha uma
histeria gldríosa e um caracter capaz de avaliar os nobres
destinos das nâçõe^. Portugal já' teve 1640, é basta-lho isso
para seenthusiasmar com a audaciosa heroina da Judéa, e
ouvir sempre, no accesso da febre das grandes exaltações»
o magniiico hymno, que, saído da bocca da Ristórí, nos faz
a^sfístit* a essas tremendas convulsões de angustia é esperan-
ça por ique tem pasmado o povo italiaiu).
As coroai e os ^amos, os applausos e as palmas enche-
LITTERATURA 113
ram a sala e o palco ao terminar este trecho de bella poe-
sia. Uma nuvem de bouquets foi despedida da plateia supe-
rior aos pés da eminente trágica, e em allos brados o pu-
blico pediu a repetição do hymno. O panno ergueu-se no-
vament.e. Doesta vez a sala toda, camarotes e a plateia, de
pé, e na anciedade concentrada de um religioso silencio, es-
cutou a famosa actriz. Foi Sua Magestade o Senhor D. Fer-
nando, e os Senhores Infantes os primeiros a darem o exem-
plo doesta homenagem prestada ao génio da arte. Âs reale-
zas da terra exaltam-se com esta manifestação de respeito
ás realezas, que mais que nenhumas outras emanam do su-
premo principio da magestade infinita. Se ha direito divino,
è das realezas do talento esse o verdadeiro titulo. O génio
não pôde ter outra origem ; nem outra mão, que não seja
a mão que determinou as maravilhas do universo, lhe pôde
firmar os seus diplomas de legitimidade.
Na sexla-feira, ás 2 horas da tarde, voava já mad. Ristori
no caminho de ferro do sul. em direcção a Hespanha. Não
será decerto este o derradeiro adeus da eximia actriz a Por-
tugal.
Mad. Ristori levou saudosas e gratas recordações dos por-
luguezes; e levou mais do que tudo isto, porque levou um
\ivo sentimento de gratidão para com um dos maiores poe-
tas da Península, pelo sublime rapto de enthusiasmo que o
seu talento inspirara ao cantor dos Ciúmes do Bardo.
E que quadro tão pathetico, não era vêr Castilho na pla-
teia, meio-sentado, meio erguido no seu logar, estremecen-
do de arrebatamentos convulsivos á voz potente das paixões
da illustre trágica, olhando-a filo, atlento, insistente, como
querendo com a intensidade do seu espirito inflammado fen-
der a densa névoa que uma sorte infeliz lhe pozera sobre
os olhos, e supprir com os clarões d'essa vivíssima luz in-
terior a luz da vista I
«Esta mulher fez indispensavelmente muito mais que es-
tudar a historia, a philosophía, a poesia (diz elle na Revis-
ta Contemporânea); fez mais que observar a vida patente á
superfície da humanidade. Fez mais que observar de perto
no fundo das suas respectivas jaulas a insânia e a fúria dos
alienados, a languidez dos enfermos, as angustas dos ago-
nisantes, os remorsos e as raivas dos presos, a consterna-
ção dos asylados, as amarguras dos indigentes, as penas
TOMO 1 8
114 LITTERATURA
i
mal disfarçadas dos anjos cabidos no opprpbrio, e o horror
do, patíbulo; tudo obras vivas de impreterível ensinamento
para a sua arte^
..(íJSo silencio da Q0it§, e em quanto as outras ou dormem
ou velam, umas para o jogo, outras para a dança, outras
para a conver3ação, outras para o amor, outras para os fi-
Ibos, outras para a tarefa que a3 alimenta e as entretém;
quantas vezes não andará esta em espirito, engolfando-se,
por fatal necessidade do seu ser e da sua sorte, nos abys-
mos d'onde os Shakespeares e os Hugos vão arrancar mons-
tros e pérolas, e reascendem á luz pallidos e sobrehuma-
nos, moribundos e divinas!
«Afortunado o que não acredita n'estas noites de febre,
de delírio,, de prophexia, de creação e destruição; noites
como as das feiticeiras, que ao lume azul de uma mão de
finado fazem surdir thesouros; noites em que, sob uma ap-
parenle immobilidade, o espirito se revolve no corpo, como
o alchimista no seu laboratório, a pedir a toda a natureza
o segredo do metal rei, e do elixir de longa vida! Três ve-
zes feliz o que ri doestes martyres da arte!
. «Quando, ella assim estuda (porquie jurarei que ella estu-
da assim); quando endoidece diante de um espelho, actriz
e plateia para si mesma; quando escuta as suas palavras, e
as contrapeza, oiro e fio, a período e período, e a syllaba
e syllaba, com o affecto da sua heroina, com o affecto que
tem dentro; q.:e objecto para estudo de actores, de orado-
res, de pintores, de estatuários, e de poetas principalmente,
não seria esse seu estudo! Mas esse é o livro dos sete sellos
do génio; a Sibilla, que o escreve, queima-o antes de mor-
rer. Estes fructos da sciencia colhe-os.por entre espinhos
e para si quem pode; mas não ós dá, não os pode dar, não
lh'os saberiam receber nem talvez a outrem se lograram. O
talento produz para todos, mas sabe só par;i si; avaro do
.seu segredo, pródigo de tudo mais. Dá a lembrar a arvore
.alterosa, metade a verdejar, a florir, a frutear, a esparzir
sombras, dejeites, musicas; mas a outra metade, de que
tudo isto se cria, mergulhada, esquecida, calcada sob a ter-
ra, a agenciar, ao perto, ao longe, pelo tenebroso, pelo du-
.ro, pelo frío, os fluidos invisíveis de que se alimenta a ro-
bustez d'aquelle tronco, a pompa d'aquelles ramos, a ale-
gria d'aquellas flores, a suavidadei .d'aquelles frutos, o en-
cantamento harmónico d'aquel]e todo.
uffTBfutnu SU
«Sabemos dós fio 'applauãrro|os -esta Ri$ftorii| qiid de ^
t^tíioéstotQmo% fastejatKlo lotrnifiiitos, q^H eUii «irlia b^
reaespWa nos «o^nlar?! ' ;r> ' . , ,
«A gloria compra-se e custa cara. Por baixo do manvo 4ô
purpura está ntditps ve^âs o flagellado^ niaifi4&'QIA9 coroa
de loiro tem eâcubérto frontes; que m lida8>>ptffiB0teirQ .^o^
^aneoerám^ 4Bpois devastaram até das òH. Dact a QsmolU
da comptiixão aos :gloriosos. ^ .
a Aqui tendes, se me não edgano, O, rand cofQpIe^tiQ de^fe-
iibidades^ e amarguras, de grafas prigiDaeSjj e da i^irtude$
^quiridas, âeín o i\ml este pbenomeno «bainiido RiâUMri sa
não explicaria; pbenomeno sim, e èSo mulbBr, iaotOtassiou
que o seniimento que ella inE^íra n90 é nos bdmens a amor,
neài nas mulheres o ciúme ou a inveja;^ 6m»todo$ uma
«espécie de adorarão.
ffAqoi tendes porque ella percorre os estados dd^GiéirDpQ^
-e percorrerá os de todo o mundo, como riinlia, que A^isit^i
as suas provinciais; porque a musica se não atnevoía introf-
melter^se; nem momenlanôamenite, nas solemnidaudes dOiS
seus sacríãcios: theatraes; porque as cidades a- esperam, com
^alvoroço, e a ficam recordando vangloriosas.
: «Abi tendes porque os poetas se inspiítain à^elUi pana
4slla compioem, e a 'ella dedicam os seus poemas; :pop-
«[Qei a. imprensa lhe tece um bymno.perenn€|:e>iinlversal,, e
~a :erítiea, essa esci^ava inioltadloína dai todos -os triui^poa,
aiQda Hãoacbou que lhe f eprefaeqder, senão a exceasivia per*
feição; a verdade absoluta :na>expres6ã9 dos bKMrroresre ter-
rores iiaturacis. ) i i . ,
cAbi tendes porque a mocidade estudiosa idas icidades
por onde atravessa: lhe dá sereâatas, e as companhias tbea-
traeá coroas.
I «Aqui 'tendes porque os nei8 e atè as rainhas a convidam,
^ hospedam, a: regalam, Ibeescre^qm, lhe;ap^taia' a.mãp»
e se ella lhes pede a salvação de um^jcondemoaido, Oidigoos
attonito senie escapar-lbe da$ mãos ia. aua victiofta. .
«Que mais realisaria a lyra^fabnkkosa dos antigos tempos?
«O que somos obrigados a aoredi4a^ de B)istoi>,/porque;0
presenciamos e de que os nossos netos sorrirão por ventu-
ra, revela-nos em parte o sentido d'alguns mylhos.
«Querereis, vindoiros, vós outros a quem enviamos o seu
retrato, querereis conhecer a força, a magia, d'este génio?
Ristori resuscitou a tragedia, ou antes Ristori foi o Pigma*
116 UREBATCnA
li7o doesta poesia estMaa que ficará de pé no meio d'esta
litteratora» tSo diversa em tudo, em quanto subsistir a fada
que a evocou. — A tragedu e Ristori moiuierão no mesmo
DIA.»
O entbõsiasmo arrancou estas bellas palavras ao insigne
vate. Mas o seu vaticínio n3o se cumprirá. A tragedia,. como
todas as grandes formas da arte, n3o morre. Quando já não
fõr a expressão natural do caracter de um povo, deixará de
iser a traducçSo fiel da sua historia ou das suas tradições,
como entre o povo grego, mas passará a ser uma magnifi-
ca forma dramática, como no século de Luiz XIV, ou o qua-
dro sublimo das grandes paixões, como nos dramas de^
Sbakspeare, Sehiller e Victor Hugo.
A arte é eterna, e existirá em quanto existirem as for-
mosas harmonias da natureza, sua fonte de inspiração, e os
mais nobres é elevados de todos os seus fins. As edades,
os progressos da íllustração, os caprichos do gosto, os de-
iirios ou extravios da phantasia podem alterada ou modift-
caNa, mas não extinguir de todo as suas manifestações mais
características e solemnes, e a tragedia é uma d'ellas.
Não ponhanfK)s pois os s^s destinos tão dependentes dos
individues, embora esses individues sejam os gloriosos in-
terpretes dos seus segredos. Depois da Adriana Lecouvreur
appareceu Talma, e quando este julgava já não poder legar
a um génio inspirado a cblamyde dos beroes trágicos, sur-
t]e Rachel. Depois esta expira ainda no estrépito da sua glo-
ria ; mas, olhando, para despedir-se da vida e da scena, on-
de reinava como soberana, vê Ristori que d^ponta já ra-
diosa nos horisontes da arte. Brilhante e gloriosa cadeia>^
que se perpetua, pelo influxo de uma lei providencial, &
que assegura aos que amam o talento e as suas melhores
•revelações, que os representantes d'esta dynastia ideal po-
derão interromper-se por momentos, mas não acabar. E a
historia que nol*o assevera.
Confiemos pois mais nos destinos da arte, e no progres-
so das leis que a podein fecundar, proporcionando-lhe the-
mas e reveladores das suas beliezas.
Dezembro— 1S59.
D. JOSÉ DE AUCADA. £ LBNOASTRiS
Fatal destiDo de muitos dos nossos talentos.— D. José de Almada e a noite
< de Natal.— A Sé de Lisboa, e o principio da amisade de dois escriptores.
—D. José de Almada retratado por si mesmo.— Apparece o anotorda
Prophecia.—0 Theatro Normal e as grandes ovaçdes á'e8te drama^r-O
Tisconde de Almeida Garrett applaudindò o joven poeta dramático. —
Jnizo critico da Prophecia.—k politica vem desviar o auctor dos as-
sumptos litterarios.— Novas producções dramáticas.— O redactor do C»-
ihoiico e da Nação e a aptidão complexa <lo sen talaito demonstrada no
Orador Sagrado, nos Contos sem arle e no Santo Aioslinho^-^Yifa de
D. José de Almada.
Dizem que existem quadras climatéricas para o talento :
-que assim como a natureza agenceia os mais recônditos e
fecundantes principios de germinação» para depois os osten-
tar em prodígios de eflorescencia e fructiflcaçSo em certos
períodos do anno, da mesma sorte o engenho humano, por
um phenomeno cujas leis escapam á nossa perspicácia, pa-
rece escolher varías épocas mais apropriadas a evidenciar
todas as suas potencias milagrosas.
Mas» se effectivamente occorrem d'estas quadras fadadas
para a verdadeira personificação das letras e das artes^
tanU)em haverá quadraá nefastas que» como um tufão de-
solador» vão abatendo» um por um» todos os talentos» quan-
do a aurora das esperanças risonhas ainda Ihés sorria» por-
que as crenças dos primeiros annos começavam para elles
apenas a viçar e a florir?
'■ Será isto um facto que não entre bos meros áccidentés
da, vida humana?
Creio que sim, que d'outra sorte se não pôde nem com-
LlTIKKATUnA
prehender nem explicar a fatal insistência com que a mSo-
do destino, em tão breve espaço, tem ido cortando por toda
essa phalange de mancebos illustres, que aind<i ha pouco
representavam uma grande parle da actividade intellectual
d'esta terra, e que ao presente só vivem na valia de suas-
obras, e na saudade de seus amigos t
Triste e inexplicável fado que em menos de seis annos-
tem escurecido com o crepe da morte tanto raio de luz fui-
gissima f
AlongaiKlo inibas em \cltade nós, íiSo vemos s.euSo
um lúgubre e vasto cyprestal. Alem, onde ainda ha pouco-
desferia melodiosos sons uma lyra inflorada, debruçam-se
agora as negras e melancólicas ramadas do teixo, como se
fosse a amizade ^lli ajoelhar-se a prantear curvada para a
terra uma esperança de todo perdida t Mais longe, upa co-
roa de myrtbo está substituida por mebncholica capella de
perpetnasl Quasi ao pè vè-se uma palbeta, cujo vivíssimo
colorido recordava os melhores mestres venezianos, agora
-quebradai, ug pincéis disperso^, as tintas seccas e desbota-
das, e por cima apenas algumas raras saudades desfolha-
das! Vartastapidas, alvejando em torao, mostram guanto
o affecto dos amigos ou dos parentes desejou perpetuar a
memoria d'aquellcs que lá repousam.
E quasí todos mal eslanceavam ainda agora no primeiro-
limiar da vida 1 E n3o ibes bastou, hèín a energia da moci-
dade, riem a cliamma flo talento para os robustece e ar-
mar contra as luclas da morte, antes parece que squeilas-
. duas forcas, por intensas e violentas, oS consumiram como
uma febre interiorl
Desgraçado sexiro dd talento, que; avaro de seas-lrnm-
phos, os não concede senSo a troco da perda dos alentos-
da existencial ■
E foi esta a historia 'de Soares dè Passos, do Lamáítine
.portuense; de Coelho Lousada, poeta e romaocieta; de-
Francisco Bordalo, o éiiígelo narradtír das nossas sSienis-
maritimas; de Van-Deitefs, estro apagado quando -mal co-
meçava de fulgir; de Metrass e Monteiro, esperanças da
nossa Academia de BellaS-Artes; de Harcburt e Copte-B«il,
TOcacões litterarias-já q reflorir; n'uma' palavra, fot esta a-
historia de D: José ãè 'Almada, do prosatíter naturalíssimo
e pensador sincero, em, quem o dogma religioso se 'tornava-
vivida é constante ihspiràçSolitterarial : ■
LITTERATURA 119
E aqui poderia acrescenlar ainda mais alguns nomes, tam-
bém já illuslreâ, também sympathicos, também tendo díanle
de si largas e brilhantes promessas do futuro, e queumà
sorte, mais cruel talvez que a morte rápida, afastou das le-
tras sem os afastar da rida! Mais excnirtante martyrio, pa-
ra quem o comprehènde sobretudo, e quô observa "^aquelles
esprrítos oolr'ora lúcidos, lâo activos, t9o fulgurantes, re-
voando nas azas da inspiração pelas espheras infinitas do
pensamento, e agora apalhicos, indifferentes a tudo e a to-
dos, tremendo enigma da vida que mal percebemos 'nos seus
rápidos estragos!
Mas evitemos este lamentável episodio. A esperança é a
ultima luz que se apaga no seio das trevas qiie enluctam a
existência do homem.
<Não esmoreceu ella ainda de todo no peito da amísade.
Confiemos' pois na Providencia e respeitemos os seus mys-
terios. * _.
A primeira vez que eu vi D. José de Almada foi na Sé
de Lisboa, n'um^a noite do Natal. Teria elle, quando muito,
dezesele annos, e eu dezenove. Estavam comigo alguDS ami-
gos e conversávamos todos acerca da- origem incerta da fun-
dação da nossa velha tíathedraK
A medida quer rios espraiávamos em considerações a res-
peito da antiguidade d'aquélle templo, ora auxiliados, ora
confundidos pelas meèclaá de estylo architectonico que en-
xovalham de remendos a severidade vetusta d^^aquellas pa-
redes, reparei eu que uminancebò trigueiro, de olhos gran-
des e vivíssimos se prendia singularmente a tudo que di-
zíamos. Visível tfmidéz? a tolhia porém, e contentava-se de
ouvir com summa attenção quanto descorriamos. Eu pouca
lembrança conservei de todo isto, mas D: José de Almada
sempre me ficou fallando d'este encontro, repetindo-me até
palavras do que éu dissera da controvertida historia d'a-
• Reflro-me a Lopes de Mendonça, a Lobato Pires, que a este tempo
moda existiam, e mi^ Am lastímavel todos deploramos. lambem entra
n'este numero Fontoura, mancebo talentoso, aquém a luz deraáãòse apa-
gara e a morte seguiu de perto.
Vem aqui a lembrança de Faustino Xavier de Novaes, Arnaldo Gama, Go-
mes Coelho (Júlio. Diniz), Corrêa. Caldeira, Dr. Gaio, que fizeram parte da
mocidade lilterarfa d'èstes últimos anrios, e que uma sorte cruel affastou
das leltras e da vida^ eòmo .seiesta fosse uma lei determioadâ Inesj^rAvel-
laente contra o destino. 4e muij^s d'aqueUç^ de quem nóstçdos tinbamos
tanto a esperar.
120 LITTERATURA
quelle nosso monumento. Depois nunca mais nos vimos, e
foi só, decorridos muitos annos, que nos encontramos de
novo, e doesta vez, elle, já auctor da Prophecia, e eu, seu
apreciador n'um artigo da Reforma.
Os primeiros annos de D. José de Almada encontra-os o
leitor descriptos com a sinceridade e lhaneza que formavam
a essência do seu caracter, em varias das chistosas e sin-
gelas narrativas a que elle poz o titulo de Contos sem arte.
É de um destes contos que extraio as seguintes linhas,
que esboçam, ao mesmo tempo, as alternativas da sua mo-
cidade e as linhas do seu retrato moral.
cOra eu não sou (escreve elle) nem philosopho, nem an-
«tiquario. nem poeta, nem erudito.
cAs vezes pergunto a mim próprio o que sou, e por mais
cque martele e torne a martelar, ainda o não pude descobrir.
cQual é a minha especialidade? como se diz hoje.
«Tenho tantas, que por fim de contas parece-me que não
ctenho nenhuma.
«Como rapaz de escola fui um grande mandrião.
«Apenas sabia ler bem.
«Lá disso gostava.
«Mas acabava ás vezes de ler um capitulo de Carlos Ma-
€gno, de derramar sentidas e verdadeiras lagrimas com os
«dissabores da formosa Floripes pelos seus amores com
«6uy de Borgonha, e esquivava-me depois ao criado, que
«me levava para a escola.
«Choviam as palmatoadas depois, mas ninguém podia fa-
«zer bom de mim.
«Assim eu comecei creança, muito ledor, pueril e tra-
«vesso até aos dezoito annos.
«N'esta edade começou a correr voz e fama de que. eu
«era idiota, ou quasi.
«Rebellei-me contra semelhante idéa: começo a arder no
«amor do estudo, e eis-me nas aulas de grammatica latina
«e lógica, a fazer um figurão.
«O meu mestre de rhetorica fez-me n'um exame uma pi-
«cardia.
I «Que faço eu?
» «Vou matricular-me em eloquência e poética, e dou-lhe
«um quinau na traducção da oração de Cícero pro Archia
Qipoeta. O homem esteve quasi a pedir a sua demissão por
«minha causa.
UrrERATCRA 121
cPasso ás mathematicas.
<Dá-iDe outra vez um grande ataque de mandrieira; e se
cn3o fosse a minha extrema prudência em evitar os exa-
cmes, sabe Deus o que seria feito dos meus créditos!
«Depois fíz versos a quantas Marylias, Mareias, Lelias e
«outras pessoas fabulosas encontrei no meu caminho.
«Fiz versos seis annos a fio.
«Veiu um dia (abençoado tu sejas!) em que me resolvi a
«fazer auto de fé a todas as minhas producções poéticas.
«É a resolução mais sensata, que tenho posto em pra-
«tica.
«Mas sempre a ler muito, e tudo o que se me apreseu-
«lava: romances, historia, religião, philosophia, tudo.
«Veiu-me por fim a mania de me metter a escriptor pa-
«blico.
«Pranteio o publico, pranteando-me a mim próprio!
«Porque nem eu, nem elle ganhámos muito com isto.
«Mas v3o lá tirar-me d'esla mania!
«Agora já está inveterada, já fez casa, tornou-se vicio; ô
«impossível arrancal-a.»
Não era mania, era decidida vocação litteraria, e das mais
espontâneas, que ainda eu tenho conhecido; e a prova foi
que D. José de Almada apresentou d*ahi a pouco a Prophe-
cia, a sua indubitável consag-^ação de poeta dramático. Até
então, os seus trabalhos litlerarios, ou por timidez, ou por
modéstia, não haviam ultrapassado a notoriedade do circulo
de alguns condiscípulos^ que já, todavia, lhes descubriatn
visos do talento que depois festejaram e applaudiram.
Por estes tempos publicou-se a folha politica a Nação,
cujos redactores eram da amisade e das relações partidárias
da familia de D. José de Almada. João de Lemos e Silva
Bruschy acabavam de legar honrosas lembranças á Univer-
sidade de Coimbra, concluindo a sua formatura. O bardo
inspirado da Lua de Londres fora talvez um dos que mais
de coração acudiram ás invocações do visconde de Almeida
Garrett, abrindo com o alaúde bafejado pelas inspirações da
musa peninsular um novo periodo á nossa poesia lyrica. As
tradições da velha monarchia, como o respeito das ruínas
monumentaes do passado, haviam incendido aquellas ima-
ginações, affigurando-lhe o dogma politico rodeado da au-
réola dos prestígios inseparáveis da magestade das grande-
zas abatidas e das saudades dos séculos que não voltam.
122 LnTERATDRA
Foi precedido d'esta ordem de impressões, que o man-
cebo José íttí Almotb, aliiiii ardente e propensa a todos es-
tes sen lime Cl los e idêas, conheceu João de Lemos. O mesmo
rói conhecei-o que admíral-n.
, „Tlo forte se tornou o infiiixo que ò poeta exerceu sobre
o animo do seu novo .imifín. gue o desviou da tranquilla e
incuidosa carreira ilus iilvllins, que alô então unicamente
IriJliara, e Ihe.poz na mão o eslylete' liervado da Némesis
polilica. Vm brado peta pátria, pampiíleto qué antes mos-
trava os desejos do que a solidez da doutrina partidária do
moço escriplor, foi o resultado d'esla iniciação partidária.
Mas os verdadeiros eCTeitos do trato e contacto cóín os
homens de letlras do seu partido, não tardaram muito que
D. José de Álni.ida os não raanlfeslgsse. Duas gnndes forças
fizeram de D. José de Almada jornalista: as exigências de
uma vida cortada de incertezas, e o exemplo d'aqueltes que
eUe tomara por modelo. Os seus estudos tornaram-se sé-
rios e profundos: applicou-se como o homem que malbara-
tou o tempo a divagar por atalhos è que depois quer ga-
nhar com o esforço a larga dianteira que outros lhe leva-
,\ara jâ no caminho. E venceu-a. O drama a Prophecia apre-
senla-nos a prova. Não se escrevem papinas d'aquellas sem
estudo insistente, ,e felicíssima disposição anterior, |)orque
3i> Prophecia não significa simplesmente uma obra dramati-
, ca, senão uma controvérsia philosopliica, e tomando por
thema o que a philosophía reconhece por mais gravo e dif-
fícil, a excellencia religiosa.
A historia da Propkecia constituo ura episodio curioso
da vida de D. José de Almada. Ou por dissabores immere-
■ eidos, ou por excentricidades próprias, o moço escriplor
abandonou a casa da sua familia, que era no Campo Gran-
de, e veiu para Lisboa, trazendo comsigo, por única riqueza
e esteio do futuro, algumas, moedas de prata na algibeira, e
o manuscripto da Prophecia debaixo do* braço. Assim, re-
produzindo em parle a' parábola do pobre do Evangelho,
se apresentou ao seu amigo Luiz de VáSconceltos, ' com, o
^idesignio d'este o apresentar aos actores Epiplianio ou Théo-
dorico, que então dirigiam o thealro de D. Maria !!, cons-
.tituido em sociedade. Está apresentação, porém, não se
pôde reqUsar logo. Onj^pcqbo ç^cr^ptor vin^ia jaçpqas acom-
pdoba^^ -da sua aUqu^eza^ digoa, por certo, pois nascia da
confiança que é inquestionaveloiente uma das forças virtuaes
âo.tateaiQ, m^ p^rt^.o^.Quji^Q^ nâo era ella suQiciente. Eii-
gendradores de dramas fet-vilbavam então cOfiio boje ós no-
ticiaristas. . .
O Ibeatrp aioba^va-sô bloqvea^o ppr estes dramaturgps por
atacado, que desejavam sair da chrysalída do seu anonyino
ãcíu&ta 4a paciência das j^éas e de alguns sacrifícios dos
taBpreaario^.
JNSo aeí. m e^as w^eíl^s sa levantaraníii contra P. José
.ide Alioada.1 e Ibe fizeram, 9 injuria de o tom^r^ a olbo, ppr
-ub^ d'es.tes .Cbiatterlqn^ilde; estro qbstinado. , ; .
Talvez nãoi mas. o 9pu,iiQ das suas circumstancias não lhe
ipermitliu d^loogâ^j e por isso se apresentou elle próprio
aos â^rcictor^.da sociedade, e pediu-lhes par^. lhe ouvirem
ler um dr^ma^ Em ião i)oa hpra o fez^ que a leitura foi e^-
' calada ^m mU) tconti^uâ. . priqgpio foi mais a condescen-
dMCia que IhQ.grangci^ii auditprio; ao cabo pQrém dos pri-
>meii:os actos já .os í\ppUw&o? rebentavapi 4e toií^s ais.boc-
cas, e por fim os abraços e^.os.^p^v(>^e$» va^ticioaram ao mpço
.«eriptor ,^ trHJíaplK)- da sua, peça. E tão seguro se afligu-
íd^ a.todas. a^JRiãlgi.^açqefi este triunapbo, que a sociedade
do theatro .de D. Maria. II .açriscou-se aos maiores gastos
.para leivar a drama á sfiew com o rigor histórico <e( des-
himbramenlo dost esplendores ,d'^9Vi6'(?s éppcas heróicas* E
o entbuBJaamo no pqb)iQp foi tal que um escriptor d'e$sa
época mo duvidou, de e^^cv^yj^f; .e^tas palavras^ pO. theatro
«normal acaba de .despertar do profundo letbacgo ,que por
«da» nftoo» Ibe entprpeqêjra a.vi^a. O milagre dos sete dor-
- dSieoteai repetiu-se por noai^s uma vez, etc. .
.'^•. if .— .-'v ;t^...^.. ..,;• ....,,...-.. .♦.
.. nO pnodigio fpi a olhos vistos, operou-o o sr. D. .José
. «de, Almada .e^ten^astre» auctor do drama, que acaba de
,«jaubír á scç«^a. «o tbicatf o de J). . ílarisj , JK»
E operou. E não se pôde dizer que oi^eu dranja deyeu
o/acolb«ae»tpi.aps de^lunílpr^menlos de grfPfliQsp i^^ecta-
.!calo.que..o.ireftlçAííam..i¥>rque..fqi priqcipalnaeft^e o açsfjm-
ipto^.ew; Quet a^. religião, se pcepde aos primeiro^, affecto^ da
/vida, Aijte/aUrabiu^aiiamepsidâdede e^ppcl,9|dQres que tanto
o applaudiram, e que noiJte$< repefi^as obaoiar^ íP| aiuctor
. ao pi)03«fOÍoi#Sira'Q,»fi(irQíH' d* a^plsj^p^. .«p>pgav^i (es-
124 LITTERATimA
«creveu D. José de Almada, na sua resposta á crítiòa, que
ajunton, quando imprimiu o drama) e appareci para que me
«não taxassem de descorlez.
«Appareci, porque tanto a obra como o auctor eram com-
«pletamente desconhecidos do publico.
«O meu pobre nome nenhuns serviços lilterarios o ha-
«viam feito conhecer. Cumpria apparecer para agradecer,
«mas agradecer só.
«Esses braços que se erguiam, e que saudavam o meu
«trabalho, esse grande poeta (o visconde de Almeida Gar-
«rett) que eu vi de pé, e como inclinado para a scena a
<dar-me um mais que benévolo parabém, dominando com
«a memoria viva da sua larga colheita de louros, ceifados
«sobre o mesmo campo, que eu então pisava, aquelle au-
«ditorio respeitável, composto na máxima parte de um
«grande numero dos primeiros cultores das leltras pátrias,
«tudo isto apenas o traduzia eu assim: — És moço ainda,
«1200 queremos que desanimes: a tua obra não 4 perfeita;
tíopplaudimos os teus esforços: ergue-te que nós te damos
dUm braço robusto e seguro; continua e veremos se foste ât-
€gno do favor que te dispensamos.
«Foi o que entendi. Agora se isto ainda assim é vaidade,
«confesso que a tive, mas foi sô esta. E d'esta mesma pro-
«metto corrigir-me, se me mostrarem que o é.
«O pensamento que me tomou os sentidos e a alma toda
«foi o lançar as primeiras linhas, se em tanto podesse, que
«servissem como de planta de um theatro christSo.
«Mas a Prophecia é só uma obra de fé, e foi assim, co-
«mo já disse, que o publico a acceitou.
«O publico viu-a do mesmo modo que eu a escrevi.»
A imprensa occupou-se largamente d'este primeiro tra-
balho, Quasi todos os jornaes publicaram juizos críticos.
Traslado agora para aqui parte do que então escrevi na Re-
forma, folha politica que se publicava n'aquelle tempo, e
que eu redigia com o sr. Bispo de Viseu, entSo ainda ape-
nas o cónego Alves Martins.
«São tão raras entre nós as producções litterarías de ver-
«dadeiro merecimento, que o jornalismo tíio poda deixar
cde saudar a sua apparição, com desculpável euthusiasoio»
9 sem que se dé por suspeito de mesquinha inve}$, ou de
«um indifiPerentismo reprehensivei.
«Na aurora esplendida de um talento kidubitoireli o sr.
UXTBRATDRA 125
€D* José de Almada acaba de fazer subir á sceoa, no thea-
ctro de D. Maria, a Prophecia, drama que exige esta saa-
cdacão, por que tem direito a ella. A imprensa, prestando
cbom^agem ao mancebo, que tão auspiciosamente enceta
ca carreira dramática, deve ufanar-se de ter de registar es-
cta obra na cbauceliaria das creações perduráveis, por que
ceiia é, considerada lítteraimente, um elenàento perdurável
«6 para o seu auctor um diploma authentico que lhe sanc-
cciona PS foros de homem de letras.
<A Prophecia é o impulso, e, mais que o impulso, é já
€0 modelo para a introducção de um novo género na lilte-
cratara dramática. Procurando nas edades semi-heroicas a
«acção e personagens, assumindo as proporções grandiosas
«e solemnQs da scena antiga, a obra do sr. D. José de Al-
cmada assenta o seu logar entre o drama moderno e a gra-
cvidade da tragedia clássica, ou é a tragedia em prosa, sem
.«a immolaçâo do protagonista. JDa tragedia toma a grandeza
«épica do assumpto, a elevação e heroicidade das paixões,
«a simplicidade antiga das formas, e do drama recebe a isen-
«ção do dogmatismo aristotélico e a liberdade de conce-
«pção e desenvolvimento da idéa capital. É como o élo en-
«tre o Frei huiz de 6ousa e o Polyeucte de Corneille, na hie-
crarcbia dramática: é a transição legitima do romântico pa-
«ra o clássico, participando, por conseguinte, das duas na-
cturezas.
cSabjeita aos preceitos lógicos e acceitaveis, que a escola
«moderna referendou, a sua acção é natural, sem ser com-
«mum; fácil, sem ser trivial; uníca, sem ser monótona.
cEsta acção é passada no começo da era christã, no thea-
«tro mais lamentavelmente celebre de que ainda ha memo-
«ria nos fastps. da humanidade, e n'uma das épocas mais
«solemnes e predestinadas, que recorda a historia das na-
«ções. É debaixo dos muros da cidade, que vergava áob o
«peso do maior dos crimes, o deicidio, junto da qual acam-
«pa o maior poder de então, o poder de Roma, onde o
«drama começa. £ com a conquista de Jerusalém, com a
«destruição do templo, com a realísação das predicções de
«Daniel» de Zacharias e de Isaias, que o drama Gnda.
«Para personagens d'esta acção, o auctor foi buscar o que
«havia de grande em poderio e prestigio sobre a terra. Em
«frente de Eleazar, o summo pontifice de Judá, o ancião da
«antiga lei, o representante do judaísmo, colloca Tito, o ty-
126 LITTEUA+Ctói *
apo dá longanimidade reunida a (ódo o esplendor e 6um-
«ptuosidade do imperid pagão; e^entré afeies- fat^aviilt» dois
«heroes, ambos chrislSos, trai' joi^eti gaerTfeiro>roteano e um
«escravo negro; aquelle, pàlrrcio engraíKÍêcido lô poderosa,
«preffeilo das in vencíveis legiõ&s YomaMs, estimado e- que-
«rido do Cesár, provando a excellencila da díwlpiíirfdeiJhris-
Uó, cujas verdades se radicavam já ho coraçSo liJoS' grandes
«da terra ; este, mesquinho da fortona, ludibrio das iôsti-
«tuições tyrannicas dos homens, personificando 'á iiumiida-
«de de um Deus, que deu d'ella o vértladeiro exemplo,'' nas-
«cendo n'um presépio.
o Estas três idéas de religiões distinctas^ o christíanfistoo,
«o judaísmo, o polytheisnio, conrt>alem*se, porfiam» erepel^
<flem-se. O amor, porém, symbolisado em Sara, com toda
«a effusão e intensidade de uma paixão enengii^a, generosa
«e pura, domina em roda de si, impregna -aquella atiho^
«phera do seu suave infliiicé, vibra todas ascordas da alm^,
«faz 'brotar e palpitar os mesmos afifectos; e as almas assim
«abaladas por commoç5es idênticas, os corações embrand^
«eidos por um sentimento commutó*, rendem se á evidencia
«elpifluente -e sublime d'essa rèirgíão, ique, -toda eápiritualis-
«mo, resignação, exemplo e heroicidade supplànta b paga-
«nismo material e exterior; qbe toda verdade, revelaçSo e
«prodígios dissipa até a própria cegueira do chefe das sy-
«nagogasl
«Eis o pensamento predominante do aoctor: o Iriaiôpho
«do christianismo.
«Esta idéa, arrojadamente philosophica, desenvolvera- eite
«e dramatisa-a com a consciência ç 'confiança do talento, e
«com a fé viva e fogo de eníhusiasmo de uma crença prto-
«funda. Os sentimentos* e afifectos slo apenas, como os meios
«empregados n^este vasto e ítiageíílóso edifieiD;'em cttja ea-
'«pula se ergue por fim ò symbola eterno da redempçlo.
«Um tal plano era agigantado. Sublime de stía-toloreía,
«tiníha de ser tratado na esphera própria para nada pender
«do seu vivido esplendor. Todavia, o sr. D. José de Altíia-
«da, compulsando-se cons-ciencío^anrtente, achon a ^empreza
«digna dos seus esforços, e o resultado prova, cdmo diz La-
«ihartine, que o talento suppre muitas veies oonu uma das
«suas mais excellentes faculdades, ò instincto das grandes
«conveniências, o que nem o tempo dá nem oprbpHo eSluido
«concede.
UTTERATUBA 1^7
«Cheguemo-nos mais á questão.
«A Prophecia encerra bellezas, mas 030 é isenia de de-
«feitos. O seu auctor sabe-o melhor que ninguém, je nós re-
«baixariamos a linguagem da verdade, se a entremeássemos
«de lisonja tão banal. Tratado quasi sempre na esphera phi-
«losophica, o drama é bem delineado; os seus caracteres
«principaes acham-se tragados com vigor e sustentados com
«naturalidade; a sua acção desenvolve sentimentos magna-
«nimos, affeclos nobres, expansões sublimes e espontâneas.
«Mas n'estas luctas tremendas da ternura e do amor coná
«os diversos princípios religiosos, que se guerreiam e anní-
«quillam; n'estes trances afflictivos, que o capricho da in-
«dole dramática cria, como para experimentar toda â per-
«severança das crenças de CJeto e Sara, a rasão resplande-
«ce sempre atravez dos sinistros bulcões, que a paixSo ag-
«glomera nos horisontes da existência moral dos dois aman-
«tes, e a cabeça regç constantemente o coração.
«O amor, na Prophecia, é sempre dominado, ou modifi'
«cado pela crença religiosa. Sem perder nada do arrojo de
«seus Ímpetos, o embate da diversidade das religiões, dé-
«purando-o, mais tende a sublimal-o, fazendo-o por vezes
«tocar.as raias da heroicidade. É éó pela evidencia dos pro-
«dígios, posto que esclarecidos pelo sentimento sublime que
«Cleto inspirara á filha do pontífice de Judá, que elle rece-
«be as aguas do baptismo; e da mesma sorte é quando esta
«se acha purificada pela conversão, que o esforçado prefeito
«lhe dá o nome de esposa. O próprio affecio paternal de
«Eleazar não se desvaira em presença do heroísmo dos doís
«amantes, e só depois de presenciar o complemento de to-
«das as prophecias. é que, prostrado, por terra, adora no
«Martyr do Golgolha o Promettido das nações.»
Não seguirei mais avante, porque estas linhas bastam pa-
ra dar idéa do drama. O modo porque foi recebido, collò-
cou a D. José de Almada n'uma posição litteraria de pri-
meira ordem O jornal a Nação e o CathoHco offereceram-
Ihe logo o logar de redactor. D. José de Almada acceitou
effeclivan^ente parte na collaboração doestes periódicos; mas
a sua índole litteraria, as aspirações do seu espirito, os seus
estudos de predilecção, não o levavam para a carreira po-
litica: ò seu desejo era proseguir em trabalhos exclusiva-
mente litterarios; e sobre tudo o triunipho que lhe obtive-
ra dí Prophecia incitava-o a realisar o vasto plano que coní-
12& LITTERATURA
cebeu de escrever uma serie de dramas sacros, que redu-
zissem a quadros as differentes phases porque, no decorrer
das sociedades antigas e modernas, passaram as differentes
luctas religiosos, personificando estas nos maiores vultos da
egreja grega e latina. O drama Santo Agostinho, escripto em
doze dias, foi o primeiro fructo doesta larga concepção. Pena
foi que o auclor o não publicasse, e que os estorvos da cen-
sura dramática lhe vedassem a representação. Talvez ainda
veja a luz da imprensa, e com elle sairão decerto os diver-
sos pareceres dos censores, e será para esse momento o
julgarmos quem teve rasão, se a censura dramática, com a
sua austeridade, se D. José de Almada, em não querer mu-
tilar o drama.
Depois d'esta época, D. José de Almada escreveu constan-
temente. Os jornaes a que se havia ligado roubavam-lhe as
melhores horas do trabalho, porém tudo o que podia tirar
a estes momentos o applicava a escriptos mais de sua fei-
ção; e foi doestas horas, assim aproveitadas, que vimos sair
o Casamento sipgular, a Associação na familia, a Meia do
saloio, o Jantar amargurado, o Artista, as Ambições de um
eleitor, comedias que foram representadas no theatro do
Gymnasio ; Vamos para Carriche, que fez epocha no thea-
tro das Variedades; a Lição, o Boa lingiia que ultimamente
vimos no theatro normal, producções de diversos géneros
dramáticos e intuitos philosophicos, porque o talento de
D. José de Almada offerecia a mais admirável combinação
de qualidades serias e galhofeiras. A par, por exemplo, do
Jantar amargurado, episodio cómico de immenso chiste,
encontramos logo a Associação na familia, melancholico
quadro, onde o espectador encontra uma eloquente lição dada
pelo amor do trabalho, a que serve de laço o affecto da fa-
milia ; e se nos voltarmos para outro lado, vemos ainda D.
José de Almada a escrever o Orador sagrado, magnifica
collecção de sermões que abrange, e trata as mais difliceis
theses da historia da fé christã. E depois ainda o encontrámos
a preparar-se para o Curso Superior deLettras, e simultanea-
mente a escrever romances, como o Mestre de Aviz e ou-
tros folhetins que assignava com o pseudonymo Victor, no
Jornal do Porto, bem como infinitos artigos que todos os
dias appareciam nas folhas litterarias, que solhcitavam a sua
penna, e por fim de tudo os Contos sem arte, singela collec-
ção de narrativas, que a morte lhe veiu interromper, e que
ufnouTDiu i7$
6lo um modelo de simplkidadjd. Depois d& Garrett ainãa
n3o vimos em portuguez feições mate uos3ii$, e mais sincero
6 earaclefistiico respirar em figuras trazitlasao livro.
Esles coolos resamem principaimente o iiiléresse de apro^
voitatem muitos accidentes da Ytda do auctor; porque, já em
referencias, já àté em successos e personalidades •reprodu-
zem vários dos episódios da mocidade de Dv Josóíde Almada.
mí^SèbasiiamstQ (escrevo eu no proemío.qtie fis^o livro)
i«la4ou-nos elle. as inclinações o desvarios da sua infância ;
iid D'esks ha poucos apresenta^nos o quadro áo seo viver
reciuso :e< tristonho; no Anionm Lopes e JUaria, Agostinho^
uiQ dbs .apuros da sua vida de estudanto;: na 7í<i Carriça
alardeia os seus protestos de fé politica ; no José da Costa
mostra^nos o culta que professa .a muitas iqslituicOeg» das
qoaes o camartello revolosionario: demoliu bastantes que
aão devera.»
•^'.Em^D; José de Almada encontram-so dois escriptores:
MS» inspirado pelo taIdJito:; outro» influído pelo caracter; e
entre estes dois vae a distancia que medêa da penna grave
^(iie aprofunda as questões religiosas» á penna aombe(Qira
qoe bosqueja os perfis dos nossos iypos populares. E é por
isto que um disserto críticOinosaiO' o deâniaas^im: Uma
altua de í^niança com a raslo de um pbilosoptiQ e a eievaçSo
de um poeta.
Os limites doestas duas nature&as Mtterari^s,. resumidas
Q:ttm só; homem, encontradas o leitor na Pro^/^c^^. pos
Contos sem.artà, isto é n^Amaobra da vasta concepçáo phÊ^r
losophica, e numa galeria de quadeos de costumes inspir
radas pela musa galhofeira da cemadia social. N^aquelie esiá
opsnsador, o philosopbo du cèristlanismo, appeta das cren-
ças da inEancia; atestes expânde^^se: o génio tlp^maqcebo» ro-
trata-de o estudante, partieularisa«sa o individito.
Não sei se me.quarem admittir ^críptos em qi}e o auetor
peítôa^ e outras em ^tfe não pensa s iõ^^s^t^ ^.^ Eu ifw
sisto lem ^ue os ba, o: aliontoia D. josò de Almadiicomo
exemplo de uma e outra c^sa» Ha <esciptoa que* $ão p.tra*
baibo da nossa scíeucia, a das faculdades mais, solidas da
90^st ra^o» e ha eiscriptosemque d^j&amos corror á rédea
solta os de<vaneios da imaginaçáOf É o'estes. ultima onde se
POtnata o fundo 'moral doescriptor. As Vi^g^ ^a. minha
UnOf de visconde d)S' Almeida (iUuH^^tt» signiQcaoi este go*
oero e mostra. besi« 4 possHMidadc^ida isubslstir o awtor
lOMO I 9
tal
ée um littov como aquelle, oo mesmo corpo e no mesod^
pensamento' do aoelor do CanOe».
Porém, em D. José de Almada a differença era profania.
Quem, por exemplo, ler o Ben drama Sêmía Agostinho^ as
0tía$ /ipM» do pbiloeopbía^ transcendente, as suas* calecheses^
AOS jornaes o Caibotíco e o Seeuto XlX^h» de presmnir ^e
elle era uta pensador sorumbático, caracter anstero, geiriO'
risifíMo, sempre engolphado nas cogitações profundas de ensh
ranhadas Iheses de metaphysica theoíogica, e n9oera>assim.
Tiído fsio se passava apenas na sua cabeça.. D. José de AU
mada era um rapaz folgasOo» e que passava* a nraté as-
maiofes amarguras da sua exislenca; e entre a preducçio
das^uas obnas mais gravQsei as propensSes d^aquella índole
galbofeir» dffisrecem^se até conlrastes excessivamente eorni^
eos. Por exemplo: ^a quaai semipre doliaito ^ algam ca^
ramanchSo do jardim de Carriche que elle compunha e es*^
previa os seus melhores sermões. E que sermões?! OsMr*
mões (fue fizeram a reputaçdo de muitos bons pregadoma
de Lisboa.
: Eh» quasi sempre com tirças ou comedias para o Gjmh
liasio, é Roa dos Condes que pagsfva as casas. Pqroee qu^
esta ciromnstáncía de um homem tenpor força ide residir
n'om qnarto, e este quarto ter de ser pago sem haver«dik
nheiro para isso, o deveria preoccupar e até entriaiecer*.
e tal aSo acohteeia. fira quando elle senila mais vMÍads de
galhofar, e lontade de ejaculaçlo t3o natural que produaío
ftrças como as Ambíçiões denm deitar, ú o Jantar amairgu^
rúdó, diíetosas cotnpÂi^sfções que lliztam rir as mossas pkitéa»
ás bandeiras despr^adas^ fi mk Contem «rm arte\, e%s^ es^*
pairecidia coHecçSo de esboços populoires, desenhados com
a graç4i de «m Nieolau Tolentino, como nasceram elles?
D. José vk^se n'um dos seus flreqoenles apuros, e de mie
^ Ée ba de leníbrar? De escreif«r «im trvrp, expediente qao
^ era o se» erário. Mas o assumpto? Hfkjiefa preciso asstim^
l pto. Olfcoo em roda de 'si, recordu^u^se de alguns relan^!^
^ da suaf vid^ intima, e^ o th ro ^idioií-isie feita.
( Parece mate natural qoe, n^urnra cnnfoncturaufflidtiva, á^
l teria antes^ encaminber^ee a >iiMgiffa!;lo do poeta a idear por
ahi um drama, ou uma tragedia, ^srui^Ma « sangumaría» tran
gedia, é termos A rèpp(id«idç9«y de ouir» Obalterton ntis
higubre dos que- tem piíedbiMouaeí' exbsperos do ^omant^
dsm<^ exaltado. Mas^^iâda. Slfr Dg losi de^iMtlnda as cri*
ses operavam de optra â«r<e. Sahiase d^Uas fei^pre a wmr
har^ A sorte attríbulav^-o com r^^^s&es insistentes, e eile
fazi,a á sorte a pirraça c|e nSo^ deer dos seus insultos. Até
D'isto se conbece a magni$k:a ali^a daquelle bom rapaz qw
nw> tinha azedume^ neia contra o seu destino cruel.
Todavia» nos últimos teo^pos. da sua e^^istençia, Quandoi
vieram os padecimentos physicos juntar-se aos desgostos wh
raes, e todos em) ferina conjuração o saltearam, então a4]uellíS
grande animo, q^ tanta conformidade havia sempre ivos-
trado na adversidade, sentíq-se vergar. No entanto, no Jor^
ml do PoríQ appareceram folbetins. assignados com o pseu-<
dooymo FeWor, jque enculcavam ainda os vestígios da anti*
ga alegria. Pois os derradeiros foram já escriptos com «
laz dos olhos a fugir-lhe, e para sempre, e a cabeça a es^
vair-se, e a pender-lhe sobre o peitot E comtudo, aquelle
espirito superior, que com tanta paciência e resignação sup*
portava ts eonlrariedades da sua at^ribqlada existência, re^f iu
contra esta eiiteoaação de forças. Afflrmam que Henriquf
Heine, jk parAlylico e c^» ainda nos exlremits dias da vid«
dictava sitypcfs cwtra vários poetas allem&es. Porém, e^^
ei^ergia intellectual, que até á uliima se debatia e aprovei*^
tava os expirantes alentos para fulgurar, conu) ainda lampe^
jam os denriadeiros rejkimpagos da trovoada que vae tonge,
pode bem explicar-se por uma exacerbação do espirito oq
irritação febril; e, em todo o oaso^ é um estado anornal.
Mas, em D. José de Almada, o talento cDOservoy*gíe-lbe sen)?
pre inalterável. Não era irritação ou exaceiba^ão, ara apti-
dão e espontaneidade. Dias antes de expirar escrevia elle,
não satyras, esse triste desabafo dos e.<>^piritos irriquietos e
invejosos, porém escriptos inoffensivos e de valia litleraria,
como, por exemplo, o JUe^tre de Aviz, romance histórico; os
Contos sem arte; folhetins para o Jornal do Porto; lições
de philosophia que recilava no Curso; e vários sermões avul-
sos.
Porfjm não pôde mais, e já era milagre tanto poder.
A exuberância d'esta vida intellectual abateu-lhe as for-
ças. O corpo é fraco para tamanhas luctas do espirito, e os
desgostos vieram ainda exacerbar estas grandes excitações,
aggravando-lhe a enfermidade que o matou. O sentimento
profundo de que lhe haviam feito uma injustiça, não deci-
dindo francamente o concurso a que elle fora opposilor. para
uma cadeira do Curso Superior de Lettras, «^ttribulára-o
1% liMBRATiniA
de profundâB magoas. Elle desTorroa-se' aresta MJdàtíçá; er-
gtiendo-se eomo se ergliem os homens áé talebto seguros
do' terreno qae pizam. O curso gratuito què deo nas pró-
prias salas da Academia, mostroa ben que elle seria dentro
em pouco um ornamento dò nosso magistério. Methodo,
clbreza, doutrina, lucidez na exposição, palavfafluetite, cbn-
cisaf e correcta, todos estes dotes essenciaes que qualiBcam
o engenho didáctico, elle os possuia condo poucos.
-Más aQnal não poude maisl Succumbiu, termo lastitaa-
yel-de quasi todos os homens de grande força de vida, do
espírito e do coração 1 Os revezes da adtersidade tãú são
síbiples infortúnios para estas orgánisaçOes superRnas, mas
feridas profundas, que em breves dias destroem a existen*
ciar.'
- ( •
^ Hoje, o desconhecido que deseje desfolhar algumas sau-
dades sobre o derradeiro logar onde repousaim as -cinzas do
desditoso mancebo, entre no cemitério do Alto' de S. João.
Eincima de algumas pedras irustíeors, á maneira de mc^nu-
mento celta, hastea-se umi cruz tosca: na cavidade que for-
ma: esta espécie de iappa> Vé*^ encravado um athaude : ao
lado está inclinada umâí harpa, 6 em cima uma coroa de
perpetuas.
' í âhi o logar onde descansa o cadáver de D. José de Al-
mada, o poeta christão.
* Setanbro— 186t.
I
jOAQimc emiMEsaa ookEES coelho
o Paraíso Perdido e as PupUlas dç,^. iki/or.— Addiçon decretado á Uv-
glaterra o seu primeiro poema. — O sr. Aleiandre HerculaDO e a ai^cto-
ridade de um grande nome. — O romance de costumes populares è vá-
rios moralistas' affemães, inglezes e fHinceses.— As PupiUas e os %us
perd<mi^eiiB.*^AnalyBe â'68te livra-^ Os estados e as natoraea ineiiiia-
çdf994Piti^tor.
O modo. pof que foi apreciado entre nós o livro das Pur
pillas dasr. Reitor recorda o succedído em Inglaterra com
b Paraíso Perdido. Foi já cego, e do seio das amarguras
de um retiro obscuro, onde vivia ignorado e pobre, que Milr
ton offereceu á publicidade o seu poeína, cuja idéa funda-
mental lhe despertara uma viagem em Itália. O grande poeta
só encqntroq um editor,, que Ibe deu apenas trinta libras es-
terlinas' pel^ sua obra, e o publico acolbeua desfavoravel-
jnente. .^|iltoD falieceu, passados tempos, levando de certo
comsigo paraa sepultura a triste idéa do pouco apreço dado
a uma producçl^o tão laboriosa e largamente concebida*
Decorreram, porém, Vinte annos, e um famoso artigo no
JSpectateur, escripto ppr Addison, proclamou á nação ingleza
o grande geóiQ dó cantor do Paraiso Perdido .e a maravilha
d'aquella obça^ Àddison era critico eminente e homem de
estado distinctp, duas grandes forças que não podiam dei-
MV áe influir, no animo do povo inglez. E influíram, porr
que foi então que a Inglaterra acreditou, que Milton era um
.prodigioso taleptp poético',, e o Paraiso Perdido um poema
notável.
Até abi não tinha dado por tal. Necessitou que a voz de
nm litterato illu^tre, ou antes a autoridade de um ministro
134 UTTBRATDBA
de estado lhe explicasse e exaltasse aquelle merecimento,
para depois o comprehender e se ulanar com elle. De sorte
que se pôde bem afBrmar, que a celebridade do Paraíso
Perdido, não foi acceita, mas decretada.
Triste sina do poeta, cuja obra seria sepultada e esque-
cida com elle, se não viesse uma grande competência criti-
ca bradar ás turbas: — Admirae este monumento litterariol
Orgulhae-vos com elle, povo inglez, que será o vosso poe-
ma immortat, e uma das nossas gloríAS oaciDnaest
Triste sina do poetai
E todavia, foi preciso isto!
Verdade é que depois do artigo de Addison, a Inglaterra
ficou acreditando que tinha um gi^ande poema, e que Milton
loerecía as coroas da posteridade.
Abençoada Inglaterra!
Com as Pupillas do «r. Reitor tivemos qoasi um caso aná-
logo. Se nao é um grande volo, que todos bós rdspeitaiQOs,
o livro jazeria talvez ainda por abi nas estrêâs da primeira
edição t
Narremos o caso áquelles que o ignoram.
O romance fora publicado, em folhetins^ n'om periódico
do Porto. Fosse péla sua inserção ser assim interrompida,
o que afTrouxa o interesse da obra é desvia a attençSo do
leitor, OQ porque actualmente a indifferença etn coisas litte^
rarias carece de ser combatida por fortes impulsos, o certo
è que a noticia das Pupillas nlo chegou á capital, e pense
atè qúe no Porto nSo impressionou notavelmente o publico.
Depois, o romance passou do jornal para o livro; porètti
a nova forma bibliographica continuou a deixâfl o vivera vi-
da modesta de até então. *
Não conheço o génio do auctor, mas por mais faamilde
juizo que este faça de suas forças litterarias, níão podia dei-
xar de se sentir d'esta frieza, e foi de certo tal resentimei^
to que lhe suggeriu o nobre e ao mesmo tempo Mh desfor-
ço, que foi procurar no valor e eminência d'um grande vo-
to toda a importância que poderá ter a opiniSo de um pu-
lt>lico inteiro. O romance foi dedicado e remettrdo ao sr. Ale-
xandre Herculano. O illostre escríptor, decerto tocado d*a-
quella singeleza de forma que é como o invólucro crystali-
* Note-se que este artigo foi eecripto em 1868, quando Gomes Coelho
ainda existia.
no da tn»Df linde scíeiícia d« obsenraCSo^ iM^ com 4aiba-
«íMino e esse enUiusiasnu» Iranspirott o&fãra cmi a.coioper
leocia 8 auetoffidade que poesuem sdtnpre abvitares taet4 J^
repaU(^ do livro floou feiUK « o sr. JuJío Dioie^ ou aDte$
Joaqdiíb Guilherme Gmoes Goelbo» pòrtjpie asano «e ckama
o mancebo leêerípitar, lentíu^se viiigado, porque ao, g|aci2d
«aqaecimento que pareeía esperar a obra^ seguiram-se (toaa
«ediíçQes» hoje quasi exhaualas.
Aqui temes pois a historia do Paraíso Perdiéo^ de algusi
«odo repetida entre dós. Masi» sobre lodo» com a ífoportaalie
4liflereDça« de que Miltoo foí> para á cova com a aogoslioâf
cofyvícçSlo de que o seu poeoia havia perecido antes (l'elto«
6 o auctor das Pupillas do sr. Reitor teve occaaiio de se
ooBvebcer que a timidez do pseadonymo qoe adoplára fôra
omaiínjostiça feita ao deeernimealo e bom gosto dos Jaitot
Mas, dir-nos-hlo, porque se nSo revieiou esse deeeroi^
mento e bom gosto logo que o itvro appareoeu, e.se toriuni
neoBSsario que o sr. Alexandre Herculano nos dissesse que
tia^ia alli um bom livro, para o lermos e festejarmos?
A rasio explicasse com o estado moral da época que atra*
vessamos. A curiosidade dos leitores» hoje, procura assuna*»
ptos extnaordinark)s, inculcados por títulos espectaculosos^
« recua desalentada diante de qualquer historia que lhe pa^
roça loBga, ou suspeite não possuir o attractivo das coisas
imprevistas. Essa triste enfermidade das; civilisações adiaa*
tadas também já nos contamínon. Não logramos atada to^
dos os regalos da industria moderna, mas soffremos já dos
seus resaUados moraes. Ainda ha meia dúzia de aanos abrir
mos os olhos para essas estupendas maravilhas do engenho
industrial de nossos dias, e já sentimos entorpecereiB-se^no»
aulhcnldades para a apreciação dos prodactos mais delícar
dos do espirito e da imaginação. Attrae*nos só a liiteratara
de cartaz, a litteratura dos rótulos ingentes, dos, prologou
charlatanicos; não temos paladar para a comida si e digasr
Uva dos assumptos chios e comesiahos. Pais os olhos que
calão habituados a arregalarem-se em .presença d'estes titur
los estapafúrdios: — lUstorin de cento e trinta muikerM; Ú
Ikra^ vermelho; O anno deSOÕQ; MU ê um fatOasmaê:
9dm funambulescas; Nò gordio; ús segredas do iiab0i fMi^
àeaa lá sequer enxergar o singelissimo título c^o eseriptor
portuense, Pupillas do sr. Reitor^ Chromca da Aldeia fi
* Aldeia f . . . ' Aldeia cbamam os^ .nossos cas<imlbos «a Lisboa^
emaís é a<oapílaI do neioo, e qae» pela importaBcia do seo
porto, situacio geographiea, vasta ir^ formosíssimos as*
pectos, ' figura como sexta ou seltiina oidaáe do mundo. Ora^
se eltes cbmiam «<ioleía: a Lisboa,- como haviam de lobrigar
a pobre ald«ip minbola do bom do José dqs Dornas, enera»
víki^ nos stems que -a cimait^m, volver para elia os seas
olhos espirituaes, e vêr o que por lá se passa, ainda mes»
mo q«ieosaribass)em dos^binbootos, qoe usam nos theat^os,
Ota da Isnela^ que completa a skia picaresca elegância nas
praças e salQes? Para elles, q mesquinha aldeia nSo era de
certo senSo um ponto indistincto 00 mappa das suas dtver*
89es intellectuaes*
O sr. Qomes Coelho teVe a culpa do pouco eiito do seo
livro, no cotadéçou As PupiUaíí foram publicadas, sem > om
nome que lhes auctorisasse a entrada n'este vastíssimo. sa*
ISo chamado mundo- literário. Foi um erro. O sr. Golnes
Ooelho sabe^qoeas pessoas mais qualificadas carecem de
apresentante e mestre de ceremonias^ para serem admttti-*
das ao trato da boa -sociedade. Se até' os próprios embaixa*
dores, e -mais sSo- acreditados por credenciaes junto dos
s^ranos que os esperam, se fazem annoncíar por arrotos,
6 as mais Impertigadafe personagens qne inventou a. etiqueta
palaciana, .lhes abrem pi^ça e proclam;)m a entrada!
Ora se isto acontece com embaixadores, indivíduos essen-*
ctalmente espectaculòsos, que resumem na paspalhice da soa
individualidade todas as byperboles da apresentação, como
querem que não seja preciso annuneio estrondoso a um au*
ctor que-pehi primeira vez se apresenta aos leitores, ea lei-
tores d'esties temposi de agorpt, que ou chegaram de vér o
Leotarâ, o celebre voador, ou que partem a admirar o Blon-
din, o ftNvambuio qne atravessa em corda snspén^ lO .Nia*
gira, emfim leitores f cujo espirito anda cheio de coueas^s*
pantosas, e que Mo teem tempo, nem resignação, tpara se
occupareín de«hronicas de aldeia?-
O sr. 6omes>€eeUio foi o primeiro que desconfiou de si^
porque se' occultoci por- detraz de .um pseudonynioj, e'.am
pseudonymo em llttenaiura torresponde a um doqu&õ 00
carnaval. Ouè uma ^írmça feita á curiosidade das visMs ia*
dagadoras, ^ou rèoeio<levseraik)S conhecidos. No sr. GobUô
Coelho foi f)ouoo valor.* Desconfiou, de si, e do seu traba^
lho, e não teve audácia para irrostak* com os efifeitos re-
1S7
«QltaotaB da publicidade. Vào fez bem. O pseiidonjrmo iarto
fiMtaodo. Tire d^aqui uma líçao» e» para a outra vet exUiba
bem ilor exlenso o seu nome, visto que agora já é conbeâ-
do, e> eom o oormimâo maia grando que houver nas lypogra-
phiagi
. B\eeatesae tempo possuir alguns titules litterarios, soien*
.tiâeoa/Ou.poliiicoa^ eslampeoâ a lodos por inteiro. Diga*«e
commendador doesta e d'M}oelia ordem» eoneelheiro, aocie
4e muitas academias e institutos scieotíricos, porque depois
bastam os commendadores, os cooselheiros, e oâsodoa das
acaidemias seus collegas, para lhe apregoarem o mérito e for»
marem um graode numero de. leitores,
Esiles sio os segredos da publicidade, e tambefn de ai*
gnma« reputações que por abt vemos. Gu»ta a crer que ha»>
jatti escapado >á Sna. perspicácia aQaly4ica do auctor das Puf
fitVdi».. Não. escaparam, de eerto.Mas a natural tinaidez de
um talento que participa por força de uma grande modes*
Ua de earacter, aconselhou-o a relrahir-se, quando mais cod*
vinha appacecer. F<eiizmenle« a falia foi corregidat : Houvis
um; braço poderoso que tocou com vara magica no Uvro^ e
08. leitores e^elareddos, ou, aquelies que apenas lêem por
habite* mas que. todos sabem que da bocca do nosso pri-
meiro «bisionador nao saem panegyricos banaes, aecudiram
ao brado,: a o romance do sr.. Gomes Coelho foi procurado
oom s^vioroço e lido com satisfação.
Mas. qual. é o mérito doeste livro?
. ¥oa explícalro 4X)jatbrme o enteodo.
• fla bastantes annos escrevia eu, i^ núnba liemorfa offe*
recida á: Academia. da3Soiencias, que seria benemérito das
Jetttfts todo .0. escriptoc :empenhado oa proveitosa tanôfa\die
eolligir, podasse reino^ as I^ndas^e tradições populares, para
depois^ ajustadas em episódios. ou encadeadas como parte
ekordatiFa,. servirem á. pequenos. nomauees de fazer realçar
a physiwomia e índole da nossa geouina poesia nacional. •
I ..A perspica^a de algqins. romancistas portuenses tinha já
adiviDbad/9i jazeste rano^ litterario um rico minério, cujos, veios
abqDdâ0tÍ9&imos podísriam ser explorados com acceitação, e
atóôiMe^reeimenlo por .todos os que. desejam vér a nossa lit*"
ti$ratilra,isem si liga nem fezes de influencias estranhas, i
tím^eêcurèh da tão mallogrado. escritor Coelho LouMda*
morlei m florescência da vida.iei da taieoto» desdobua im
dr'estes. quadros em que as .çren^s e abusões , da creduiida-
»
1
■
136
<de vêem tdâr ^qia e Mcfio a oôf ag^règadé 4e^^6fito • ttgi^*
láâàs dentro 4es liMífes de oitia épooai dêteminadaj QÍw
yenàifoi im bom estreado engenho nâo poder medrar m»
militei <}(ie nos protnetMa f Arco de SãM^Anmi^ do ti9coii<-
de de Almeida Garrett, e Um anno na corte, do sr. Andi^
ite Ck)rvo, e tm^bem- as^iwveHae iniilotadas Um fiMim ha
ttmmnnos e À uUifia doáa de Sa^n Ntcnlau, do sr. Arnaldo
GaiBa, de egaal sorte se aprorevtam doestas floções e iad^
vidhisúdades, como vierdadeíros elementos qoe tanto cons^-
goem imprimir eunbo portugiiez n^estes Inabalhos éa íbm^
^MiaQ^v : Na Sruxa do Monte Córdova evoca o sr . Gaflittlo
Gastelio Branco, com mão de mestre, algumas doestas enCi^
dades, que as recordações da infância tanto nos podieam.
Porém, As PupiUas d&sr. Reitor vieram agord- traçar mais
largamente um d'esses quadros, donde, como flotes siltw^
(res naeoidaâ de entre os silvados das ai|]eias, «irde» o$
eoi^ames» as figuras, as usanças e os enflorados aspedtos
da vida dos campos. É este decerto o tbeairo matd adequa*-
do^ para o desafogo da larga veia da tradição popular. Àtn^
da^ entre nós, ninguém liavia aooeitado o geriero t3o áber^*
tameute, como agora o sr. Gomes Coelho. Na Siiisea alle<»
mfi sSo abundantes estas tentativas. Na veRia Allemaiiha mui*'
tos tèem sido os romancistas e poetas empenhados ém coa**
sagrar, em seus escriptos, os costumes e o viver intimo doa
camponezes. Pestallozzi é um pintor escrupuloso da ^vidla oam<*
pestre. Na mesma época em que Vos escrevia Luii^a, com-
punha elle a soa graciosa novella de Uenhardt e Getrudes^
que reproduz, com verdadeiro attraclivo, as alegrias e lua-
goas ds existência rústica, e prega bem suavemente afs Misdo
trabalho e os poros e santos didames do lar. Johg SMKtíg^
\ o mystico e brando detaneador, que tanto subttlisa a seiva
verdadeiramente campeia de seus primeiros trabaHioa, 't
tauibem K^bel, e mais ImmermanD, José Rank, Bei^thotdo
Âcixerbach, Leopoldo Rompert^ e por fim Jeremias OoMhelf,
ou aotes Alberto Bitzius, porque Jeremias Gotlbelf è um
p^etrdonymo, completam esta collecçSo de ebgentHis preoio»
sisstmoe* peto amor desinteressado oom qtie se voiáikiápiá»
tora dos costumes dos aldeões aliemSes, ao estudo paciente
dos seus bons e mins instinctosi e sobre tudo peid desejd
de thes éer útil, desefo ardefile de tbes revolver ^ coraoli
e ftzer iabi fructificar os germens sagrados de uma A mbral
Ettt França, este exeaòrplo encontrou tateatos kttlladdres,
^=Ld
mas talentos^ apeBas. Gom rarâs excepções» a loovavel aina^
iação nio pfodíluim mais do que obras aptificíaes. As sceoa$
de Berri, de iorge Sand» são em si thi»sooro» de verdade 4
poMÍa, mas eontrafeilos pela affectaçBo do artista. Niolra^
lo das Composições de Lanurtine, aflècluosas, lyricas»- po*
rém as mais laisas que lem imaginada a chamada insfHraçIo
popular.
Já assim Q3e è a Inglaterra; essa apresenta-nos formosos
e oaturaiisstfBos modelos. Uma das melhores provi netas da
poesia ini^leza, e de certo iim dos ^eus deminios mais ca*
rMlerisÉieos» é a* variada galeria de vigários e rekores, deo*
tre os qnaes sobresae a physionomia maliciosamente attra^
dvva do vigário de Wakefield. Thompson, Penrose e William
Gowper ligam^^so estreitamente a esita familia de qae Golds*
mith traçou o ideal.
▲ nossa litteratupa também possue duas doestas apreciá-
veis personifieai^õe» no padre FroilSo, do Alf(igemÊ\ e nO
presbytero do Pãroeko dê Aldeia; de sr. Alexandre Hercu*
ianno. Betralam bem do natoral os puros; e bondosos aspe*
elos dos vettfos tempos, qoe fi nio voltam. Bem raros sSo
hoje até os itiodètos; ou, se existem, falleoem-lhes os poe^-
tas para os eneafrecerem ; e, se nio fa^lecem» úofnprazem»
86' em alterar, oovd intenção insidiosa, a pureza d^aquellas
venerandas flguras palriarebaes, iniroduzindo-lhes na bima
cândida as torbolencias e irritações do espirito moderno.
Slo antes obras de artisitas:, qoe n2o compõem para o povo,
mas qoe, aproveitando do povo os costumes, os effeitos pin«>
topescos e as feições poéticas do sen viver de todos os d)as,
testam, oem^ este oabedal» remodetpr ama IHteratura esque"*
eida ou despresada» colorindo*^ de cores de certo adversai
á súa* Índole, e nem sequer curando da ingenuidade do ca»
racter moral da obra.
Esta arguição nlo se pôde fazer ao livro do sr. Gomes
Goelbo, poslo que, diga-se a verdnde, o romance das Pu^
piièãs seja um trabalho de mera arte, analjrsado ceim rígOr
píor algum dos seus aspectos. N3e que o proposKo do ao^
clot* fosse devassar os mysterios e transes da vida provin«
dana» {lara especular com elles» porque, pelo lado moral,
nada de mais írpeprehensvvel do quiB aquella serie de qua-»
dtos, em* que ao lado do ek*ro surge logo a líçfio ai tamenie
ediácanté. S^ exemplo a scena dos jogadores na taverna^
lauee reproduaido e bem conhecido já» mas que iradu2 os
•140 uranuunnu
bem íntencioDados mCaitos do auctor, assim como o que se
passa com as mães das ^disetpgyilas de Margarida, onde a ca*
kmiDia é humilhada até aos. extremos do arr8{ieDdimeolo. O
sr. Gomes Coelho exalta, com fenfo^as virtudes do^ coração
da mulher, e os deveres do lar» à faz eomprebender a di-
gnidade da existência em iodas* as cqndiçdeft do trabattio
honrado. Todas estas qualidades estão demonstradas,, eeaiem-
plificadas nos sentimentos e actos pratíoados' por José das
Dornas, pelo cirurgião Jo3o Semana, peio. reitor, pelo mes-
mo caracter de Pedro, typo da Ihâseza e boadade provin-
ciaãa, Vé-se que estas diversas creaUiris obedeceu^ a uoia
elevada < ifispíraçâo moral. E até, diga-^e a verdade inteira,
o romance, apreciado poreste lado« rfirveia uma candura,
uma pureza de Índole» qye de certo .attnAe verdad^iras sym-
pathias ao anctor,
' E.é doesta branda 6 vi^tificadora .atmos|}hera^ que banha
todo o li^ra, de . que resulta o maisi seguro e irresistível
condão para .o. leitor se seàiir atiraidoa iél-o e relél^o, fi«
caiido^e ainda, depois a eo-existir, a peiisar,iie a tratar com
aquellas figonas AodãSy que ainda; as meaod favoírecídas pe*
los dotes de.um bom inatural, como o JôSo da Esquina, a
muíber, a beata, e outras, noaagnadam, a.eomellas. folgá-
mos, pelus XraçQs comjcos que< lhes alcigram. semblante.
Quanto á parte moral, já diase, o livno ó completo: en-
cerra exemplo e ensino« E sobre tudo, a. lição é dada sem
que se sinta a. rispidez. do im^ralista, nemacausticidadedo
pedagogo. . :
O defeito do livro è puramenie .como obra da arte. O co-
ração da mulher do. campo èjallit^dpftfâlieadD.Qsr. Gomes
Goallio esqueceu^se do coma aeotiam as pobres raparigas
da saa aldeia, e tomou por exea»plar oiíCOfação da mulher
das cidades. ■ ..
Coisa í^ingularl Nada- mais verdadeiro do que ioda a es-
tenda galeria de seus personagens comícoa^ie.nada mais ar-
( tificíal do que Margarida. le até meamo Gaval Aiquella à uma
^ baS'bleu sentimental, e esta não passa de. uma loureira, coy
mo nol-as apresentaa devassidão já. requintada das cidades.
£ porque sará,.qu0 .0 ;lapisi que<eshotKHi tão da viez^. e a
trago tão firme, os pre&9 dio(bom.'iâvrador, doiteiKleiroi, do
cirurgião^ da criada d^esile e da: beaía, aão cansni^iu a .siiar
plicidade de linhas. que< padía a naMirai». riisAiea das duas
aldeãs 1 Porque. foi o auotor Qm.vfirdadeii\^i£logartb>. quan-
UEnBBAinnu 141
ào tratou de nos oonpôr o quadro dos indivíduos caracte-
rísticos da vida é» poovioeia; e depois empregou uni estyk)
tão repintado e 4ãmM9, oomo se diz em piotura, quando
desejou surprebender e inqiiertr os segredos d'aquellas crea-
Itiras femeninaa?
P&rece«me que poderei espUearo phenonieno d'esteinodo.
A infância do; sr. Goines CoeltM) julgo ler corrido {onge
da GídadOt esi presença dos .espeolacolos grandiosos da na-
tureza, e no seio do espairecido ambiente dos trabalttes ro-
raes. N^ sei se nasceu, aldeio, mçis as tendências áq sen
coração, as predilecções do seu génio artistioo levam-no par
ra as aldeias. PercejDe-se que n^aqueUa meaioría ha -recor-
dsíções vivas, .d'eelas que só peáem nutrir e enflorar os sue-
cessos dos nossos primeiros annos^ Toda a parte descripti-
va do livro das Pi$pilla8 offereoe exfmplos disto. N2o é
um pintor tauriM qoBf embevecido pelas agruras de uns
serros alcantilados» ou pela vista aprasi^el de um casakinho
a. sair da eepeasura.da carvaHieiras oculares, se detém a
copialras, para. enriquecer o album^das suas «recordações de
viagem; é um fliho dos campos que sabe a Ustoría d'aquel«-
les montes, e ^e ois entrevê lodos povoados das reminis-
emms da soa jolTaneía^ '
Pordm, t), àldeio( ereseeQ> e lomou^se bontem; as exigên-
cias do seu futuro destino troqxei^aiín^^a és cidades* Âhi en*
eetQU estudos serioâ. Cometi o frusto da seienoia, e perdeu
a innocencia primittiva. Os eonheeimwtos pbyeíológieos ad-
quiridos pela sua profissão ^ e o seii pronunciado tatento de
laoralista, JSzerM» d'elie iaquelle^ anatomista dos homens e
das^ 001^09, q!U0 tanto i^os- encanta e assombra;
Mas.odeoionio da ánaijr£ie.crealou-*lbe as azas dos^ antigos
voos, que seriam de certo as iâmbranças innõeentes, os so-
nhos juvenis, as recoídações da ingenuidade infantil,^ onde
transluzia, como em cambiantes formosissimos, o verdadeiro
e siegek) sentir dias babitanttfs^da sua aldeia^ Depois disto
fiçou-os vendo aat^ como espícilo ofasefvador, do que co-
mo seu irmão» O.fCoraçio jáios^nâo isentiu, foi a cabeça qiie
os observou. R.o escessoda aoalyse levou-o a surpreben-
der, ou antes a crear sentimentos dó alma estranhos em
personagens, onde fora mais natural encontrar apenas os
affectos primitivos da natureza rústica. O amor de Marga- ;
I •!..'••• !
I
■ o sr. Gomes Coelho era medico. \
142
rida, prificipalfnente» loa]Di»*o eUe eomi mm grande these
da paisâo buoiaqt. A simplieidade e itiaxi^riíencía do sen*
úv aldeão rugiram dianle' do livro meiíphysíoo da Tkiorin
rim paiúDõt(!$. Cada hypelhese do sentimento (feminino tor-
noiíse motivo de uma larga dissertação. E esle abnsode
phyiosophia moral (permitta-M-me a palafvra nbmo) infibitt
Qão só tia ordem das idéas e affeclosv mat» no seu oorolltirio
immediate, na linguagem. Em gerai, as muMieres do ro-
mam^e» isto é o seotimenU). é mais regido pela cabeça dõ
que pelo coração; eo, piíra meHK)n dizer, è o auNHor qne
pensa e falta em sen nome*
Kís-aqui o grande defeito do livre. A iuiC«ralidado &sim<*
pieza daqtielle quadro pi»(;oril eao «esentialmenle alteradas
por estas dissonâncias êcienêifio&H.
R permitlam^-meHque, sem a mais <i]gfH\ra' sombra de hos-
tilidade, aponte aqui uma teve amostra^ d^te défeHo, que o
farei mais para jusiiticação dos meus repams do que por
desejos de censora^ Qu«kqiier dos lances^ em qoe faltam as
doas irmãs, serve para exemplo. Seja este, em que Marga^
rida se dirige a Clara *
«-^A minba amisade, pedes fii, e t«m fmce àemú9kí4a,
disseste? E, a não ser a ti, a quem* qoehss que eu vá dar
$€íd($ esta qinê Rem me foz nn (wrsçõo pêra éat?' Da tua
mãe i^ècebo eu a esmeta dti pão e do nin-iffô ; agradeço4b'a
e rogo a Deus por ella : atí^ dito^te mais; àevfhí^ m esmêh
da Gonsoiaçóc/ é da tmfano; por isto io esiremeço e qmro^
Clarínka. £ iu duvidai^?. .»
Dtgam-nes realmente se é crítel qite n^Mifta aMofa se fsHl
assim? Até creio qiieem poocas sMas da eidaiAe. Pt8»fece^me
antes estar aqui a reproduzir a tinguagempiegais de ooiteei-
tos e trocadilhos dos loeutorio&defreíras, oodos tempos dos
aèrostjcos, do qtae as bttas sem os (M«itn.90i escholastieos;
nem arrevesamentos gramníia4i($aes dos habitantes das serras.
4>orèm, Margarida (dir ms^hBo) sabia lér e escrever^ era
lida e applicad». Seria; nlas rt atmospbera akleS é tilo den*
sa e ctimateríca, que «té nos espíritos cuttos aotoa de om
modo especial; e por isto o (Mafeeto ^s tampos, nos seus
próprios riruumioquios e diM»$iOes, apparece-nos «empi^
vivo, pintoresco, e enei'gi^, e ae metaphèras empregadas»
colhidas directamente no espectaeolo das cousas reaes, de-
senham vigorosamente o pensamento, sem lhe fazer perder
a simplicidade. ■ '
14S
^ Ouçam agora um dialogo. 4as •doas jrmis ; da ÍDStnrida
e da que o aia éi
c*-^OIba» Glaciotia (diz Margarida^ a gente é como as flõ*
rte» que umas nascem com abre» vermelhas que alegram^
ootrascom cores escoras que enUistecem. Oika tu as ti(h
ktas £ ^à suspiros. Qu& te digam pol*qiie nasceram assim«
6 ponque» crescmio na mesma le^-ra e sendo aHtmiadm
peto me$me soL não tenm as eóres hrilkamtes da rosa.
— Bem raspoodido, sim» senhora. D*aqoi em diante bel
de <shamar-le sempre a minha violeta.
^^Oreançal E tu, Clartoha, nunca te sentes triste?
-^Tk*íate, porquê? Que tenho eu a desejar para ser. feia
de t(Klo9
--^Tena rasão. Ta... nada... elci
E assim faliam as doas aldeãs I... A lingoagem do^âSa^
Gtos é cpiasi sempre ezppe:!i8a n^eetes termos symbeiicos q
metaphysicos.
A mie de Glara, quasi » expirar, diríge*se doeste modo
a Margarida:
c-H^iGuida-^^pela primeira vez lhe deo este nome afiíictao^
so-^pordoa-me t Detês allumiêu^mé c espirito. Só agora eo»
nheço a «ninivi maldade e as tuas virtudes. Perdoa^me, mi-*
nha filha, e sé generosa até ao fim. Clara íica só; é ainda
BUiito ereaflça. Lepibra-te qnè ella é toa irmã ; aconsetha-av
e estima-a ; olha por ella. Perdoa-lhe o ser filha de. . loa
madrasta:».
Betas, fiflb ne derradeiras polavrae da velha camponesa,
DOS artigos > de morte. Seqdpvs asaoesHaas relícenciasi ea
mesa9a< Mblileia.nas ií)éas. .Vejipm se isto é possível. Nem
a sua condição rústica, nem a hora tremenda, que lhe exH
pirava n»s tidsiosi vislambram nas. «suas pbrasesv mais tee-
didas^e f^hmmalicaes d^^ue miiitos doa nossos rhetorikos
ou legifiaddresas poderam difeer.
Em gera), d Kvro. lodo participa, e rèsmte-se em «iteei**
80v das foalidades do talento do audtor. É a:peilsi|(Jk)r que
n^elte prevalece. E se estaa qualidades, alids apreciáveis ao
escríptbn-pkiloeophíco^ioo didatico, irastem -dotes notateia
ao esfcylo, popifae da soiencíadas nousas resutlaa preoislé
das idéas^ e da: preeisSo das idéas a ooncieSo e nitidez da
fóipai, no aseriptor de pomances podam pnejudicari porqm
DO romance o estyloi dtife.-ser coloridoe imaginoso, corno
oi tdfiaéos aapeotp» da naltimui,. cujatheatro àbrafa, e ta*
144
torai e iacil, como a fórÉu»^ oaractemtiea das diveiM9 atas-
ses que possam naturalmente entrar no S8u (jaadro.
É inquestionavetmeate este utn dos pontos púi' bnde o
sr«. Gotees Coelho pôde ser mais justamente eensurado.-Ha
sempre verdadeira iuddez na sua forma; porá», as mais
das vezes» é inoolor. E nos trechos descriptiyos observa-se
mais este dereito. Narra oQ disserta quaá sempre.. Oca: o ro-
mancisla deve antes piâtar do ^ftienalrrar ou dissertar. So-
bretado a dissertação é a frieza, a mòaotonia* a delilama-
ção, e estas qualidades constitaem a morte das paginas da
novella. Diante da palheta: rica de ions do.pfiator dá vida
iátima e exterior dev«m erguer«se, animadas e Odridás, to-
das as scenas traçadas pela pbantasia ou aproveitadas^^
instincto do realismo, e nas PupMas nótsi-M a falta, de va-
riedade e brilho. de eôres, que só o propvio sòl:<d<i9 cam-
pos, risonho e esplendido como a vida jda natureza;, conse-
gue aviventar na imaginação do escriplor. Sirva de eatemplo
aqoeila esfdihada, um dos mais signi^cafttros e galfiofeiros
episódios da vida agraria, que nos apparece apènas:i»Mno
um. quadro demorte-oõr. Mui tos outros folguedos, campesi-
nos^ tâo folgasões, paracteristíeoft lô poetttòâ fios/sduB ^píso-
ãi€6, bem a panto n'aqueUas localidades, deveriam ter vin*
db dar feição e imprimir cunho ao livro do sn Gomes Coe-
lho, e ficaram esquecidos. É de suppor qud enueude a falta
nas obras que devem segnir-se. O estudo e copia de bons
traslados, podem influir muito no seu espirito. E se não
fosse o receio de ferir o melindre de Caisíille Caslello Bitin-
€0, índicar-lhe-biamos, por exemplo, o quinto !casainento do
seu livro Ihze oasammtoi fetizei, que é um modelo no gé-
nero.
Ainda mais um reparo, e depois o louvor aberto ejoieiro.
Tem^se. dito, por abi^ Kfoe^ aê' PupiUom do sr*í^ik)r.tòb
um romance perfeito e acabado; e.«a entendei que bão.
Mostra -eèle a grande scieqciai dq mundo. real, queria eoca-
reoi e applaufli nò auctor, mas falleoetlbe a ÍDlvânQ|o^ Gomo
eoiiteilura, como tecido de aventoras^ é ' frouio, ioconsis*
tónie e inverosimel até. Conlo romancei, qão passaide uma
ligeira composição^ em que as tMongrOenoias! obrigariam a
fiòcbar o livro, se não fosse a ra^ slngelezai dos materiaes
apifoveitados, e ainda anisa rarissima naturalidade com que
estão dispostos, sobresaindo o elemento jocoso.
E cbamo4he ligeira compaei^rio, nBo- porque M iotenda
derem! unicamente os complicadoks lances de ezaltaçSo seiH
timeQtal os preferíveis para qóalifioar o bom riOmaace^ Qap
mesmo do centro de uma aldeia se poderiam djar, sem jn-
^erencia nem invierosimílhanoa,, porque q coração nâq.ei^
colhe tbeatro para rebentar em paixões violeqtas. Só os crí-
ticos da poética Arcádia pretendiam que os amores, | 403
campos, obedecessem ás formulas tranquillas e enQorad^^
dos id}ilios. Hoje a critica regalasse por outras. Jieis, que^Sp
sobre tudo as do gosto e do bonx. 8ienso;.e.s|o. eçâa$ j^s-
tameifte que encontram o enredo ádt^iPupims inçopsisleri*
te^:e:S^m que todavia^i^^i ealii, deiíxem de sef^notaV ai-
|[uns toques melodramáticos^ A scena de rivalidade doç. dcns
irmãos^ mas arrastada, que resullante do ,a&damenÍQ.49
acção; o quadro dos jogadores, na taberna, pass^ndo-W is^
todo u'uma aldeia certaneja do Mmbo; qs apparecia^en^os,
sempre >^ propósito, do reitor, nas situaçoeç^ cujminaptesdo
romance, quando os babitos da sua vida o deveriam reter
de certo n'outra parte, tudo isso pertence, sem contestação,
ao género, cujo intenU) é çrear interesse, ainda mesmo á
costa da lógica dos factos. A existência do desconhecido
mestre de Margarida, também podia urdir um melhor epi-
•sodio com a intriga do romaaoe; bem como é de todo in-
crível a separação permanente em que o auctor nos conser-
va a heroína de Daniel, e o esquecimento, d este des qp/e
sahin a estudos da aldeia. Nunca teria ferias este estudante?
E não seriam ellas passadas jamais na sua aldeia ?
Parece-me esta a maior dureza do livro ; e custa a cre\r
até que espirito tão fino, e analyse tão meticulosa adoptas-
sem, como principal mola do enredo, ,uma inverosimilh^M^ça
tão banal. Homero também dormia. Só assim se pôde ej^pli-
car.
Agora chegamos ao ponto, onde a penna corre á vonta-
de, porque não encontra senão motivos de elogio. Fallo da
chistosa porção de typos cómicos, que a musa popular ba-
fejou de certo. n'uma das suas horas mais fadadas. A pri-
meira, a mais completa d'e$tas physionomias é indubitavel-
mefite a do cirurgião João Semapa, tão caracteristicamente
completado, na sua intimidade domestica, pela rotunda e e^-
pivitada Qgura da boa velha Joaona, criada e governanta do
nosso facultativo de aldeia. E com q^ie tacto o auctor pol-^o
apresentai Nas lioras calmosas da refeição; e do descançp,
debaixoda torreira do sol, é que aqueUe bom velho atrjji-
TOMO I 10
' Í46 ' iMvÉStíomA
Tessd o {iovoa^, tlfò â^sènafjienbo 4a sud tarefa homanita-
riá. E âeqtie epíèddíos, tfld pecatiares e pintorescos, elle
Ibe 1)30 «emeia á visita aosf cl3e»tê6t Nlo resume só um vè^
trato, set)9o um qdaídro cétn todas as figuras ^pis^icas t
eomplementares. Olbem aquelle lavra<}or, seatado na solejra
da portá,i'a rHhar a stia latira de bacalhau^ queibe pergua-
laVse ia ini^lher iéonvaléscenie pódet^oaier uma sardinba assa-
da/que náttirátissítnò toque mio é da vida doméstrca d^aquella
gebtet G átespoista 4e MSo âáaiana, e o suspiro da mulher
lã de detítro I Õ^è Venâadeí, que ehiste <em todo isto!
' ,Jo^ "das pòrilas #ealislsl lambera uma bella persKmrficaçSò
do iK>ss6 laV^adôh iBasta õs diiosi'<]ue etlè atira aos Slbos
e criados; m oeéasiâo da esfolbátda/ para meulcar a verdade
d^aquella índole. ' .'
O èaraeler do reitor é' bem estudado e reproduzido. Ha
alif a bondade d^o eoração, alltimíada pela sciencia do ^an-
getbo. Mas áo bom do )>ad^e folta^lhe trm requisito. Faita-
Ihe o latimf. Lemí)rem-se priocipalmente de que elle é um
egresso. Não o posso admítlir, sobre tudo nas suas prati-
cas com o vetliotè do JoSo Semana, sem o texto latino, au-
nexim obrigado d^aqoellas conversações.
No tendeiro è na família x^é-^ mituratíss^imamente refere-
sentada a besbelbof ice da' provineid, que afinal é de todos
os invejosos e malévolos em povoações pequenas, e muitas
vezes também etó grandesi
N'umá paiaTrâ,^ todos estes typos sSo traçados com vigor,
«talvez atè sejam retratos fáicissiUfios de parecença. £m
toáos éllès se vê o seHq lia realWade. É, pelo menos, e^
o effeito que me prtíànieúí.
Resumindo í o iívro áò^ IHtpittes, avaliada na spa impor-
tância moral e litteraria, annuncia uma natureza enérgica,
roas bondosa, é ^oma rára^ faculdade de observador. O es-
criptor, porém, 'ainda tem alli que desprender-se das heá-
tações da$ primeira^ (entá^rvâfs^ Careoé de fôlego e amplitu-
de d e^lylp; máB a sua conòi^So dá uma alta idéa do rigor
lógico dofelento do ^udlé^í. Por ora, o meu parecer, é qae
íeraos no sr. 'Gomes Cofelh(^ uih; dos nossos primeiros nofo-
'ralistas. É de prestímir^qub o eistudo da fónma especial, e
os sribsidiòs que áegram> e o^islehiam a phaintasia, conoor-
rsím também, com 'o temfpo, para que elle venha a ser tim
dtís hosrsos mais''i)idstres romariei'^^^ No entsínto, tal qn»!
aiâDái è, ò dètt livro veio oCctípar elevado logar na nossa lít-
UmOUdDDRA I4T
leralanr, e dar ex^wpjio e iiinpttlso' a «m género de con^po-
$1içQes« que Aalzac iatitu^ou èomdi4jk kumam.
i^TOO.
fi ■■»■* ■*■■
Infelizmente tenho de fechar este estudo, conoo já fecho
oulros tfeste livro: com o necrológio. Uma phlysica adian-
tada cortou as forças a l3o amável escriplor, mas não lhe
afrouxou os impulsos do talento, que, cada vez mais vivido
6 fecundo, produziu ainda três romances, que completam
de certo a reputação do auclor. O pequeno artigo do Jor-
nal do Porto, de 13 de setembro d'este anno (1871), que
se vae lêr, dá conta da triste nova do fallecimento de Go-
mes Coelho, e de alguma sorte inteira os traços biographi-
cos que tentei contornar do retrato litterario do sympathico
auctor das Pupillas.
«Aproximam-se as tristezas do outono, e ás tristezas da natureza ajun-
t am-se as melancbolias do coração.
«0 paiz e as boas letras acabam de perder um dos seus mais estimá-
veis talentos : Joaquim Guilherme Gomes Coelho expirou esta madrugada,
á 1 hora.
«Mais que a nenhum outro jornal do paiz, ao Jornal do Porto cabe-Ihe
o dever de derramar uma lagrima de saudade sobre o tumulo do grande
romancista. Foi nas columnas do nosso diário que o auctor das Pupillas
do Sr. Reitor principiou a sua brilhante carreira litteraria.
«Era com a maior avidez que os nossos leitores seguiam os folhetins do
Jornal do Porto, quando esses folhetins publicavam as pérolas da nossa
litteratura, que se denominavam as Pupulas do Sr. Reitor, Uma familia
ingleza, e a Morgadinha dos Canaviaes.
«A providencia não quiz conceder a Gomes Coelho mais um momento
de vioa para rever as ultimas provas do seu romance : Os fidalgos da casa
mourisca. Que saudades não levaria elle do seu livro !
«Gomes Coelho não era somente romancista, era um homem de scien-
cia. Três vezes concorreu ás cadeiras da Eschola-Medica, e de três vezes o
seu talento robusto deixou um rasto fulgurante. Todos o reconheciam como
uma das primeiras capacidades d'aquelle estabelecimento scientifico.
«Como Soares de Passos, de quem foi amigo, Gomes Coelho deixa uma
lacuna difíicil de prebencher na nossa litteratura. A sua carreira litteraria
estava ainda fresca, como um dia de primavera. Que de flores que se não
perderam ! que de fructos esmagados sobre a lousa de um tumulo !
«Gomes Coelho deixou retratado o seu espirito nas paginas suaves, do-
ces, innocentes dos seus romances. Era uma alma singela como as scenas
que tão delicadamente descrevia. Observador profundo, enamorava-se do
que havia de bello na alma popular, e deixava no escuro as misérias que
enegrecem a vida. Coraprebendia que a litteratura tinha uma sacrosanta
missão, e nunca manchou a sua penna nas torpezas da comedia humana.
«Gomes Coelho ha muito que se debatia com as agonias da doença. seu
espirito era gigante, mas debalde luctava a debilidade do corpo. Os seus
^profundos e studos^ a sua assiduidade no trabalho deviam-lhe minar forço-
samente a existência. Debalde procurou na Ilha da Madeira allivio aos seus
padecimentos. Os amigos, que o viram partir da ultima vez, ficaram nutrindo
a esperança de que os ares purificados da pérola do Oceano lhe dariam
novo alento. A esperança foi liludida.
148 LIITERATinU
«Doraate a sua estada na Ilha da Maddra, Gomes Coelho conviveu com
mn tdento privilefi:iado, a quem o Jornal ao Poria deveu também os the-
souros opulentos da sua penna. Mais feliz que Francisco de Paula Mendes,
Gomes Coelho veio morrer ao solo natal, entre os amigos que lhe queriam
6 a família que tanto o estremecia etc.»
o BENEFIOIADO
FRANCIBOO RAPHÂEL DA SILVEIRA HALECÍO
L'eloquence des docteurs de TEglise
a quelque chose d'imposant, de fort, de
royal, pour ainsi parlar, et dont Tauto-
rité vous confond et vons subjugue. On
sent que leur mission vient d'en haut,
et q'i]8 enseigueut par i'ordre exprès
du Tout-Puissaut. Toutefois, au milieu
de ses inspirations, leur genie conserve
le calme et la magesté.
CHATEAUBRUND— 6renio do Chrislianismo,
O púlpito da egreja lusitana está de lucto. Já tão pobre
de vozes auctorisadas que, com o exemplo illuminado pelas
instituições do Evangelho, derramassem por entre as des*
crenças do século a semente fructiflcadora da moral cbris-^
a, agora mais pobre ficou, expirando de entre todas essas
vozes a mais eloquente e fervorosa, aquella que se animava
da austeridade dos exemplos próprios e do fogo vivo e for-
tificador da fé apostólica.
O primeiro orador sagrado de Portugal era, de certo,
actualmente, o beneficiado Francisco Raphael da Silveira Ma<-
Mo, que, ha pouco, se finou na villa de Óbidos K Com a
extincção das ordens religiosas, a escola, e, por assim di<^
zer, o seminário pratico dos pregadores tinham acabado, fi-
cando apenas um ou outro avesses evangelisadores eloquen-
tes que. davam fama das boas letras e virtudes dos seus
mosteiros e honravam a cadeira sagrada, d'ond§ proclam**
> Em 10 de novembro de iseo.
150 LTITBRATURA
vam a palavra do Evangelho. O beneficiado Malhão fora uma
rara excepção d'esla regra. O seu tyrocinio oratório não o
deveu elle á lição d'esses mestres do púlpito: com quanto
pelos annos não pertencesse á presente quadra de reacção
litteraria, pelo género da eloquência enérgica e apaixonada
que o caracterisava, pertencia á escola que baniu a meta-
physica theologica da bocca dos pregadores, animando-lhes
a palavra das grandes verdades da moral christã Nas suas
orações, a religião perdia o ardor das controvérsias» em que
muitaç ve^es ae inflamma o aelo do missioDarío, mas onde
também não poucas se exalta o espirito do fanatismo cleri-
cal. Deus e a caridade eram, se pôde dizer, o texto perma-
nente e o mais fecundo manancial das suas dissertações.
N'estes tempos modernos de conflicto reaccionário, a fe-
bre dôs partidos tem levado os seus excessos e desafogos
átè sobre o púlpito, desauctorisando-o com as invectivas que
sò podem ter cabida nas folhas controversistas da politica
militante. O beneficiado Malhão era legitimista; do fundo do
sou retiro agreste e solitário olhava com saudade para as
relíquias das antigas instítuíçdes monarchicas, que elle vira
desapparecer no tempestuoso horisonte das revoluções, e
que a seus olhos tinham por si a auctoridade dos séculos
e a magestade das tradições; como sacerdote até se repu-
tava elle n'uma quadra de aggressão e injuria para os foros
do clero é para os dogmas do catholieismo ; mas, apesar
d'i3to tudo, nunca a sua bocca foi manchada da cadeira da
verdade com esses tristes desabafos, com que o uogido do
Senhor, tornado pamphletario, despede o raio da ira das
facções do logar^ onde deveria sempre ouvirse a palavra de
paz, de amor e fraternidade. O oiro e as pérolas são assas
otmmum, mas tèão assim os íofrtoi do sábio, qm são oõmê
um vaso raro e sem preço. Estas palavras do rei SalomSo
a nenhum outro saelbor cabem do que ao finado oradofi O
paoegyrico fúnebre á memoria do conde de Barbacena, prfr*
gado em S. Vicente de Põra, em 25 de agosto de 1854, é,
de certo, uma evidente demonstração do que fica dílo. O
fidalga, cQjas virtudes se celebravam, havia sido um dos
mais auGtorisados e nobres chefes do partido legitrmista ; o
aodiiorío que enchia o templo era de todas as opiniões po-
Micas, pqrqoe a fama da eloquência do pregador tinha at^
trahido, sem distíncção, todas as classes, todas as convic-
ções e todas as intelligencias. E, no entaDtOi o iUustre pa-
Begyffista sojQlíe. dispor o quadro i^yiàsí do feltoeído eoode
MIO. verdadeira iaspèrâçio cbfistã,;e< exaltar^tlba ^ aa vir-
tude»^ ainda meâmo as do sôaaracter {politico», ^eoi ferir
nenhuma crença, nem melindre.
QnereiQ ver como elie* trilbou esle eompo» ouriçado de
iteolbos para outro qualquei? que não pci$siiiss9. a ei^riU)
fiDQ qudy no moralista — qa^ não pôde ser ouiro o boniefii
que derraúíia a semente do E;vang6ltio--re!$uo^: o primeira
dote da intelligencia ao lado das .exeeílencias d^ coração?
Querem yer? i
Quando chega á^poca eai que a adversidade viaiioa o
eonde de Barbacena, pára e m asaim)
cMast que vejo?*.. Deus qii9 condaziíra O fidalgo pelos e«s^
«miohos reclôâ da humild^e, e o soldado pelosi camnboBi
erectos da piedade, vae abrir um novo eampo á ^a virtut
«de: quer q^ue o vejamos tão gríMide na -adversidade^ como
«o viramos na fortuna. — Ao atando de Deus^ a adversida-
<de, que mora ao pé da fortuna, saiu um dia de sua.eaaaf
cdeu trea passos, bateu rijo á porta. do conde, entrou • e
fdisse-lhe : — Sabes o que são decretos de Deus? Por Ó0r
«creto d'elle venbo aqui para ke acompanhar atô á mortel»
«iN^essei dia, a fortuna voltoi^-lhe as costas,: e.dei^^ou-o a bra?
«ços eom: a adversidade.~Éi a lei do muodoí! NKo ha ptaoiai
«viçosa, qoe esta. geada não Gr£iste;> flor debicada,, que esta
fsol não murche; arvore robusiav que este furacão^ não der-
«ribe; rochedo duro^ que este raio não lasque^ .
«Quando a adversidade entrou :em oasa do condev e a forr
ctuna saiu, a virtude não se reticou.— GoBopanheira fiel no»
cdias de gloria,, d3o o desamparou nos; dias do^ infortúnio*
««r* Depois de fazer qua não se deslumbrasse com^.Qsrísaa
cé» prosperidiade^í fe£ qge nãoi sqcci]iiit>is&e coott o^ reveaes»
cda desgraça.-— Âjudou-o a ser feliz com sabedíoria,; ajudottrOi
«a ser desgraçado com valor.
«:fiste campo, conifesso-o, para o ijlustre finado esiá ma-
«tisado de flores, mas para o orad<j>r está. coberto, de espir<
fjiboft.— Apresenta flores det aUo preço,..tnas diffieeis deeoi
«Ibei; a de um. aroma que só* pôde aen jtts^atiiente apneeiada
cfHor um soBtido fifiO. — E deyerèi eu> deixadas morrer oa.
««bscuridade, onde foraiú tão diligentemente. cultivadas?
f Nio ^ irei com eautella por causa: dos âspinhoaií masi bei^
«colhel-as, e até espero fazel-as amar. — Só peço diiâa.coiii^
fâaa;iboBa ufio do.espií^ftQeiido.oova^^ú;. : : : .
1&I2 LlfTÉRATORA
«Cdda xittí ée võs stíbe o qa6;s3o conTÍcções (nio traíte-*
cttiòs agora de áprecidr o vator d*ellas); as boas, louvam-
éé&; tu rum, lametitam-se ; idsqUo não se faz a neDbama,
tetc.»
Se pôde haver mais delicada maneira de tratar nm^iís-
stimpto difficilf Gotn que siimplicidade antiga nio exprime
aqui a palavt^ do pregador todas as idéas, que deveram de
9€ír os dictameâ do catecismo philosophico de todos od par-
tidos; por^e Sião vá*dades eternas ?
Nunca leio este bello sermão que me não lembre do ef-
feito que produziu ém todos ^ue o ouviram, uo mosleira de
S. Vicente de Fora. Uma parte do auditório era á primeira
Té^ que io^viá ò beneficiado Malhão. Muitos atè nem ò co-
tíheciafiâ. Eu' era um d'estes« Oiiand<i) o venerando sacer-^
dote atravessou a nave do cruzeiro, para subir ao púlpito,
um sussurh), em que a veneração e a sympathia se tor-
naram 06 sentimentos predominantes, fluctuou por toda a
egfreja. • i
O padre Malhão, a este tempo, já contava mais de ses«
senta àtirios, e os cabellos brancos, como flocos dè neve,
oddêavami-ihê em roda da fronte. De estatura elevadd, de
um porte grave, doestes que, ennobrecendo as maneiras, ki-
mmfam a todos 'naturalmente o respeito, e com ^umaex prés-
sSo de semblante sdave, radiosa, expansiva, (|ú6 era ao
mesmo tempo a luz serena do génio resplandecendo no seio
das convicções do caracter verdadeiramente apostólico, a
impressão í que causou em todos a vista doeste homem' ve-
nerável, que — como elle mesmo diz-^ vinha da solidUo t&á-
vidado pélw amisade a homar a virtude^ foi uma ímpr6s-
lâo como^ se víssemos re^urgir das trevas do pa»sad(){ tmi
â'esses padres da egreja primitiva^ :em cuja palavra e vr*
Iodes o christiénibmo teve os seus primeiros atbietas e M^ah-
gelisadores.
iXíiKifída isurdiu no púlpito, esta idèa completou-se ainda
HlQis; Aquèlla cabeça, qilie apresentava os lineamentos (cor-
recto^ 'O suaves das cabeças bíblicas de Raphael, trazia é
lembrança os Gbrisogtomos e os Ba^ilios, e a mitra d*estes
antiffos patriardhas,' traçada pela imaginação dos «spectado*
res< enHiUgiiasniados, comoíque vinha cíngir-«lhe a fronte como
QÉi > oomnlemento de tão acabado e admirável conspecto
apostólico. '.
E foMhe offerecida esta mitra por varias veMs;' mas a
UTTERATURA ^ 153
isenção d^aquella alma desapegada das honras e attenções
do mundo, nem consentia que a proposta se tornasse for-
mal. Era no seu retiro humilde, longe da cidade, com a
vista alpestre das penhas, onde se occultava com os seus li-
vros e passava uma parte do dia a estudar e a orar, que
elle se queria unicamente. Santo Agostinho diz na Cidade
de Dem, que a alma contemplativa forma por si própria uma
solidão, e a ninguém melhor do que ao padre Malhão ca-
bem estas palavras, porque aquelie espirito, que a religião
e a poesia, esta outra religião do sentimento, elevavam na
contemplação das perspectivas da natureza, recebendo d'el-
las as suas inspirações, os seus effluvios e as suas sublimi-
dades^ nada mais desejava, nem mais a seu gosto se sentia
do que quando se podia entregar a estas meditações. Antes
de o saltear a enfermidade que o levou á sepultura, um pas-
seio pela serra, dois ou três livros na mão, alguns fructos
para um repasto ao cabo das horas de estudo, era todo o
seu viver.
Foi n'esta solidão contemplativa, mas tão povoada de bel-
lezas para elle, quç o foi encontrar aquella bella poesia do
sr. Mendes Leal, que, passando por Óbidos n'uma occasião
em que se dirigia ao norte do reino, não quiz atravessar
aquelles sitios sem saudar na sua Tebaida o poeta e o sa-
cerdote.
O magnifico poemeto com que o padre Malhão respondeu
aos versos do sr. Mendes Leal, servindo-se dos mesmos
rhythmos e das mesmas rimas, é uma prova eloquente de
que aquelie espirito, que pertencia a uma familia de poetas,
Dão envelhecia, antes se acrisolava e inflammava nos exta-
sis das suas cogitações solitárias.
Aqui as damos á estampa a ambas, porque formam um
apreciável certamíe de sentimentos generosos e nobres e ele-
vadas inspirações poéticas, que muito ex^Uam os dois va-
tes, e em que não é fácil decidir quem mereceu a palma,
se o illustre dramaturgo se o afamado pregador.
Foi doesta sorte que o sr. Mendes Leal se dirigiu ao ins-
pirado cenobita de Óbidos.
Ao mavioso cantor, illustre herdeiro
D'mna esplendida lyra,
Sauda curvo e humilde um forasteiro
Que respeitoso o admira l
154 UTTERATTmA
Tu excitas o transporte,
Eu sou simples trovaei^r;
Mas fe^-nos irmãos a sorte
Que nos deu o mesmo amof :
Seix4 pois que o peregrií^a,
Bemdizendo o seu destiao,
Teus umbraes logre passar :
O rico ao cobre eousoia;
Do teu espirito a esmpJa» ,
Como poBre, vou buscar.
Salyè, nobre cultor de um nome illustre,
Siue de louros revestes ;
as, sobre as glorias do passado,
Às palmas em cyprestes!
Alem do valle e do monte
Teu canto n*alma senti;
Cuidei que era Anacreonte»
Julguei gue ouvia Pamy :
Via-te a fronte elevada^
Tocar nos céos, inspirada:
Vi-te explorar, grave e só,
Essas ruinas tamanhas *
E, como o rei das montanhas,
Bradar-lhes : Erguei-vos, pó!
Foi teu berpò, é teu leito (oh! que hag de amal-o!)
A veiga florescente:
O monarcha da serra é teu vassallo,
£ Deus teu confidente!
Quantas vezes, inclinado
Sos partidos bastiões,
Terás tu interrogado
Segredos das gerações?
£, quantas mais, «scutando
O sueste, sussurando
Pelos rendados maineis,
Terás chamado á memoria
Vinte séculos de gloria,
E oitenta raças de reis !
Ohl que beilo ha de ser, em pé, na cdsta
Das torres seculares,
N'um relance, abraçar, cingir co'a Vista
O campo, o (Mão e os mares 1
Alvos lyrios ao poeta
Quede.eoisas nao dirão I •
Sue brando affecto a violeta!
ue negra magna o chorão !
Coroo as névoas matutinas
Sobre o cálix das boninas
Mil diamantes irão pôr,
Tomando d'esta maneira
Uma estrella cada flor! '
* As ruinas do antigo caslellade Obiflof.
IJTTBRATURA iS^S
Tu indagas do tmnuio os segredos
E com elles discorres,
Quando ao luar vacillam nos rochedos
Ás arestas das torres!
•
N'essa hora de mysterios
E de vago meditar,
Vida e morte dos impérios
Vaes na pedra decifrar.
E se, farto já de estragos,
Ergues o rosto aos afagos
Da nocturna viração,
Vaes findar, com a voz. que encanta
Nas endexas uma planta,
 historia de uma nação.
Tu disfhictas e intendes, tu revellas
Essas magicas scenas.
Tu nasceste e criaste-te com elias;
São as tuas camenas!
As magestosas ameias
Dos fragosos alcantis,
E as planuras, todas cheias
De topasios e rubis :
Ora o collosso na altura;
Ora o arroio, que murmura;
Ora ne^os os portaes
Pelas cinzas dos Fronteiros,
Ora os plácidos outeiros
Âljofrados de crystaes;
Tudo isto é teu, e assim a rocha austera,
Como o campo esmaltado
Deu-t'o o génio do ermo: é teu: impera
No que o génio te ha dado. »
Teu espirito domina
Sobre os rotos coruchéus;
E das esm'raldas da campina
Se arremessa livre aos céus:
Quem tal gosa, e tanto sente
No passado e no presente
Pódfe acaso de um mortsd
Attender o voto insano?
Pôde: um vate é sempre humano
Mesmo n'esse pedestal.
Quinta do Jardim junto a Óbidos,
25 de novembro de 1847.
Mendes Lbal.
Agora a resposta do beneficiado MaMo.
Avulta muito mais que ser herdeiro
D'alguma iiiustre lyra,
Greal-a. como fez o forasteiro
Que a pátria assombra, e admira
156 UTTERATURA
O mundo lê com transporte
Bellezas do trovador :
Não somos eguaes na sorte,
Se temos o mesmo amor.
Porém, venha o peregrino
Adoçar o meu destino
O tempo que aqui passar :
Suem os enfermos consola,
ão lhes dá pequena esmola.
Vem trazer, não vem buscar.
Ó tu, que a poesia tens honrado,
E fecundo a revestes
Das gallas do presente e do passado
De rosaes e cyprestes :
Tu és o Albano do monte
Pelo arrabil que senti,
És o lu;zo Anacreonte,
Vences o gallo Parny :
Pôde tua alma elevada,
Essa voz sempre inspirada
Recrear o mundo só.
Com faculdades tamanhas
De cima d'essas montanhas,
Que vês tu? mesquinho pó.
Quem pôde conhecel-o, e não amal-o,
Esse génio virente I
Do rei da lyra és ínclito vassallo:
Que disse? E's confidente.
Inda joven, inclinado
A valentes bastiões,
Também tens interrogado
Arcanos das gerações.
• E o pensamento escutando.
Que n'alma vae susurrando
Ao descer, junto aos maineis.
Te diz juizo e memoria
—De que serve humana gloria?
Acabam povos e reis !
Vô mais do que se vê aqui da crista
De muros seculares
Quem tem os çrandes quadros sempre á vista
Da que já regeu mares.
Esses quadros ao poeta
Maiores coisas dirão,
Do que dizem a violeta,
E o dobradiço chorão,
Ou as névoas matutinas,
E as delicadas boninas.
Onde o orvalho se vem pôr.
£ sempre humilde e maneira
A inspu^ação da balseira,
£ da campesina flor.
LITTER ATURA 157
Da linguagem conheces os segredos:
Quando falias, discorres.
Após ti, como Orpheu, levas rochedos,
Feras, arvores, torres.
A natureza os mysterlos
Não veda ao teu meditar,
De seus três vastos impérios
Ousas tudo decifrar.
E's grande, pintando estragos;
Tomando a voz dos affagos^
Lisongeira viração :
Brilhas, delicada planta,
No solo d'esta nação.
De Racine, de Dumas tu revellas
Aprimoradas scenas.
Um renome immortal ganhas com ellas,
£ são tuas camenas.
AlU levantas ameias
E figuras alcantis,
£ apresentas fadas cheiaã
De lopasios e rubis ;
Torreões de immensa altura,
Doce rio que murmura,
Já carcomidos portaes.
Fieis, valentes Fronteiros,
Gastellos sobre oiteiros,
^'os rios puros cristaes.
Alli, com voz suave, e voz austera,
A si próprio esmaltado,
Se tem— como em conquista, onde impera^
Génio que o céo te ha dado.
Alli manda, alli domina
Sobre altivos coruchéus;
Alli bafos de campma,
Alli tem sopro dos céus :
E quem seus eíTeitos sente,
E as vivas scenas pressente,
O julga mais gue mortal.
Mas ah! perdão! Quiz, insano,
Pôr um génio mais que humano
Sobre frágil pedestal.
Ao bardo, a quem o céo dô nobre herdeiro
De tão suave lyra,
Offerece o seu lar de forasteiro
Quem o respeita e admira.
29 de dezembro de 1847.
Malhão.
O beneficiado Malhão deixou uma irmS^ respeitável se-
nhora também edosa, e afirmam que algumas obras ma-
156 UTTERATURA
nuscriptas : é um legado de summa e immensa responsabi-
lidade para todos nós. Âs obras n9o devem ficar no esque-
cimento, 6 a irmã não a podemos entregar ao desamparo.
O governo não deve deixar de olhar pela conservação d'este
precioso espolio do venerando sacerdote, que só pôde legar
a pobreza á sua família, mas que deixou a opulência das
suas virtudes ao clero portuguez, e a fama de uma palavra
eloquente e inspirada ao púlpito da egreja lusitana.
Novembro— 1860.
]unfnin>o Airromo buu£í:o pato
Qassiflcações arbitrarias da crifíca. —Alfredo de Yigny e a poesia Mira.
^Macias e Benmrdim RibeíTO e o verdadeiro sentimento poético da pe-
xunsuia prelwliada pelos arãl)es e trovadores provençaes.— Bolhão Pato
representante d'esta família, como Thomaz Ribeiro e João de Lemos.—
Analogias nas soas composições.— iá convcUecerUe no oulonOj Bétena^
Visão do baile. — O espirito inquieto da época influindo no talento do
poeta.— A Zeíia.— RetomO' ás primitivas e nativas isspirações.
A critica tasnbem tem as soas aberrações e as 3uas sym-
patbias, e em o numero d^aquellas âeve de certo eotrar a
facilidade com que ella appellidou a poesia de BuIbao.Pato
poesia loura. Se, á maneira do que Saiole-Beuve escreveu,
trataàdo de Alfredo de Vigaj, desejam expriíiaJr na pbrase
poesia hnura a poesia pi^ra^ entbusiasta» cândida, a poesia
íDgenoa e de expansivos e singelos affectos, talvez que o
epjtbeto aao seja de todo descabido no poetar do sincero e
apaixonado cantor; mas agora> se poesia loura querem que
seja a poesia de indole buliçosa, doudejante, infantil^ tra-
vessa, embora de simples e descuidosos devaneios» D'esse
easo a qualificação não è de todo verdadeira, porque o au-
€Íor da CmvaksceMe no ouiomno, da Helena^ da Visão do
òaUci € de outros ítaotos poemetos inspirados pelo amor e
pela saudade, é^um*. poeta intimo« affectuoso, melanchoUco^
«lègiaco até.e ourja candura de alma âiesaffoga em* ardentes
<eôuav6s estropbes de sentimento lyrico.
Nem tão pouco tme parece completa, e ainda meâos apro-
160 LITTERATURA
ximada a similbança dos instinclos poéticos de Bulhão Pato
com o género de talento de Alfredo de Musset; ha evidente
differença nas inspirações que mais habitualmente ínflammam
o estro dos dois cantores, e de certo maior differença nos
caminhos que seguem, nos aspectos naturaes com que sym-
pathisam, e nos affectos que lhes accendem o coração e a
phantasia.
Nada mais diíQcil do que fazer classificações, e todavia, a
critica abalança-se muitas vezes a este arbítrio, separando,
analysando e qualificando o talento de qualquer escriptor
por espécies e famílias, como o poderá fazer qualquer bo-
tânico, tratando-se de famílias de plantas. D istp segue-se
mais de um Linneu ter naufragado no empenho de simi-
Ihantes divisões scientíQcas, por que realmente ha grande
distancia entre pôr uma etiqueta sobre este arbusto eaquella
flor, ou collocal-a sobre um poeta ou um prosador.
Que, no nosso caso, a analyse e a divisão estão feitas.
O talento de Alfredo de Musset apresenta um mi&to de By-
ron e Sterne, em quanto que Bulhão Pato pertence á sen-
timental e me.lancholica estirpe de almas apaixonadas, que
em França tem por irmãos mad. de Yalmore e mad. Tastu,
e que entre nós se apresenta como a expressão da verda-
deira Índole da poesia peninsular. E se não fosse a anciã,
que sempre houve entre nós, e muito mais nestes nossos
tempos de fáceis e desejadas aclimações estrangeiras, de ir
procurar fora aproximações d'estas, como se este baptismo
estranho se tornasse indispensável á consagração dos nos-
sos engenhos, se não fosse esta anciã, repetimos, facit seria
encontrar, mesmo no parnaso portuguez, os congénitos e
os illustres ascendentes da linhagem poética de Bulhão Pato.
Analysando-lhe e seguindo com a vista a veia poética, que
ora se derrama em tranquíllos e cr}'stalinos meandros, por
éntré balseiras perfumadas, que, attrahidas pelo suavissimo
sussurro do gracioso arroio, vem remírar-se na corrente 6
beijar-Uie as aguas; ora correndo mais apressada e espa-
mosa se esconde em grutas, onde o amor depositara seus
mysterios ; ora volvendo atraz e enredando-se na selva, (im-
para com uma gentil serrana, e ahi se demora em límpidos
rodeios, como se tão seductor aspecto lhe immobilisara o
nativo impulso; analysando e seguindo com os olhos todbs
estes caprichosos gyros, quem não comprehende que a alma
do poeta se anima de todos os sentimentos que o contacto
LITTSaáTimA 101
da formosura inflamma, e os diversos aspectos da natureza
idealísam» e qup daqui sáe aquelle composto de lyrismo
suave e affectuoso, que umas vezes toma as formas bucóli-
cas, outras arde nos Ímpetos eróticos, outras emfim pro-
cura 08 tons meigos e penetrantes da elegia» composta s^m-
pathico e mavioso de que o nosso desditoso Macias é já o
precursor, ainda que mal defíiiidov e Bernardim Ribeiro a
nossa mais perfeita e gloriosa personificaçlk)?:!
Quem nSo comprehende esta indole e esto parentesco ?!
E do poeta das Saudades que descende em linba recta o
auctor da Helena. Até ha incontestáveis pontos de analogia
«Dtre muitos dos sentimentos, inspirações o até entre a pró-
pria concepção poética dos dois trovadores E trovador eha*-
marei a Bulhão Pato, porque elle, como João de Lemos, e
como Thomaz Ribeiro, e talvez mais do que o primeiro, e
tanto como o segundo, signifíca um dos naturalissimos fi-
lhos doesta família peninsular. Na sua e:>trca o mostrou elle
logo, na Revista Universal, Foi juislamente a ingenuidade,
o gracioso desalinho d^aquella musa que, para se mostrar,
nem procurava as pompas das metaphoras de Victor Hugo,
nem os embevecimentos contemplativos de Lamartine, attra-
biu a attenção e ^ympathia de todos. Quando a maAw parte
dos nossos^ mancebos corriam azafutmados.a jurar bandeiras
nas hostes gloriosas dos grandes mestres francezes, BulbiO
Pato parecia só querer evocar do primeira e mais nilivo
p^iodo da ipossa poesia aquella singeleza, aquella candura
de affectos, aquella profunda edotorida saudade, que os
cantores provençaes nos trouxeram, e que os poetas ivabes
DOS deixaram e,que ãcou sendo a manifestação da nossa io-
dote poetii^*
É lesie o caracter ^a poesia peninsiulaf ^ e ninguém, como
Bulhão Pato» a uão ser o auctor do D. Jaymei a sent6< e re-
vela, «melhor. Nos mesmos verso$ emi\m parece affastarrse
um pouco da natureza dos assumptos mais predilectos do
aiaude antigo, n'esses mesmos respira. a simplicidade, os
affaetos. tranquillo3« o. tom da suave e intima tristeza» qo^
4ão o S6U característico. Na Falha desbotada diz, por exem-
plo o poeta:
• ' ''
. «l... ÉesttBaexiateDoia \
k tua estreiia dç amor!
De amor puro, intenso, ardente,
Maa que, opciuto eternamente,
TOMO 1 li
1G2 LftTERATtnU
If O meu peito acará ! ': '
Que, uo infortúnio nascido, .
Só conimigò tem vivido y
E commigo morrerá.
: Não será esta a ingenuidade, o affecto tocamie e singelo,
a mesma aiifeencia de artifícios de estylo dos trovadores?!.
Até as repetições âo mesmo penssnnenlo no trocadilho fi-
naU uma dàs soas formulas mais usadas e caracteristicas.
E D'«sta estrophe da poesia qde o auctor intitula voUas,
não encontraremos nós da mesma sorte a própria maneira
bucólica de Bernardim Ribeiro, a ponto de nt^sphreoer estar
leDdo (á parte a dífTerença do progresso littérario das duas
eâades) algumas das egiogas do auctor da Mmim e Moça?
« * * ■
. ' ' ' ■ . • * ' •
^ Agora entre as oiítras flores
; ,. . Correm uns oertos fumores....
Quaes são, não sei ; mas ouvi
Que as mais belfas da campina ' '
(Por quem és tão inyejada), • \
Quando hoje chamam por ti.
Dizem— rosa namorada,
à não ^ rosa pocpurina.
Nlestes versos ha a graça do idyllío junto ao perfume
8ua?e da egloga: é Rodrigues Lobo e Bernarâes ao mesmo
tempo.
Mas quem* me vir tão escrupuloso a inquirir assim a ori-
gem e progénie poética de Bolhão Pato, talvez presuma que
elte faz consistir seus tithlos de Qdalguia litteraria em ser
perfitbado n'esta ou n'aquelkx eschola, e que* 'eu por lison-
jear a vaidade do poeta» a mais feminil eHieticolosa de to»
das as vaidades, me dei a esta tarefa de investigação de li-
nhôgensi desentranha^ído do cadoz dos pergaminhos da ar-
dieologia litteraria os seus àttestados de filiação. ' Pois se
cuidam Isto; cuidam mali Bulhão Pato nonca'pensouom es-
folai poéticas, e é justamente doesta' isenção de pensamen-
tos que lhe resulta a liberdade que desde os prihieiros an-
fi03 incoteara a individualidade do seb engenho. Bulhão- Pato
cantaoomo o rooxmol trina, ôonío a rèia geme^ como a an-
dorinha pipilla, sem outra mira. nem intuito senão o desa^
bafo dos Ímpetos que lhe agitam a alma, sem outro auxilio
mais do que a nota espontânea e natural. Ê um poeta in-
tuitivo, affectuoso e expansivo, e tão faciiem derramar la-
grimas e mover-se a todos os transportes, tão debatidD e
uraRAiURA 16S
envergado pelos ventos da paixSo, t3o inspirado pelos aba-
los Íntimos, tão estranho a escholas e arlificios da arte, que
lendo-o, e, ainda mais, ouvíndo-o recitar os seas próprios
versos com a veljemenòia e admirável naturalidade com^iae
elle o& recita, to^na-se impossível não eoDSíderar a poesia
como ifidependeAte de todo o flm convencional, e- deixar de
ver D'elia o simples dom do poeta chorar, oompadetiBrtmi
exaltar as suas angustias, envolvendo na melodia o seo spf»
frimento. E é por isto que pertence, nio- lintetacionataneiilei
mas pela organisação do seu ser poético, á mesma família
de cantores naturaes e espont?ineos que, çm combinações
rbythmicas de extrema singeleza, acol^^ni por únicas inspi-
rações a natureza, a gloria e o amor.
Nao confundam, todavia, a naturalidade d'este talento com
a ligeireza que possa resultar de uma imaginação fácil, por-
que Bulhão Pato é d'aquellas organisações em que seria até
impossível separar o talento da sensibíUdade, e que, por
um admirável accõrdo moral, e grande fundo de pathetico»
nunca se apresenta deveras poeta, senão qtiando é amante
ou vivamente impressionado. A sua faculdade poética liga-se
á paixão, como o echo á vaga, e como a v^ga ao lago soli-
tário.
Ma pauvre lyre, c'est mon âme !
Pôde âi2er o poeta, e n'este verso resumirá 9 eseebcia At
sua inspiração profunda e melancholica, mas aoattiaio teiftjMi
espontânea e desartíQciosa. E isto explica-se. Foi no embate
das contrariedades da vida, em lucta com as paixões, em-
bora juvenis, porém sempre ardentes e acerbas, que o co-
ração do mancebo modelou os seus solqço^,;S^m outro mes-
tre senão a voz secreta da sua dôr. A lyra de Bulhão Pato
nasceu uma lyra harmoniosa, mas uma lyra aSnada pelos
insinuantes accordes da angustia. E qijiem foi que no pri-
meiro dedilhar lhe arrancou logo accentos tão penetrantes
e doloridos? Que ingratidão ou que infortúnio lhe misturou
com innocentes amores os ais carpidos da saudade que se
lastima, ainda no limiar da. vida, como Milieveye ou Soares
de Passos? Talvez nos seguintes versos achetnos parte d'este
segredo.
Esvaeceu-se então oompletamenote • '
 meus olhos o anjo da candort,
Das commoções diyinaS) da virtude,
E achei-me só, perdido, faíce a face
164 hvtastiktmjí
. ' . i '. . < Ante o âeoiDiiio das paixões terrestceaJ
, Déi-ibe. a mão, e senu n'um paroxismo
i ' • < ' De desejo e de amor, fagir a vida.
<"<
Amargaá detíllusfies enchem a vida do poeta, umas ver^
dadenras, oafafas agravadas pela ardência da sua imagioa^o
apaixonada. E n^este primeiro poemeto da Lelia estão re^
Bomtdosl oâiinystaríos da alma do affectuoso cantor. É na»
tiRpaosSes deiírantes de um aGíecto cândido, que desabroxa
este aibor: <É$^ minha, diz o poeta,
«És mfaiha: do céo proveio
O poder que a li me prende,
Vtts èhrerso fogo accende
teu e meu coração :
. . Tu no mundo és a innocencia;
Eu sou na terra a poesia;
Tu dês-rae a toa alegria;
Eu dou4e a minlia paixão 1
' bòti^-te as somtras da tristeza,
, ' . Qi» acertam sobre leu rosto»
Como as sombras do sol posto
2 ia rosa agreste do vai.
ecebes irum mei^o abraço
Meu profundo sentimento,'
£ dás-me o contentamento
Do teu seio virginal.»
Mas a aurora doeste amor depressa se annuvia de nuvens
de trísteia, porque logo depois o coração, feridoí da iogra^
tkiao,' exdama :
guando a razão voilou, como o murmúrio
á fresca viração da primavera,
.0 sopro perfumado de seus lábios
' . V^ba af{agar-me docemente a fronte.
< ' * Os anileis io cabello ondado e negrov
. , ' EspiKlgindo-se avaros procuravam
Occuitar-me da vista aquelie seio.
: lÉipatciente os affasto, devorando
. Ifum beijo, em mil» am mundo de delicias,
OU! como então no peito me pulava
Ò coração vaidoso e tríumphante ! ' '
Noí langúiâd quebranto que socoede
io febril desvario dos sentidos^
JuIia estava a meu lado: amortecida,
Por entre a densa rama das pestanas,
Partia a luz das languidas pupilias.
Desmaiárft de amor a rosa esfilendida;
E voltava de novo áouella face
A pallidez do iTrio das campinas.
LimHATinui 185
Abatida e indolente, erguera â fropte;
Caminhámos os do^ para aianetta:
Os primeiros ctarõeB da madr ligada
Vinham rompendo ]á lio l^ímainento.
Chegava, emtlm, a hora; era forçoso
Dizer adevd á seductora ima^in !
Que formosos versos! Como a paixão, pQogída ligeira-
mente pelo espinho do remorso, desafoga n'estas ardentes
estrophes, qae um attraclivo de melancolia torna mais insi-
nuantes I
Não resisto á tentação de ainda trasladar para aqui mais
uma parte d'esta' c&mposiçâo. Agora o espirito diabólico»
depois de haver apparecido ao poeta, e empsabado em per»
der Lelia, fallalhe do seguinte modo :
— «Um sacerdote ancião, que além habUa,.
N'aquella ermida qae d'aqai se avista,
Teima em não m'a deixar: tu só podias
Âjudar-me a vencer n'esta batajiia.
Inda ha pouco menti, quando te disse
Ser tarde já para salvar a pomba.
E tempo amda. Ohl vai! coUie as primiciaa
D'aquelie coração que te idolatra:
Tudo é iuz, seducção. amor. encanto,
Na voz, no olhar, na lanffuíaa ternura
Da rosa virginal que tu aespresas. •
Anhelantes te esperam já seus Jabios;
O seu peito infantil por ti suspira;
No ouvido sente a voz dos teus protestos;
O súbito rubor lhe aífronta as faces;
Não a vês hesitar, tremer, fugir-te,
Acercar-se outra vez, sorrir a furto,
Escondendo nas mãos a fronte bella,
De novo inda luctar, mas Já sem forças,
Cahir por fim num languido defiqutot
Ohl corre a ser feliz em braços a'elia1»
Um momento depois d'estas palavras,
Em doce consonância estranhas vozes,
De improviso romperiun n'este canto:
—«Seja a breve passagem da vida
Uma serie de ardentes delírios ;
Queoi procura colher os marmioa ^
Quando existem as rosas em flor?
Venturosos ergamos as taças,
Onde brilha o licor purpurino,
È doltemos as vozes n'um hymno i
Consagrado aos deleites do amor f
Vem, poeta: as tristezas do mundo !
Não comprimem iámais nossas almas ;
Nds cercamos de floridas palmas
Á existência votada ao prazer l
166 UTTERATURA
O que importa que a noite succeda
Aos sorríaos do astro .diurno?
Para nós o astro nocturno
Ifil delicias nos torna a traser!»
Apossou-se de mim o immundo espírito.
~« Sou teu, ó tentador, emflm lhe disse:
Ao teu fatal poder entrego esta almal
Size, dize, onde está esaa q[ue eu vejo,
as que procuro em vão cmgir nos braços f>
•r* «Onde está ? Vaes sabel-o ; e n!um mosnoito
A seus pés cairás ébrio de goso!»
Ao secreto aposento, onde Jazia
 Tirgem de nwusjSonJios, me dirige
O torpe embaidpr. Entro em delírio,
B ardendo em chammas de brutaes desejos,
No casto ninho onde vivia a pomba.
De repente uma luz serena e branda
Yeiu alegrar as trevas da minh'alma.
Outra vez á rasáo volto, e que vejo?
Ante mim tenerando sacerdote,
Pondo-me ao peito a cruz que mais tarde
A enganadora Júlia me roubara. '
Leiia a seu lado, com as mãos erguidas^.
E os olhos postos no sagrado emblema,
Estas doces palavras me dizia:
— « Deixou-te o negro espirito !
Feli^ de novo agora, .
Sorn tua alma em, extasi
Ao ver a pura aurora,
Da qual somente é nuncia
Na terra a humilde cruz I
Só ella, eterno símbolo
De amor e de. piedade,
firilha no mundo esplendida,
£ diz á humanidade:
Surge dais trevas lúgubres,
Ascende á etherea luz I
Mpi de propósito transcrevi mais amplamente parte d'esta
poesia, para evidenciar a modiQcação que pareceu operar-se
DO espirito do poeta. Sem perder de todo a singeleza pri-
mitiva, aquella graciosa singeleza de cândidos affectos, que
de certo fez appellidar a sua poeâia de poesia loura, Bulhão
Pato deixa entrever na Lelía, ainda atravez da antiga exal-
tação e do seu verdadeiro e .sincero enthusiasmo, uns lon-
ges do sarcasmo de Âflfbnso Karr e do azedume satyrico de
Byron. Mas isto é uma concessão á época. O prurido da
analyse, esta incurável enfermidade de nossos dias, que tem
ido embotando nos espíritos os mais Dobres e gèuerosos
impulsos, e semeado o desalento e a desesperança por muito
UTTERATDEA 167
espirito, tentou talvez o poeta, mas n3o o venceu. Foi o Sa-
tanaz da saciedade pervertida, como elle mesmo o Ogura,
que o levou até á beira do abysmo, onde, uma vez preci-
pitado, o talento perde as azas cândidas da sua innocencia
primitiva, esquece de todo as imagens risonhas dos hori-
sontes por onde espairecera as íllusoes mais queridas do
seu viver, e mal respira nas lobregas entranhas onde se
passam as grandes misérias humanas. O poeta, n'este triste
estado, deixa a penna dourada das nativas concepções, e
trava do escalpelo que disseca uma por uma as fibras do
coração; já nâo é o cantor singelo dos santos e nobres affec-
tos, é o analysla cáustico e ameaçador das nossas fraquezas.
Porém, a boa tempera da índole poética de Bulhão Pato
salvou-o a tempo. Nada mais dvêsso aos seus instinctos, ás
suas predilecções, ao jacto natural, limpido e sereno da sua
veia, do que as irrupções abruptas do estro doestes poetas-
moralistas, doestes libellislás metrilicadores, mistura inces*
tuosa de Rabelais e Jeremias, que apregoam bem alto os
defeitos do mundo, que fingem até condoerem-se d'elles,
para mais facilmente esconderem . os seus. E Bulhão Pato,
um momento transviado das antigas predilecções, logo mos-
trou sua natural e directa projiensão, compondo a inspirada
dedicação a Helena, a sua ultima composição poética ^ e
que é um regresso felicissimo aos primeiros tempos do seu
singelo e affectuoso poetar. Que pena não a poder trasladar
para aqui por inteiro! Mâs já' nas primeiras estrophes o lei-
tor conhece a verdade. dp que fica escripto.
Lembras-te, Helena, o dia em que deixámos
O teu saudoso valle, è lentamente
Pela elevada encosta caminhámos?
O sol do estio ardente
Já não brilhava nos frondosos ramos '
Do arvoredo virente.
Chegara o íim do outono: a natureza,
Sem ter os mimos da estação festiva,
l(em aquelle esplendor e gentileza
QuR tem na. quadra estiva,
l^a languida tristeza, .
Na luz Dranda e serena
D 'aquelle ameno dia,
. Que immensa poesia, .
E que saudade respirava. Helena I
• N'esta época, em 1862, data d'este artigo, esta poesia havia sido a ul-
tima, . .•..;•'■ . . • . }' • i / .
1S8 LirrsnATimA
*
Subindo pelo monte,
Cbegámos ao casal, onde habitava
k tua prote^da,
AqoBlla pobre anoli> qns se agatravii
Aos restos d'esta vidai
Assim que te avistou, erffueu a fronte,
Curvada ao peso de tão longa idade,
Sorriodo nesse instante
Com tal vida, que a luz da mocidade
Parecia alegrar o seu semblante!
Vinte annos tu contavas nesse dia:
A flel servidora
Era Ji primeira vei que náo pedia
Deixar a casa ao despontar da aurora,
È, cheia de alegria,
Gamhibar para o vaile como ontrVyra,
Depor uma lembrança em teu regae^,
É unir-te ao coração n'um meigo abraço!
Tu, na força da vida,
Gircumdada de luz e formosura,
Foste levar á pobre desvalida
Os dons do lar paterno;
Alegrar com teu riso de ternara
Aquelle frio inverno!
Ao ver-te, com teus braços
Nos seus braços senis entreiaçados,
A ventura nos olhos encantados,
A inspiração na fronte deslumbrante,
Afigurott-mo então o pensameato
Ver um anjo descido dos espaços,
D*aspecto fulgurante,
Enviado por Deus nesse momento.
Para animar os derradeiros dias
De quem, cançado do lidar constante.
Abre o seio ná morte ás alegrias!
As ia^rymas de gosto
Cornam cristalinas
No rosto d'ella e no teu bello rosto I
Como orvalhos do céo aquelles prantos,
Um brilhava na hera das ruinas,
Outro na flor de festivaes encantos,
Na rosa das campioas.
Suando voltaste a mim. illiiminava
teu semblante mna alegria in&iâa;
Depois quizesfte ainda
Ir visitar a ermida que ílcáTa
No ápice do monte.
Firmaste-te ao meu braço, e caminhamos.
No esplendido bmsonte
Já declinava o sol, quando* chegamos.
É exactamente a mesma simplicidade de formas, a mesma
LirrfiRATURA 169
pureza de affectos, o mesmo expansivo e natural desabafo
do coração, sempre aberto ao amor e que o aspecto melan-
cbolico dos campos enche de saudade.
Onde se sente mais isto é na sentidissima elegia, leívada»
como uma saudade sem esperança, á sepultura de Salvador
Corrêa de Sá, amigo de infância de Bulhão Pato. Parece
que o anjo da dôr, depois de ter enchido a sua urna das
lagrimas da amizade, as infiltrara todas no coração do poeta.
Só um talento que tão de perto vive dos impulsos do co-
ração,, poderia encontrar accentos de l3o viva e penetrante
agonia. Vejam se não ha nos versos que vão seguir-se al-
guma coisa do sentimento intimo e delicado, «que unica-
mente pertence ao aíTecto maternal! É a mesma exquisita
sensibilidade, . o mesmo conjnnelo de sensações aillictivas
desentranhadas dos seios de alma, e coloridas pela eloquên-
cia das dores sem consolação.
«Bem sei que era exUio a terra
«Para ti, anjo do céo !
«Porém, filfia, abaodonares-me,
«Quando toda a minha vida
«Era a luz d'um olhar teu,
«Ouvir essa vo2 infante,
«Ver a impaciente alegria
«De teu cândido semblante!
«Deixar-me assim na existência,
«Triste, só, desamparado^
«Âquella flor de innocencial
«Que lhe flz? Tinba-a creado
«De quanto amor n'esle mundo
«Peia mão da Providencia
«A peito de homem foi dado !
«Oh! que affecto tão profUndo!
«E tu podeste partir?!
«Pois não tiveste piedade
«Desta solemne amargura,
«Desta infinita saudade?!
«Vi-te inda olhar-me, e sorrir,
«Erguer os olhos aos céos,
«No instante de proferir
«0 fatai e extremo adeus!
« , ,
« .....,,.
«Ofal volve outra vez a mim,
«Desce á terra, anjo do céo,
«Yem dar-me a ventura eimmn!
<*......... » . , , i ,
« ,
«Olha; o vivo sol de abril
170 LITTERATURA
«Já nestes campos rompeu;
«As rosas desaoroxaram,
«O rouxinol de prendeu
«A voz em saudosos Qantos;
«Os sitios onde passaram
«Os teus descuidados annos,
«Mo os vês cheios de encantos?
«São estes! A' mesma fonte
«Ferve além; n'aqueiie outeiro
«O meu casal alvefa;
«As ramas do verde olmeiro
«Dão sombra á modesta igreja,
«Onde tu vinhas resar,
«Quando o som da Ave-Maria,
«S'hora meiffa do soi-posto,
«De vaga melancolia
«Toldava teu bello rosto.
«Tudo o mesmo !... esta inscripção !...
«Este nome!... anjo do céo,
• ' «Este nome, fl lha, é teu!
«Oh! meu Deus, por copipaixão,
«Na mesma pedra singela,
« Juntae o meu nome ap deilal»
E Deos ouviu a oração...
O mesmo tumulo encerra
Filha e pae. Na mesma lousa,
Onde repousam na terra,
Uma lagrima saudosa
Vem hoje depor também
A esposa, a viuva, a mãe!
Um dos mais subidos méritos de Bulhão Pato é a conci-
são admirável do seu estylo, concisão que elle leva aos ver-
dadeiros resultados dos grandes mestres, principalmente
quando bosqueja os painéis da natureza. Os aspectos diante
dos quaes a sua musa parece embevecer-se, são sempre sim-
ples e tristes, como a índole do poeta. O pôr-do-sol, o cair
das folhas do outomno, o adro áe uma aldeia, o casal que
alveja ao longe por entre as cristas da serrania, são, em
geral, as scenas que a phantasia se compraz de lhe aproxi-
mar, de contornar, e que lhe torna como os horisontes per-
manentes da sua existência poética. Mas ha sempre um vivo
sentimento de poesia n'estas pinturas; e é observando-as,
6 estudando-lhes os effeitos que a sua impressão nos pro-
duz, que se percebe bem que secretos dons de influencia
moral exercem n'alma estas combinações, em que o poeta
parece chegar a ser pintar, po.rque o pintor, para o ser ver-
dadeiramente, não pôde deixar de ser poeta. Alguns exem-
plos, colhidos aqui e acalá, explicam isto melhor que todas
UTTBKAJIHIA 171
as analyses. Vejam se cobIí linhas mais síDgelas se pôde es*:
boçar quadro maiis ampla e solemoe,
,*"''• ',
Nas nossas almas exista um mundo
Deindefinitoamof;
Do pélago profuBdo, .
Onde ruçe o faror
Insano, concentrado, atroz; maldicto,
D'e8ta arnenta auôrra-
Das amt)iç^e8 da terra,
Nem uma matdiçào, um som, um grito
Nos vinha pel^tarbar !
Bra a ampUdio do. céo, a ttolidão da serrm
Ao Ipnge... a voz do mar!
Qae magestade e simplicidade de líDbasI Outro quadro
d3o menos verdadeiro:
Daquelle pobre casal,
O fumo que vae subindo,
Em ondulante espiral.
Não diz que em volta do lar
Se reúne a pobre gente,
Que já de perte presente,
frio inverno cnegar?
Quita não saberia traçar melhor este painel campesino.
Agora este outro que parece sair da palheta suave e me-
lancholica de Gessner. Ha n'elle o sentimento dos mágicos
affectos da natureza, que tâo bem comprehende e exprime
a musa allemã.
£ra singelo, mas sublime o quadro I
Em roda o mato agreste;
No meio a pobre ermida; ao lado d'ella
Dm secular cypreste;
E sobre a cruz do adro, *
Pendente, uma capella
De algumas tristes, desbotadas flores,
Talvez emblema de profundas dores !
•
Bulhão Pato também algumas vezes tem ensaiado o gé-
nero satyrico, e com felicidade, como se vê pela poesia o
BrindBy que é um desfechar constante de epygrammas con-
tra algumas das grutescas personificações da nossa comedia
politica. Comtudp eu prefiro, declaro-o francamente, ver tão
bello estro sem abater os voos a estes charcos. As suas ten-
dências são outras, e mui diversas. O talento que vive do
coração, a mente que se inflamma com o fogo dos sentimen-
tos nobres e serenos, não pôde prestar-se a acceitar em o
172 unnsBAtimA
namero de soas preditecçOes ass^umptos r€f>ugnairtes» e cujo
hálito cresta sempre as asas cândidas d« inspiraçSo. Qm
Bulhão Pato è o primeiro a repellir, com o seu desdém»
estas lastimáveis individualidades, dignas só de attrahirem
as iras do libellista; e nas raras horas 0m que a sua musa
lhe tem emprestado algumas expressões de zombaria con-
tra taes creaturas, ha sido sempre com a hombridade e de-
sabrimento de quem àpplica unoa correcçSo por força de
necessidade: é antes uma pirraça do ^enio insoffrido do
mancebo, que um desafogo do poeta. Este n3o se rebaixa-
ria a tanto.
Agosto— 1862.
SXVISTA LXTTEHARU DO ASNO DE 1865
Passou O aoDo de I85II.
É mais um passo dado Da vida dos homéns<; é mais um
período decorrido na existência das nações, é mais um in$r
tante submergido na vorageoa dos tampos; é i^ais um capi-
tulo cerrado ua bi$taria das elucubrações do espirito e. da
ímagínac9(^,.
Debaii^o doeste ultimo poqto de visia, n3o se pôde dizer
qm o aoikode 1855 deixasse de correr feriil e florescente
para nós. Diz um escriptor celebre que as grandes catastro-
pbes doa.acoatecimantos da vida,, qmos grande especta-
iCjuios dos povcs em conflicto acceindem a inspiraçlk) aus
maiores génios, e affogan) as vocações, iodistínetas no trop^
doft siiocesâos do muodo exterior.
Entre nós deuTse a e«\cepc3o.
No meio doeste immenso movioaeato dos espíritos e dos
fsctos que arrasta a Europa para> destinos aiod^ bem pouco
definidor, é lisongeirQ ver Portogal^ como albieiado d'essia
febre reaccionária,: que tem ^rimdo poyos e reiis uns eontca
08 outros, ir progredindo na &ua[ tarejfa: de civilísaçSo. Ele
balde o céu se toldo de grossas nuveqs^ ao \wg^, debaldie
o sdntillar do relaiiàp^o e o ribombo do trov3o annunciam
a guerra e o extermínio, porque a ab/elba diligente e inoes^
sante pjpir entre oa esplendidos viergeisi atraveg ,da mais fe^
rax e virente vegetação^ vae colhendo o mel de cada dia, «
depositando^) n'e0se edifioio, sempre crescente, chamado
illustraçio de um po^o^
Sentados no limiar do anno q»e se abre, e alada mal dea^
pedidos d'aqueUe que 9nda» e grato realmente alongar íms
174 LITTERATURA
olhos pelo espectáculo que formam essôs génios fadados,
esses engenhos brilhantes, essas vocações desenvolvidas pelo
esforço e pelo estudo, pela perseverança e pela meditação,
esses nobres corações que se obstinam, em despeito das
contrariedades da vida, a caminhar para o futuro, que um
sentimento intimo lhes indica. A historia e o romance, o
drama e a critica ligeira, o poema e a comedia, tudo ahi
Qgura. E senão apresentamos quantidade de obras equiva-
lente ao movimento arinuM da França e da Allemanha, d*es-
ses paizes onde as faculdades tfa mtelligencia paréôbm mul-
tiplicar-se, atestando-o em monumentos que de dia para dia
mais enriquecem aquelle verdadeiro império do saber e do
atticismo, se isto não acontece, muitos livros de valia se
vão produzindo entre nós que sugprem, pelo valor intrín-
seco, outros que não se recomniéndam senão pelos ddtes
da pbamtasia, e, quando muito; pelos fulgores de am esfylo
deslumbraftle.
É sobrertyaneira diíficil á tarefa a iqad nbs propozemos:
passar revista, em patacas paginas, aos trabalhos litteraríos
de 1855. N'um tão pequeno circulo torna-se indispensável
resumir ou apresentar ò substtiaclo de oma obra em breves
palavras, encargo penoso èm que d concisão nein sempre
triumpha da díffietíldade. * < . •
N*este trabalho poremosf de fora, além d'esbas publicações
que nascem logo marcadas coto o sêl lo da morte, t oatràs
que desappárecem no redemoinhar dos acontecimentos sem
despertar a attenção publicti, tíem mesififo^consegnit^m amos^
trar-se á superflcie da publieídado, poremos de fóra,'reí)e-
timos, o jornalismo polttíco, essa inumensa elaboração do
espírito 'e da imaginação que acoitda db m^anhã para notorrer
é noite; complexo' de talettto *é Ècíencte da vida, de prelAi-
dencia e temeridade, de fhMtlft e cholera> de persevisrat^ii^
tfd ataque e oontfamácíade^fepalsa, ({tte^^cititilla e se apaga
na atmosphera das paixões polilícas; Ilda vertiginosa onde
as pequenas misérias e as aspirações ftíMs nobres, onde Gha-
teaubríand e Marat;, Vlllele^ d Thifers ou o mais obscoro es*
criblero, Victor Hugo OU' o tniH ignóbil foUcularío, 6So
eraalmente hei^oet^ ou pygtiíeus, ^segundo a 'aberraç6o< dos
fanáticos políticos O a tyrannia da^ cvrcumstaneras/ '* '
Mas no meio de todas estas alternativas;' aueP'poderao de*
primír o fcaracter^ do escHptor político, visto atraVez^do
prisma das paixões facciosas, ha uma qualidade, aquella qae
IJtTEIUTDlML 175
mais se.oppSe âo natural orçulho do homem de letrias, que
fii&guem Ibe poderá disputar, e que só de per si resume o
sefD panégyrico e o exalta no conceito da critica desaftaixo-
•nada: esta qualidade é a abnegação da sua individualidade
como operário do já rmmenso e<Jificio da imprensa diária.
Quantos periódicos publicam quotidianamente artigos que
só em si bastavam a fazer e proclamar uma reputação e
cujos auctores morrem absorvidos no seio d'essa entidade
collectiva chamada jornal?! Ouvem em roda de si exaltar
os rasgos do seu espirito, a elevação das suas considera-
ções políticas ou sociaes, a sua previdência no futuro dos
successos públicos, e, anonyraos e recolhidos, assistem como
espectadores aos seus próprios triomphos, tendo de des-
.apparecer por detraz do titulo da obra de que são alma e
inspiração I
^ Lei fatal da civilisação moderna que tende, em todas ais
sua» manifestações, a fazer desapparecer o homem, a enti-
-dade individual, no seio do complexo das suas mais esplen-
didas maravilhas, deixando-llie apenas o goso intimo de ha-
ver cooperado para esses documentos de sabedoria é anda-
da, que se erguem sob o influxo commum de muitos de-
sejos, vontades e intelligencias !
. Paremos o primeiro logar á historia, n'esta revista.
Não seria n'este caso que, com direito, Voltaire pOdesse
dizer de nós o que disse dos seus: La France fourmille
^historiem et manque d^ecrivains. Três dos nossos escii-
ptores mais brilhantes, que dispõem de todas as galas do ed-
fylo e dominam a língua como mestres, seoccupam acfual-
menlede trabalhos hisioricos: os srs. Alexandre Herculano,
Rebelk) da SilVa, e Mendes Leal.
O primeiro de todos, o grande escriptor, o areheologo
infatigável, o sr. Alexandre Herculano, começou o anno pas-
sado uih precioso trabalho de investigação e critica phllo-
sophioa sobre uma das instituições mais notáveis que aircf-
xaram 06 povos e malicham a historia. O volume publicado
Díi origem e eêtabeiecmento tía inquiaíção èm P&rt^gúh
tétn^^^a importância de uma d'aq\]ellas obras ()ue foritiam um
nome, ou, para melhor di2er, qde não podem éer produzi-
das senão por historiadores da ordem d'aquelles, que^PM^
iQSfal, oom justa vaidade, pôde 'já coliocar a pa^-ée Sbbl^
geU Herder, Thierry ou Guizot. O sr. Alexandre Herculano
é um d'aquelles espíritos eminentes, iniciados na fÓrma dè
4octrína e n'aqciell6 methodo úq além do TXhem que, para
chegar aos resultados puramente philosophieos» taes como
os presencea o nosso século, iem passado gradualmeote
pelas lentas estações de uma exegese successiva. Ningbem
melhor do que elle aprecia esse mixto indeflnivel de raeio-
nalismo e de fé, de arrojo scientiOco e de reserva rafleiiva,
que se tem por tanto tempo mantido em equilíbrio nas pro-
fundas ínteilígencias dos philosophos allemães, e que entre
BÓs importa uma excepção, e cujo exenoiplo único que co-
nhecemos está represeniado no bomem^ que tem, desde as
épocas mais obscuras e rebeldes á analysd, reconstruindo a
nossa historia.
Bico de conhecimentos sobre os tempos decorridos, ani-
mado por aquelle ardor de erudição que dá. valor a tudo»
que nSo despresa um accidente, que nâo passa indiffereote
por uma feição característica, o seu livro Da origem e esta-
belecimenio da Inquisição em Portugal é um dos resulta-
dos das suas porfiadas escavações, feitas n'uma longa pere-
grinação atravez dos séculos xvi e xvii. Foi um trabalho re-
^altanle de outros mais vastos e completos, ou, para ma-
Ibor dizer, foi um novo edincio erguido com os materíaes
predispostos e talhados para a nossa historia geral.
Um livro doestes não se analysa n*uma revista ligeira,, que,
^ i9ua carreira precipitada e veloz, apenas tem tempo, para
se curvar, aqui e alli, ante os grandes monuaientos ergiÂ-
4ps pelo talento e venerados pela estima publica: o qiae ha
a faaer é cital-os. É o que fazemos.
Mas passemos agora a outra obra, a uma d'estas obras
cuja puUicação caminha lentamente, mas caminha, e qoe
tem como suspensa a anciedade dos amadores das letraB
ejn longos períodos.
São os grandes themas qne elevam á sua verdadeira ai-
iura os espirítos fadados a illuminarem com a luz da ot^er-
vação.^ da critica os pontos mais difficeis da historia. Não
ba milito tempo que Rémusat, o hi&toríador das maia bel-
\à%^ figm^is do século XVI, publicava am excellente trabalho
^bre Santo Anselmo de Gantorbery; e qnasi apar Ville-
4iiam, n^aquelle grande estalo em que se elevais verdadei-
ras eminências da pbilologia-ditactica^ escrevia o elogio de
ikiDtQ Xml^rosió. N^esse mesino anno, e quasi pelos iqes-
ÍQOS meaes, começava o sr^ fiebello da Silva os seus Foc-
los da Egreja.
UTTERATURA 177
Esta coincidência, n'oma época em que os espiritos pare-
ce descerem tanto ao positivo da vitla, e em que a própria
litteratura, em todas as suas manifestações, se consagra aos
assumptos mais repugnantemente humanos da sociedade
existente, é de festejar para aquelies qm aioda se compra-
zefflf de ver os gra^ndes engenhos duplicadamente empenha-
dos na carreira das letras e da religião.
E nenhuma obra allia melhor estas duas apreciáveis qua-
lidades que a dos Fastos da Egreja. De género narrativo,
mas n'aquelle estylo levantado pelas altas considerações phi"
losophicas que tantas vezes approximam o auctor de muitos
dos melhores periodos do Gmio do Christianismo, acham-
se alli quadros que respiram a sublimidade caracteristica dos
grandes vultos da egreja grega e latina, traçados pela penna
de Viliemain, e toda a unção e erudição religiosa do abbade
Guené.
todavia quizeramos que o plano d'esta publicação fosse
mais amplo, e que a concepção abrangesse o christianismo
em< todo o seu influxo morai e civilisador da historia*. Chris-
to, não como o primeiro dos santos, mas como o primeira
dos philosophos moralistas; os apóstolos e os evangelistas
considerados como os principaes obreiros do immenso e
magnifico ediflcio sob que se abriga hoje quasi o mundo
culto, chamado catholicismo; as épocas mais florescentes
da egreja primitiva, representadas nos séculos III, IV e XVH
pelos seus luminares mais esplendidos de eloquência e sa<-
ber, como Santo Agostinho e Santo Hylario, S. João Chry-
sostomo e Santo Athanasio^ Bossuet e Fenelon, tudo isto
fdrma um quadro grandioso, em que o christianismo flgura
como a base da civilisação moderna, & o seu influxo moral
mais fecundo é directo. Era no seio d'estes hortsontes sem
limites para os voos de uma penna que tanto se eleva, que
desejaríamos ver assente este novo monumento littepario do
fecundo escriptor.
Mas é preciso caminhar, porque o talento sempre vivaz
e fértil de Rebello da Silva é d'aquelles que nunca empre->
gam todas as suas faculdades n'um assumpto único, por
mais elevado; e a critica, ainda ligeira e quasi que simples-
mente expositora de uma revista, mal o pôde acompanhar
na multiplicidade de suas prodiícções. Este bello engenho,
tão fácil em reproduzir-se em todas as fórmas da arte, e
n'um estylo que é sdnda mais um reStíiíO da força imagina*
TOMO I 12
178 LITTERATtmA
tiva do que o resultado dos seus grandes dotes íilterariQs,
profunda e triumpha dos melhores ramos das lettras com
egu^l êxito e facilidade. Âo romance hístorrco temos mais
dois livros a acrescentar: no Panorama, a Pena de Talião;
e na. Pátria, a Tomada de Ceuta. Estes romances, como
todos do auctor, excepto a Mocidade de D. João ?, de um
género distincto» filiam-se na escola implantada peto sr. Ale-
xandre Herculano, e cujo chefe è Waller Scòtt, e signiflcam
um bello trabalho de erudição, onde o leitor encontra o es-
boço de varias épocas e personagens mais gigantes da nossa
historia, reproduzidas com a verdade daguerreotypica.
O theatro, n'um dos seus maiores vultos, despertou tam-
bém ao sr. Rebello da Silva uma das mais primorosas ver-
sões que pôde figurar na scena portugueza. O Othello de
Shakspeare achou todo o vigor d^aquella paixão intensa,
cega, selvática, na energia e colorido esplendido do estylo
do nosso escriptor. É mais que uma imitação, é um traba-
lho no género dos de Ducis e Le^Bron, porém trabalho em
que nenliuma das bellezas dramáticas do poeta inglez per-
de cousa alguma da sua vehemencia e conlraste, approxi-
madas das conveniências da scena moderna.
Os sangrentos espectáculos das nações em conflicto tam-
bém acharam entre nós um historiador consciencioso na
apreciação dos factos, e vehemente e orhado no estylo. A
Historia da Guerra do Orientei pelo sr. Mendes Leal, abre-
Ihe mais um titulo â consideração da critica. É um novo
género litterario que encetou com applauso. Sobre essa
nova Iliada cujo theatro se estende do Már*Negro ao Bálti-
co, a França tem escripto com que fartar a saciedade de mil
bibliomaniacos. Só as correspondências diplomáticas -inser-
tas no Invalido Rmso, e sobre as folhas do Times, dão que
ler por um anno a setenta políticos. Mas a mesma multi-
plicidade traz o labyrintho. Aqui o quod abundai, nocet. O
leitor curioso, que queira tomar o fio d'essa serie de peri-
pécias, que ' arrastam as nações para destinos por ora des-
conhecidos, tem mais difflculdade, no seio d'essas rumas
de publicações que os prelos francezes atiram todos os dias
a- lume, em escolher que de encontrar o livro cabal e op*
portuno, que o ponha ao corrente de todos os mysterios,
acontecimentos e catastrophes d'essa guerra fatal.
Porém» no meio de toda^ssa abundância de trabalho, de
investigação, de compulsaçSo de documentos diplomáticos
LFITERATOáx 179
e históricos, de critério e arrojo de vistas politicas, a obraf^
do sr. Mendes Leal possue o seu mérito, e vendadeirov É*
como o subslracto de tudo isto, mas exposto óòm lucidez,
deduzido com fidelidade chronologica, enriquecido com per-'
spicacia de observação e critério, e narrado n'tim ebiylo,;
que, sem perder nada da gravidade histórica, se ergue pOf'
v«zes à altura de apreciáveis considerações philosophicas:
Esta obra começou o anno pasáado e já vae no 3.*^ volume.
Comtudo, um dos mais esplendidos acontecimentos Htte-.
rarios do anno, e que ainda pertence ao sr. Mendes Leal, .
é por certo a sua comedia em verso, a Herança do Ghan^
cieller. O auctor póde-se com justiça jactar de ter resusci-
lado uma forma da arte, esquecida nos monumentos de Gil
Vicente e Calderon, applicando-a ao género que melhor se
lhe combina na scena. Os espíritos levianos viram* n-isto uma-
autigualha, um archaismo no que elles julgam progressos
da arte; nós vimos uma apropriação e um esmero littera-
rio. É aquelle o verdadeiro molde peninsular da comedia. •
Não se atterrem os perdidos de amores pelo repertório
francez, que aqueila forma pôde ser alargada, ampliada e
prestar-se a todas as exigências da comedia moderna. E de-
pois, como a redondílha, o mais popular de todos os nos«
SOS metros, aquelle em que naturalmente se vasam os con-
ceitos do nosso idioma e mais se coaduna com a sua indole
e phraseologia, como se presta ao estylo salyrico e descui-
doso, familiar e dialogado da comedia! Quem o duvida que
leia a Herança do Chanceller, e conhecerá como o lyrismo,
afinado pelas sensações populares, logra attingir toda a al-
tura na phantasia do poeta, e romper cm bellos trechos de'
enthusiasmo patriótico ou de melancholia e amor.
No anno decorrido publicou o sr. Mendes Leal o seu
Homem de Ouro. É um dos membros d'essa trilogia, ence-
tada com os Homens de mármore, e que mais tarde com-*
pletarão os Homens de Bem. Os poetas costumam não ter:
palavra em assumptos d'estes. Deus queira que o sr. Mendes
Leal rehabilite a família, inteirando a sua obra.
Não fecharemos o capitulo consagrado ao í Ilustre escrip-
tor sem catalogarmos mais um dos seus bellos voos poéti-
cos. A poesia consagrada a memorar a morle do visconde
de Almeida Garrett, no theatro de D. Maria II, se não viu
a luz da estampa, teve comtudo a publicidade da scena. É
um trecho repassado de saudade e nobreza, em que o poeta
180 UTTiSRATURA
mos alevaotou bem solenmeinente o volto, qae o cantor de.
Camões já projecta na posteridade.
. Da historia á politica ^ traosiçâo é fácil. A historia resu-
me os diversos períodos que abrangem a existência dos
povos, e estes, subordinados ao regimen dos governos cons-
tiluidos» demonstram a politica das nagôes. Nao são estas
porém» as idéas do sr. D. José de Lacerda, na sua obra
Da forma dos^ governos com respeito á prosperidade dos
povos. A natureza dos governos, para o illustre deão da sé
patriarchal, é um facto indifferente á ventura ou infelicidade
de qualquer pai^,. como se a organisação d'uma sociedade,
ainda a mais alheia ás verdadeiras instituições de uma po-
litica aprecia veU possa dar- se sem o principio de governo,
e este, SQJa qualquer que fõr a sua forma, despótica ou de-
mocrática, monarchica ou republicana, se não reflicta em
todos os seus effeitos no viver intimo e exterior de um povo.
Mas o sr. D. José de Lacerda percorre a historia antiga e
moderna, e apontando-nos para as grandes convulsões dos
impérios, para as suas épocas de florescência ou angus-
tiosa oppressão, affirma-nos que essas se deram tanto na
Athenas de Milciades, Themistocles e Aristides, como na
Athenas dos trinta tyrannos, tanto na Roma dos Césares,,
tanto na Europa dos reis, como na Europa republicana:. To-
davia a apreciação é errada. O esclarecido escriptor avalia
a organisação dos governos segundo os defeitos dos homens,
e attribue á natureza politica o que pertence exlusivamente
á Índole humana. Condemna os systemas na forma abstracta»
e não nos actos d'aquelles, que, tornando-se seus interpretes
e instrumentos, os protrahem e pervertem. É a inversão
dos termos fundamentaes do problema que leva o sr. D. José
de Lacerda a conclusões, que os mesmos factos que apon-
ta» combatem. Sem irmos mais longe comparemos a Rússia
com a Bélgica, e veremos quão diversa é a sorte dos dous
povos. Mas é porque ahi os systemas» representativo e au-
tocrático, reflectem-se directamente em todas as condições
da sua existência social. É alli que se pôde apreciar a or-
ganisação politica, pura nos seus efl'eitos, os quaes o au-
ctor Da forma dos governos toma indifferente e promiscua-
mente para as suas conclusões, quer derivem da natureza
dos systemas políticos, quer da cubica ou tyrannia dos go-
vernantes.
E comtudo» este erro não parte do entendimento» parte
UmiUTURA 181
^a desesperança. Esses conflictos estéreis de uma politica
pygmea e sempre individual, com qoe a larga área dos in-
teresses públicos tem sido invadida pelas ambições, mata-
ram toda a crença na alma do antigo jornalista e depatado«
O seu livro é o manifesto do verdadeiro sceptico politro).
Como homem de Deus, nSo quer dizer que desespera dos
homens; mas como homem de partido;deelara que desespera
dos systemas.
Pois nós confiamos nos systemas; porque os homens s3o
as paixões, e as paixões passam e os systemas ficam.
E aqui o logar de mencionarmos os Esttidos biographi-
€08 do sr. Cannaes, do homem profundamente erudito, que
está á testa do nosso principal estabelecimento iitlerario ^.
O livro do sr. Cannaes é uma extensa galeria, onde a reli-
gião, a historia, a poUtica, e o talento collocam muitos dos
personagens, nossos e estranhos, que melhor os represen-
tam. S3o como os elementos dispersos de muitas phases
da civilisaç^, da historia ecciesiastica e politica que o illus-
tre bibliographo collige, dando-nos assim a idéa de varias
épocas notáveis nos homens que as symbolisam. Mas na im-
portância philosophico-politica, a obra do sr. Gannaei é um
anachronismo na ordem das idéas: o auctor proclama o di-
reito divino dos reis. Embebido nas doutrinas de Bonaid»
de Genoud, de Ghateaubriand, de Le Maistre, identifica-se
á tegitímidade do principio hereditário como a um dogma
da sua consciência. Admitte a monarchia como derivação do
poder paternal, e considera os estados como simples famí-
lias. Engana-se. Os estados, como drz Lamartine, são povos»
e os povos, uma vez terminada a sua infância, não devem
ser jamais condemnados senão á tutella da morat e da ra-
zão. A fiamilia é a humanidade; o pae não é o rei, é Deus.
Ainda a biographta, tnas aflfastada doestas luctas tempes-
tuosas das convicções politicas, e unicamente colhendo, aqdi
e aHf, elementos dispersos da vida dos nossos maiores ho-
mens de letras, apresenta-nos agora um dos seus mais va-
liosos trabalhos no Ensaio crHicfhbiographieo sobre os nós-
SOS melhores poetas, por losé Maria da Costa e Silva; outra
obra, metade publicada pelo auctor, e nietade que vae cor-
rendo ppsthuma. Esta extensa publicação, que abrange os
.1
. 4 *
* N'este tempo o sr. Gansaes, hoje faUeâdo^ era o bíMqthecarXo*]^
da Inbliotheca publica.
182 LPXERATUEU
mais resplandecentes vultos da historia da nossa litteratura,
-sera ter o mérito dos portraits de Saint-Beuve, St. Marc-
.iSírardin e Gpstave Planche, é todavia um grande reposito-
.riOi, onde o erudito encontra variadissimas noticias queder-
jam^m immensa luz sobre as feições esquecidas ou ignora-
das de muitos doS: nossos melhores talentos. Mas o crite-
,rÍQ nen) sempre acompanha o trabalho do auctor do Pas-
seio, e a aulhenticidade por vezes deixa de legilímar muitos
.dos. dOiCumentos apresentados como de origem incontro-
versa.
Temos emfim uma novidadq na nossa litteratura. Com
vergonha o dizemos, a critica, absolutamente fajlando» e
.ainda mais. a critica* ligeira, episódica^ chistosamente saty-
ricfi, aquella critica gqe.é como o tQurista mais apaixona-
da dos.grjançles panoramas da natureza do que de subir os
4ades: je. os. Alpes, e de visitar as crateras do EUna e do Ve-
.suvio e correr por entre as slalactytes das cavernas mais
l2|bplada$; essa critica, que. observa e indica cpm. mais amor
4o h^Wf^ dO'qu<e auctorídade^analytica, com mais enthusias-
^0)d<e.9;tma,da poeta que olhos de censor, e sempre ligeira,
sempre* rií)do, misturando a analyse com a anecdota, o epi-
^amn^i: com* sis flores do atticismo; essa critica acaba de
folligHF o:melh.or de suas divagações atravez'dos immensos
.jai:dins da litleratura, e de nos. apresentar tudo debaixo do
ti,tulo ^^ Memorim deJiiterfUura contemporânea. JÈ» um li-
.vrQ do sr; Lopes • de Mendonça^ inquestionavelmente um
Jt)eUo jensaip n'este género. Espirito afiQnado pelo sentir fran-
cês, e essencialmente desenvolvido pela leitura aturada dos
iinelbòres tcrjticos, ropíiancistas ei poetas qqe formam essa
4Í]|US^re. familia com que; a França tanto se honra, o folheti-
h\^\& da Revolução de Setembro, n'essas paginas em que nos
.traç£|;'ipuit03 dos nossos mais distinctos perfis litterarios,
jr<^spir^ toda a negligencia çuj.ta de Jules Janin^ Theophilo
.Gauthier e JuUx) Lecontie, ^>(enturando por vezes, nias ra-
jTiã^^.ja.çensiura. acerada de Gustavo- Planche. N'aquelles des-
.abafps (permitia se-nos a expressão) de um espiri^, verti-
jgiqpso^ que to^am a^ raíap; mais sublimes da phantasÍA sem
.qjueco/nt.udo.;se moldein aos preceitos. da crij^ica regular»
J\a,o.que quer. que seja de e^ebri/ánte e.transnoissjveltapes^
tylo, que nosembriaga a imaginação, desvaira os'sentidos
e nos faz correr, sem respirar, atraz d'esses atrevidos e pa-
fâdoxaes raptos do brilhante escriptor, como correríamos»
UTT^RATinU 183
se DOS víssemos nas campinas suavemente. esplendidas dos
quadroK^ de Watteau e Pussin, sempre atlraidos pelos en-
cantos de uma natureza desconhecida,
A critica tem uma certa affinidade com as viagens. O es-
pirito an^lytico, como a alma do viajante, alimenta-se da cu-
riosidade, e dirige-se pela reflexão. Passemos, pois, do en-
saio critico do sr. Mendonça ás viagens do sr. Bordallo.
O sr.| Bordallo, depois de ter dado um passeio de sete
mil léguas, faz agora uma viagem á roda de Lisboa. É en-
colher muito as azas de viajante, É como que se obrigas-
sem Sindabah,. o famoso viajante dos contos oríentaes, a
fazer ^^penas um gyro ^autour de sa chambre.
( Perdoem-nos o$ admiradores deiLisboa.^ Ninguém mais
âo que.Qu mm e admira esta formosa rainha do Occidente,
qqe tão enamor^o traz a beijar^lhe. as» espumosas vestes o
melhor dos Filhos do Oceano, o altivo e. caudaloso Tejo. Mas
^e Lisboa à. China, por esses longos mares por onde o sr. Bor-
dallo singrou, ha sete mil léguas de paizes e nações diver-
sas,, de maravilhas. da natureza e da arte, de costumes poe-
tJQOSp de povQ3^ onde. as: raças encontram toda a idealidade
artistifía dos seus primitivos typos de belleza,. onde a poe-
sia acha os .sens traços épicos, o passado tem os seus mo-
pumentos, e a humanidade a$ suas tradições* Doeste qua-
dro, Ofide simultaneanoente se avistam os pagodes de Bra-
nca, as pyramides.do-Egypto, os mirantes da Alexandria, os
panoramas «do .Bospliioro, e as tempestades do deserto, a
des^imbarciar no cáefi das cohtmnasy investir. pela roa Au-
reftit entrar nai. Praça de D. Pedro,.dar' de chapa com o seu
monumento,, agachado, incompleto ^e tacanho, como iodo o
poE^amento politico, que. in,vada. as regiões da arte \ e de-
poi3: deixar o tbeatro de D. Maria á esquerda para ir mais
adiante dar^nes ou .^atroyqUa&noPassalo Publico; de
qmaiCoi^ á outra, s^ nSo ha efectivamente^ o passo de que
falia Napoleão» .alludiodo. aos dois poios do gosto e da arte,
ha .por certo uma grande distancia» £ comtudOí as descri-
pções do sr. Bordalo, gyrandOipon essa Lisboa,: apontando-
DflA OS: seuiS monumentos (arcbiíeetonicose muitas dias suas
))elíezas naiqraos, ,e expficandohnosisobrQ ludo o género da
suai>existencia sociat nos traças mais geraes da sua physio-
1 A referencia aqui é ao primeiro monumento, que felizmente se não
ooBcIí^u, e OHía iioDecilidade «rchitectonica e esc^tlptiirai andou em pro-
vérbio.
184 LITTEUATURA
Domia qaolidiaDa, produz-nos o effeito de um cicerone iilas-
trado e complacente, que se compraz em elucidar o cami*
nhanle acerca de tudo que lhe desperte a attençSo, ou lhe
mova a curiosidade.
No meio de todas estas producções, toma-se notável prin-
cipalmente o desenvolvimento que vae apresentando o thea-
tro. Effectivamente a litleratura dramática, que estava como
adormecida, ha dois annos para cá vae apresentando inques-
tionáveis symptomas de vida própria e abundante seiva. No
theatro de D. Maria II temos o drama do sr. Biester, Um
quadro da vida, scena intima em que o coração é vencido
pelos preconceitos da sociedade. A Dalilla, do sr. António
de Serpa, mais um dos nossos mimosos poetas arrancado
pela politica ao culto das musas, é um drama todo paixão
e sentimento, grupado em bellas situações, fluente e espi-
rituosíssimo no dialogo, que o nosso escriptor extrahiu do
romance de Octávio Fouillet, publicado na Revue des Deux
Mondes.
O Gymoasio passou das suas pochades mascaradas á por*
tugueza, e dos seus espectáculos de transformações e pom-
pas scenicas, á comedia de alta sociedade e ao drama inti-
mo; e deu-se bem. Pelo menos assim lh*o asseveram os re-
sultados. A plateia, apinhada de um concurso escolhido,
applaude com vehemeneia o Cynismo e os' Dois Mundos^
producções ambas do sn Lacerda. E tem raz3o; porquê
qualquer doestas producções tem mérito absoluto e relativo*
Marcam os progressos do auctor, comparandoas com 06
seus primeiros trabalhos, e representam com arte algumas
phases da vida n'essas regriões onde ella é tempestuosa de
ambições e affecti^, de paixio e vicies. A peça Dois Mun^
dos, menos ambiciosa no plano e pensamento ph^iosoptríco»
resume um bello quadro, em que o espectador vd alguns pe-
ríodos dispersos, colligidos e atados pelo auctor rrum etl^
redo fácil e cheio de lances vivamente dramaiicos, d'essa
existência de luctas angiistiosas» que, mais que nenhuma,
nos apresenta a sociedade moderna*
No theatro de D. Fernando^, o sr. Braa Martins, engenho
dramático já festejado das nossas plateias mais populares,
apresentou uma engraçada comedia, a Abençoada diabrutú.
^ Este thefttro )á bojje não existe, mas ateda estio bem recentes de cer-
to, na memoria de todos, as representações a que me refiro.
LtTTBRATtmA 165
 simplicidade da acçSo e a sympathia qoe inspira o pro-
tagonista, e isto disposto em algumas situações bem com-
binadas, e manifestado n'um dialogo fluente e natural, tem
feito que o publico de D. Fernando receba com applaoso
esta producção. O Mouro encantado, mentira em 2 actos,
« a Queda de Neptuno, foram doas d'estes improvisos des-
pertados por factos que muitas vezes se tornam um senti-
mento commum. Não tem merecimento litterarío; mas attes-
tam a facúndia da veia cómica do actor, fácil em se impres-
sionar das circumstancias externas, e de ahi encontrar os
germens de suas composições.
O romance, mas o romance convertido no génio máu da
analyse, como o escreveu Balzac; o romance que sonda os
mais escuros segredos do coração e imagina todas as lurpi-
des que o cynismo de uma sociedade gasta e saciada peiaft
«xuberancías de uma civílisação epicurista tem ido esquadri-
nhar ao intimo da vida, como o reproduziu o auctor das Mè-
marias rfo Diabo,' o romance positivo e dissertativo, espe-
lho de todas essas depravações que levam o homem á cói>-
demnaçâo de moitas das suas classes, como o concebeu Eo^
i^ gento Sue; o romance assim inspirado tem um digno repre-
( 'scntante, entre nós, no sr. Camillo Castello-Branco. E eflèctí'-
I vãmente, n'aqaelie estjlo, rápido e incisivo, que ri de umá
I ironia satânica, que rasga como escalpelo, deixando rastos
Ide sangue nas pagiáas, ainda n'aquellas mais inspiradas por
todo o fervor de uma alma ^'erdadeiramente poética, predo-
mina como a inspiração do auctor dos Dous Cadáveres^ z
que dá todo o relevo de dicção, a qoe soggere aquella e<-
pressão de sarcasmo talvez o estudo aturado do primefiro
romaucista phantaslico do século presente, de Victor HugOL
Os Mysterios de Lisboa, e o seu complemento ou a chave dê
todos os seus arcanos, o Livro negro do padre Diniz, bem
(como a Filha do Arcediago, obra que lhe serve de coii^
/tinuaçSio, tudo publicado no anno decorrido, s3o o rtíflexÀ
I puro da influencia despótica, que hc^e a sociedade exefcè
I sobre uma das melhores formas da litteratura. Este fact(H
I fructo de uma época do transição e iocta, em que os coii^
/ <Uctos sociaes controvertidos pelas âtfabiçSés das classes dés»-
/ locadas pelas 'atternátrvas da forma politica, fere e exacerba
l todas as cordas do coraçfiò e povoa as imagináçOes dak hna-
I gm$ pavorosas do presente, é cbmo o retrato vivo dos tetii^
I pos que pa6$am, sobre o& quaès o gemiò fulmifia ú» - séds
186
UTJE^ATVKA,
C^ |.m3iores aijathemas e lavra os seus mais eloquentes protes-
.tos, visto que não pôde detel-os na sua carreira deserifrea-
,da, ou subjeital-os a condições normaes. O romance, leva-
do a taes proporções, não é a sequencia da aberração ima-
ginativa de um homem, é a phase, é a expressão do movi-
jnento reaccionário de uma sociedade, que,, mesmo porque
é. violçnto e anormal, tenta a imaginação do escriptor, e in-
flue nas melhores paginas dos seus livros. Gondem^iar por
tanto no romancista o que mais está no espirito da época
do que na indole do escriptor, parece-nos erro ^m que se
não deve reincidir. Emendem a sociedade, se podem, que
lell^ é.a causa d-estes phenomenos operados no mundo das
Jdéas;.mas se não podem, deixem que as phantasias se im-
pr<^ssionem e vjvam do mundo real, como do seu alimento
.mais natural.
. O sr. Camillo Castello-Branco também tem enriquecido o
•tl)eatro portuguez com producções, cujo acolhimento as tem
-eopsagrado no conceito publico. O drama PMsia.e dinheiro
lleve u,m successo no Porto, como a fiaiwe auo) Camélias
• \j^ jParis, e os Homens de Mármore em Liisboa.
• ^. O Porto apresenta-nos egualmente mais outros dous ro-
; jgiaqçistas d^ engenho, que fornecem elementos a e^ta revis-
ita. O Gmio do Maly pelo sr. Arnaldo Gama, e Yiver para'
^Ojff^r, do sr.. Barbosa e Silva, são dois ensaios que devem ,
j ianimar os auctores á novas tentativas. O sr. Novaes, o To-
j .lehtino portuense, da mesma sorte largou a satyra popular,
; ,dp folhetim, para.se mostrar em toda a abundância da sua
' -vêia cómica e epigrammatica sobre a scena. O Quipro quú
tè uma chistosa farça, festejada com toda a alacridade do es-
.pirítp portuense,, mas onde não desejáramos vér satisfeitas».
. 'Cpm mão tão larga, as exigências do gosto popular. O sr.
^ovaes tem no se^u talento recursos bastantes, dos quaes pó-
4^ dispor com opulência,^ sem armar á ignorância das tur-
. itias ,p9ra obter p3 seu3 melhores applausos. O sr. Licinio
Cambem deu á. estampa; o segundo volume do seu theatro,
/ <eontendo:o dfjíma, o Rajah 4e BonsotUó. Este livro recom-
inendase principalmente pela dissertação que traz sobre a
' jQrigem da arte jdramjaitica. É um bello, esludo onde o eru-
4Uo poda enriquecer o ge^ espirito de investigação.
.; ,A Revista Peninsular, i comp ' publioaiÇ^O' consagrada a fra-
^rnisar a litteratpra dos doiis povos da peniQS«la. ibérica.
' /Q a ligar mais estreitamente os laços que os prendem pela
l
UTTERATURA 187
»
historia, pela poesia das tradições e pela s;inpathid,(}as aspi-
ja^ões moraes e sociaes, é ainda uma bella empfeza que o
.anno de 1855 se deve vangloriar de fazer surgir, como um
jpadrao da alliança intellectual de duas nações, a que a na-
tureza mandou abraçar como irmãs.
Tal é, pouco mais ou menos, a lista escolhida dâs pbras
litterarias que viu nascer o anno findo. Se não é gloriosa,
.senão marca um d.^esses períodos que irradia sobre a his-
toria das lettras o esplendor que se estende a muiios sécu-
los de distancia, é todavia notável de esforços, tentativas e
resultados, emprehendidos pelo talento e coroados péla il-
lustração publica.
Mas custa-me a depor a penna sem ter de niiencionar,
sequer, uma obra poética !... A musa da poesia, espavo-
rida dos estragos da guerra, * velou a fronte e nega os ac-
centos da lyra aos estros mais visitados dos favores da ins-
piração!... Em Portugal, como em França, como em Itália,
como em Hespanha, o alaúde dos seus bardos, se accorda,
é para desferir os sons roucos de algumas d'essas Neme-
sis, que mais aproximam as filhas do Parnaso dos furores
eumenicos, do que das estrophes dictadas nos dias felizes
da arte. Lamartine escreve a Historia da Restauração, e a
Historia da Turquia; Victor Hugo, o grande poeta, tornou-
se phamphletario; Alfredo de Musset exproba a sociedade
no theatro. Em Hespanha, o auctor da Moro esposito, Mar-
tinez de la Rosa, Quintana e outros, involvidos pelo turbi-
lhão de uma politica fraccionada, ou emmudeceram ou sol-
tam a voz apenas no parlamento; e tanto fogo e opulência
de imaginação só esplendem nas invectivas de alguma apos-
trophe tríbunicia, ou nas verrinas com que o jornalismo pro-
testa contra a oppressão ignóbil a que o condemnam.
Em Portugal o mesmo silencio da lyra, o mesmo retrahi-
mento dos melhores engenhos! Mendes Leal, fadado pela na-
tureza para pulsar todas as cordas do lyrismo, descreve hoje
os horrores de uma lucta, ante a qual a civilisação recua e
prantea a morte dos seus melhores filhos!... João de Le-
mos, o bardo inspirado que sobre as veigas do Mondego sol-
tou sons, onde tão indefinivelmente se combina o accento
nacional com toda a elevação e melancholia da poesia do Nor-
te, esperdiça toda a seiva do seu estro fecundo e original na
* A g^aerra da Grimea.
1S8 LITTERATORA
escripta quotidiana de um jornal politico!... António de Ser-
pa, BuihSo Pato, Lobato Pires, Palmeirim e outros filho&
tão queridos da musa popular, deixam-se egualmente im-
pellir por essa procella, que não deixa voar os espíritos,
ainda que os impulsos da alma os atire para as regiões in-
finitas do pensamento! Âté o cantor dos infortúnios do Bar-
do, esse que, pela índole e predilecção de seus estudos, ata
a cadeia dos nossos melhores engenhos poéticos entre Phi-
linto è Almeida-Garrelt, até esse, entregue ao sacerdócio do
ensino, solta a furto, e apenas ouvido de amigos, algum
d^esses voos que tão alto o elevam!...
Janeiro— 1856.
, 1
I ' >
REVISTA CRITICA £ LITTERARIA DE 1868
Já Dão é um trabalho difQcíl, nem sem fructo» esta tarefa
de analysar o resultado do emprego dos nossos espíritos
mais eminentes, no decurso de um anno. O movimento lit-
té^ario, o seu impulso, influencia e diffusão tornam-se um
facto que todos os dias apresenta noyas manifestações, e
cada dia mais valiosas e significativas. É penoso lançar olhos
inquietos e ávidos de curiosidade por um d'esses longos es-
paços, sobre que a mão do tempo vem correr o vóo do
passado, sem que uma obra se nos depare, sem que um
vestígio se descubra, onde o talento nos prove, como
marco milliario erguido pelas fadigas do viajante cosmopo-
lita, os progressos e conquistas que vamos realisando no
domínio tão largo e de tão vastos horisontes da republica
d|9S lettras ; mas é grato e ensoberbecedor encarar de frente
por esse estádio decorrido e ver que elle ficou assignalado
por mais de um indicio que attesta que os arrojos do en-
genho inventivo, que os voos ardentes da phantasia poética,
010, as meditações solitárias do génio pensador, por ahi pas-
saram no accesso febril do seu imaginar audacioso^: ou na
pceocçupação insistente de um cogitar profundo. Gomo que
um espectáculo, todo de actividade, mas de actividade in-
teliectuaU da mais nobre e fecunda das actividades, se nos
apresenta, enchendo-nos o animo de jubilo e ufania! É uma
iwçãg^ a pensar e a recolher, em depósitos perduráveis, as
riquezas do seu espirito. São as suas forças intelleetuaes,
comprovadas nas tentativas já triumpbantes de seus filhos
privilegiados. É a historia compendiada dos progressos da
rasSo e d^ phantasia, attest^dia em fructos de pura inspira-
190 LITTERATURA
ção litteraria, ou iDfluida pela força e influxo da acç3a
social. Â par do livro de poesias que nos confia as horas
talvez afflictivas da alma que esvoaça sobre abysmos de dor
inQnita, èncontra-se a concepção mais vasta e complexa do
romance que se inspira da sociedade e a retrata: junto do
drama que surprehende a vida na sua lucta inlima, vem
agrupar-se a comedia que ri o riso da satyra, porém da
satyra jovial e pulida que traz comsigo a lição, sem dispa*
rar a setta hervada da personalidade. Mais longe a investiga-
ção histórica, o estudo archeologico, os modelos de elo-
quência, os ensaios da critica no seu empenho infatigável
de esp^irgir clarões de luz benéfica por tod:is as veredas
dos conhecimentos humanos, os tratados de philologia» os
escriptos menos ambiciosos mas de generoso e fecundo al-
cance qiie levam aos ânimos infantis as primeiras noções
do saber: e por entre todas estas obras, producto de iriui-
ta \igilia, exitó que eVIdenceia a eflicacia e seriedade dos
esforços da intelligencia, convergindo por longos rodeios e
vias indirectas para o mesmo ponto, apparece-nos a no-
vèlla ligeira, o folhetim de uma hora, o desafogo da censura
jovial, a polemica accesa nas indignações do orgulho, o pam-
phlelo que vendica a rasão dos ultrages da insufliciencia pe- .
tulante, . lampejos rápidos da mente phantasiosa, fogos pas-
sageiros do espirito irritável, desabafos do talento repellido,
que, em seus esgares de chufa e tregeitos epigrammaticos,
se confundem, intermeam e entrelaçam cora todas as outras
composições de grave e colossal estatura, como os episódios
truanescos dos quadros de Miguel Angelo, agrupando-se em
engenhosas combinações com os seus personagens princi-
paes, personificam muitas das satyras da vida na sua ex-
pressão mais condemnaloria e maligna.
E doesta ahalyse momentânea, doesta apreciação em glol>D
resulta um trabalho facH de avaliar n'um repente, e que só
muitos tnezes e sérias applícações de estudo poderiam coq*
seguir, quando se quizesse inquerir de per si cada livro
que entra n'esta galeria. Além dé que, n'esta exposição de-
todas as obras, isto é das mais notáveis, das que em si enr
cerram os traços indicativos de uma vocação definida, oa
que patenteara os fructos já maduros de uma cultura bem
dirigida, é onde se pódè conhecer a direcção geral dos es^
píritos, as suas preoccupações, ou influencias a que ced6m .
e' as leis de gosto que partilham. E da mesma sorte è de* •
LrrrERATUAA 191
baixo d'este ponto de vista que esta resenha se torna pro-
fícua, pois é debaijco d'esle ponto de vista que resume, no^
esboço rápido das melhores producções dos nossos erige*'
Dhos, um capitulo documentado dos andiantamentos da so-
ciedade em que vivemos. Â iitteratura, e principalmente a
litteratura dramática, a não retratar com exactidão o rtiovi--
mento positivo da sociedade, retrata o estado das imagina'-'*
ções; e, quer n'um quer n*oulro caso, manifesta sempre, •
mais ou menos, a expressão moral de um povo. É por istõí
que, espraiando a vista pelo anno de 1858, deparámos com
um quadro lisongeiro de certo para os estímulos do amor
próprio, porque n'elle divisamos, já enlaçados pelos brincos
da mente poética, similhando os festões que' pendem dos
fustes de úma columnata corynthia, symbolo de força e es-
teio de construcção, também trabalhos sólidos que podem'
offerecer egualmente pontos de apoio e meios de equilíbrio
e futuras tentativas da nossa mocidade estudiosa.
Diga-se o que se disser: o anno findo é já para nós um'
legado valioso, por que todos podemos haver n'elle o nosso
quinhão. E é de certo no movimento que ultimamente evi-
denceia a litteratura dramática que melhor se aprecia esta
verdade. O drama histórico, como mania de época, passou.
Falíamos do drama histórico obrigado a xácara, em que a
castellã, mais esmerilhadora de antigualhas que o bibliophilo
Jacob, nos dava uma edição verbal dos archaismos do Eluci-
dário de Viterbo, nas imprecações tremendas de um drama '
enluctado de scenas horripilantes. Hoje a direcção dos es- ^
piritos é outra. O talento dramático conhece melhor as ne- '
cessidades do theatro, e a virtude do seu predomínio. O es-
tudo da actualidade, como meio indirecto de estudo do co-
ração humano, fecundou a imaginação do escriptor, e enri-"
queceu-lhe e fortift ou-lhe as faculdades de analyse. Os Ho-
mens sérios, drama bem recebido no theatro de D. Maria II,
apresentaram-se como um effeito doesta elaboração de idéas.
O titulo resume um thema moral dos mais difficeis de ex- :
planar no palco, conforme se produz na diversidade e mul-
tiplicidade de seus typos e accidentes da vida real. Assim
considerado, a producção do sr. Biester restringe, de cer-
to, o quadro a poucos traços, e o estudo offerece-se incom-
pleto. Porém, o que mais prende o publico, o que mais at-
trahe a sympathia dos corações generosos, é aquella vista
resignada de um marido hypocrita e cruel. O fim da des-
192 LITTEHATURA
ditosa Amélia resume um lance angustioso que deixa n'al-
ma do espectador penosas lembranças. Como a Margarídaí
Gautier, de Dumas filho, aquelle espirito desata-se dos en-
ganos do mundo, e võa para espheras de perfeição infinita,
como quando animou aquelle corpo, que agora jaz inerte^
sempre voara também superior ás injustiças dos homens. Â
Nobreza de alma, afiíectuoso quadro do viver íntimo, do
mesmo auctor, é uma composição em que os sentimentos
poros e generosos predispõem lances, onde o coração lu-
cta com o caracter em nobre e magnânima lucta. Uma na-
v^iQ, ligeira nuvem de desconfiança, annuvia por instantes
os purpúreos horisontes do amor em que respiram aquellas
almas. Leonor tem zelos de seu marido. Mas a nuvem pas-
sa; e o céu, restituido á sua antiga pureza, torna a illumi-
nar-se de esperanças, e essas esperanças convertem-se em
realidade. Luiz Bacellar, o generoso pintor, abraça sua es-
posa e o sympathico doutor, achando, n'uma, a esposa que
faz justiça aos rasgos elevados do seu procedimento, e, no
outro, o amigo dedicado que lhe grangèa uma posição va-
liosa para a sqa carreira de artista.
Esta peça representou- se pela primeira vez no anniver-
s^rio da joven rainha ^ O publico, na expansão de seus
iastinctos nobres, não deixou de entrever mais de uma al-
losão que se fazia a um alto personagem ^, a quem todos
estimam pelas qualidades eminentes do seu espirito illus-
li?ado e liberalidade de acções.
Depois tfisso vêem doas comedias, ambas portuguezas de
lei, ambas cunhadas pelo séllo da tradição popular,, que são
aS( Prophmas de Bandarra, do auctor do Gil Vicente, e a
Pedra das carapuças, do sr. Cascaes. As Propkecias de
Bandarra são obra posthuma e incompleta, mas ainda mes-
ma assim basta o traço de mestre do dialogo, do sapateiro
com o boticário, no primeiro acto, para assegurar os dotes
de observação do grande escriptor, que nenhum, como elle,
possuiu o condão de fazer fallar o povo £| sua linguagem.
A Pedra das carapuças resume um estudo de costumes,
a que.communica vida uma das mais lindas e poetisas tra-
dições populares. Não sabemos o porquê, mas como que
DO» sentimos levadoç para aquelles tempos ainda de tran-
^ Â rainha D. Estep&anla.
' £I-rei o Sr. D. Fernando.
UXTBKATORA 193
quilla e festejada recordação, em que a physíonomia do vo-
lho Portugal transparecia mais limpa dos arrebiques estrao-
{[eiros em todos os typos da sua alta e baixa sociedade.
Aquella morgada empertigada pelas suas altivezas de lidai-
^uia ; aquelle velho alferes de milícias do termo, e sem ter-^
mo^ como lhe chamou o padre José Agostinho de Macedo;
aquelle boticário, chronica viva da terra e passatempo dos
serões pela sua garrulice motejadora, todas estas figuras for^
mam um conjuncto agradável, eo) que reconhecemos feições
nossas e avivámos sympathias.
E que manancial inexhaurivel não ha ahi para os chistes e
similhanças da nossa verdadeira comedia, da nossa comedia
fina, trajada á portugueza ! O sr. Gascaes já nos havia apre-
sentado Giraldo sem sabor ou a noite da Praça da Figueira^
e outros tentamens do mesmo género, que, seguidos como
exemplo, podem servir para fazer reviver a comedia nacio-
nal. Os seus serviços são incontestáveis. Ninguém, como
6lle, inquire estes accidentes de localidade e procede á ex-
homação dos segredos que a mão do tempo tem ido sepul-
tando, extinguindo assim os vestígios de eras que não vão
longe, e que comtudo o descuido ou antes a ingratidão dô
todos nós deixa apagar de superfície da historia e da tra-
dição, como se um lapso de séculos e a estranheza de po-
vos longiquos se houvessem erguido de permeio. Felizmen-
te ha homens estudiosos e desvelados pelas cousas da sua
terra, como o sr. Gascaes, que vingam a índole do seu paíz
4e taes ultrages dos próprios filhos; e, quando os não hou-
vesse, lá subsiste a memoria do povo, essa historia viva
que se transmitte de geração a geração, como um culto de
x^rença erguida no íntimo de todos, que continuará a pro-
testar, fundando n'essas usanças, superstições e lendas mui-
tas das normas da sua existência moral.
Não nos deve esquecer, como tentativa auspiciosa em que
^e desata a veia cómica do observador dos ridículos da so-
ciedade, a pequena comedia Cezar ou João Fernandes^ que
denuncia no seu auctor, o sr. Moraes, um mancebo do Por-
to, uma imaginativa fértil n^estes enredos fáceis, cujo alvo
é aproveitar um typo, ou um caracter para o fazer sobre-
sair nas combinações chistosas de alguns diálogos bem re-
plicados.
De um género inteiramente diverso, a Nobreza de Amor
attrahe a attenção da platéa» pela singeleza de uma fabula^
TOMO 1 i3
194 UViflsitAVimA
que pôde ser de todas as épocas, porque se inspira dos
princípios abstractos das grandes verdades moraes. Não é
um enredo, com as suas curiosidades e effeitos de intriga,
nem uma lucta de caracteres, animando-se a idéa inicial do
embate reciproco da diversidade do ver e sentir d'esses
mesmos caracteres, é uma dissertação sobre o mais nobre
dos sentimentos, sobre os deveres do amor desinteressado.
E nisto se explica o applauso do publico, porque estes exem-
plos de elevada aspiração moral, embora não os singulari-
sem todos os prestigies do movimento dramático, sempre
encontram peitos escolhidos, onde acordem eccos e deixem
recordações.
A Caridade na Sombra também é uma peça do sr. Bies-
ter. Basla-lhe o intuito evangélico, que se infere do titulo,
para attrahir as sympathias de qualquer povo, como o nosso,
cujo ahimo se inspira d*esta fecunda emanação da divinda-
de. Mas é que o drama não vive só da sublimidade doesta
inspiração moral; outros sentimentos, não menos fervorosos
e dignos, dispõem um grupo de figuras em que palpitam
puros e nobres corações. O sentimento evangélico illumina
o quadro unicamente como uma frecha de luz que atraves-
sasse as trevas das pequenas ambições do mundo; e é d'este
contraposto de claridade e sombra que despontam os asso-
mos de comedia que tanto concorrem para alterar, com apra-
zível variedade, a acção sentimental do drama.
Os typos pretenciosos e ridículos da baroneza e seu ma-
rido sahem bem ao pé dos semblantes graves de Francisco de
Gouvêa, de Miguel Tavares e sua esposa. E é n'este sentido
que a Caridade na Sombra assignala um período novo fias
lucubrações do auctor. O drama intimo, que viva só das
luctas do coração, ou dos voos da alma que se compraza
de procurar no desapego infinito de suas aspirações as rea-
lidades do seu mundo ideal, ou produz a elegia, ou a ode,
elegia e ode per?oniflcadas nas sensações de dois ou três per-
sonagens, porém sempre esforços de um lyrismo que de-
Tora pelas angustias de um peito ulcerado, ou desvaira pelo
arrojo de uma phantasia delirante. Este género modificou-o
agora o sr. Bíester, vendo a sociedade melhor, e acceitan-
do-a como ella se nos offerece nos seus contrastes, excen-
tricidades e ridículos. A historia da alma e da bete, de Xa-
vier de Maistre, encarnada séculos antes nos dois typos im-
jnortaes de Cervantes, apresenta um modelo e um conselho
LTITERATimi 195
que nenhum pensador deve despresar. Existe n^ella a fus3o
dos elementos do verdadeiro drama.
O anno de 1858 íecbou no theatro de D. Maria com o
bonito drama, O Arrependimento salva, e com a comedia
A fabula de leão e a pintura. Este ultimo trabalho do sr. An-
tónio de Lacerda denuncia também, e de uma maneira vi-
ctoriosa, uma modificaçlio nasidéas e predilecções litterarias
do escriplor. O auctor dos Portuguezes na Índia e a Rai-
nha e a aventureira, isto é do drama desenvolvido na al-
tura da grande exaltação de sentimentos, passou de repente
para os salões doirados e espirituosos da comedia da actua-
lidade, da comedia satyrica, mas satyrica dentro dos limi-
tes impessoaes do epigramma que se perde no vago das
generalidades, mas não sem haver logrado despertar as gar-
galhadas da plaléa. Verdade é que o sr. Lacerda já no seu
drama Fazer fortuna nos indicava esta transição: já alguns
personagens, criticas picantes de varias figuras da época, alli
nos apparecíam, mostrando-nos com vantagem o que o au-
ctor poderia, se tentasse o género. Tentou-o, e fez bem. A
Fabula de leão e a pintura deve instigal-o a proseguir.
Quando esta comedia foi á scena, escrevemos estas pou-
cas linhas:
«Ha comtudo a registar o apparecimento, no theatro de
D. Maria, da Fabula do leão e a pintura, comedia em 3
actos do sr. António de Lacerda, que teve bom acolhimento
-B que nós por mais de um motivo festejamos. A Fabula
do leão e a pintura significa uma mudança completa no gé-
nero que até agora cultivava, com mais predilecção e insis-
tência, o seu auctor. O sr. António de Lacerda, que deu á
scena portugueza a Rainha e a aventureira e os Portugue-
zes na índia, foi por bastante tempo entre nós o ultimo e
fiel representante da escola que se inspira do jogo vehe-
tnente de paixões do theatro de Victor Hugo e das peripé-
cias dos dramas de Alexandre Dumas, pae. Essa escola teve
as suas sympathias e as suas glorias: filha de um movimento
de reacção litteraria, tornou-se exagerada como todas as
reacções. Apezar dos rasgos hyperbolicos a que se sentiu
compellida mais de uma imaginação desvairada pelos exem-
plos dos grandes talentos que se apresentaram como cori-
pbeos d-este género litterario, os seus serviços não podem
deixar de se considerar notáveis. Reagiram e emanciparam-
86 do dogmatismo clássico; e os germensde uma litteratura
196 LITTERATURA
nova, mais nacional, mais verdadeira, e por isso mais po-
pular, ficaram depositados no espirito de todos, florescendo
e fructiiicando depois em obras mais sasonadas e reproda-
ctivas.
«Porém o domínio da escola ultra-romantica passou: veia
a reflexão e a analyse; e os voos audazes da phantasia, per-
correndo os quadros mais lúgubres da historia, perderam-se
DOS borisontes sem limites de um mundo de paixões deli-
rantes, deixando á observação do moralista dramático o
exame da sociedade que nos rodeia, com a sua multiplici-
dade de episódios, incoherencias, typos.e excentricidades.
«O sr. António de Lacerda, talento esclarecido por es-
tudos bem elaborados, não podia deixar de sentir em si o
impulso latente, mas progressivo, mas irresistível doesta
transformação, e da mesma forma que se havia apresenta-
do como partidário distincto da escola romântica, apresen-
tar-se egualmente um escriptor apreciável no género que
acceita a actualidade como elemento próprio e o mais fe-
cundo para produzir os seus resultados no palco. A Fa-
bula do leão e a pintura, comparada com a Rainha e a
aventureira, ou com os Porluguezes na índia, mostra a
distancia em que o auctor se collocou, não só nos géne-
ros, porque o género histórico deve ter sempre as feições
da época e dos personagens que a animem, senão na differen-
te maneira de conceber uma producção dramática segundo a
diversidade de influencias que actuam sobre o nosso espiri-
to, e principalmente nos effeitos d'essas influencias, manifes-
tadas na delicadeza e chiste de uma urdidura fácil, que prova
quanto este escriptor se inspirou dos verdadeiros mestres
da scena moderna, como Emilio Augier» Júlio Sandeau e
Dumas filho.
< A Fabula de leão e a pintura não é uma comedia de in-
triga, nem uma comedia de caracteres, é um jogo ligeiro e
espirituoso de perfis esboçados ao correr do lápis: é uma
.galeria de episódios, mas encadeados com arte, e todos su-
bordinados a uma idéa predominante. Esta idéa, que o au-
ctor symbolisa na antiga fabula do leão e a pintura, é des-
mascarar as culpas dos homens e a sua pouca generosida-
de, retratando-se sempre triumphantes, porque são elles os
pintores. Porém, n'esta comedia é a mulher que toma auda-
ciosamente o pincel, e vendíca o seu sexo, delineando o qua-
dro, e metteado-ihe o collorido de modo que nem sempre
LITTERATURA 197
fica dos mais lisongeiros para nós outros. E eis a razão
porque o papel da mulher da sociedade presente apparece
expresso com mais intenção, verdade e relevo, sacudindo
para cima dos homens os defeitos, e por vezes os ridicTulos,
que a pouca imparcialidade d'elles intenta fazer suppor in-
natos e característicos da indole feminina.
lEste pensamente, só per si, apresenta o sr. Lacerda como
um campeão sympathico ao lado das phalanges amáveis;
e nós, ainda mesmo vendo-o passar com armas e bagagens
para o arraial do bello áexo. não podemos deixar de o
applaudir, sem grande humilhação para a nossa vaidade, e
dizer-lhe que tem razão.»
No Gymnasio, o movimento litterario lambem se fez sen-
tir. O Defensor da egreja, drama sacro de grande espectá-
culo, do sr. César de Lacerda, revela estudo. Mais de um
lance se inspira dos Martyres de Chaleaubriand, e Sebastiãa
se não è o Eudoro, na elevação épica do poema do emi-
nente escriptor francez, anima-se do mesmo fervor e puro
affecto christão.
Seguem-se duas comedias, ou antes dois quadros, um
notável pela lição que do seu exemplo pôde seguir-se para
as classes laboriosas, outro espansivo de movimento cómi-
co, e ambos do sr. D. José de Almada. O Casamento sin-
gular e a Associação na família mostram duas phases do
seu talento para a scena. A Associação na familia é uni
ensino á classe pobre: diz-lhe que da sua perseverança no
trabalho, e da associação dos seus esforços, no santo e puro
grémio da familia, resulta a abundância dos bens da fortu-.
na. Avaliando os intuitos e alcance doesta comedia, já havía-
mos escripto, entre outras reflexões, o seguinte:
«D. José de Almada é do povo pelo coração, e homem
de lettras pelos dotes de espirito. O pensamento que o de-
termina n'estes seus ensaios, animado lodo de um desejo
fervoroso de progresso moral, illnmina-se da verdade da fé
chrislã. tão resplandecente e vivificadora em todos os pre-
cipícios das veredas da existência.
ffN'este ponto, o auctor da Prophecia está bem longe dos
espíritos facciosos, a quem o desejo de lisongear o povo,
e não o cuidado do seu adiantamerito moral, é a única ins-
piração que os domina, inspiração que mal disfarçam, com
os artiflcíos do estylo, as vistas insidiosas do falso reforma-
dor ou do propagandista, que existe por detraz do romaa->
198 UTTfifiATURA
cista OU do dramaturgo. D. José de Almada, pelas tendên-
cias do seu caracter, pela eschola a que pertence e de que
se tem ostentado soldado audaz e perseverante, não tem
parentesco algum intimo com esses talentos agitados por
um estéril pensamento democrático; pertence, pelo contra-
rio, á raça sincera e franca, mas ardente de desejos e tenaz
nas suas idéas de reforma, dos homens que, como Jeremias
Golthelf, actualmente em Allemanha, desejam derramar o
bálsamo da consolação em muitas feridas profundas, que
roem a vida e amortecem todas as nobres aspirações nas
classes inferiores. Esta raça de escriptores populares era
bem que tivesse um adepto entre nós, e nenhum de certo
melhor do que o auctor da Associação na família, pelo
amor desinteressado ao pobre povo e pensamento fecundo
de o levar pelo caminho da religião @ do trabalho a uma si-
tuação perdurável de felicidade, que transluz em todos os
seus ensaios d'este género.»
O Abel e Caim é a estrêa de um mancebo de engenho,
mas cujo titulo, que resume um profundo thema moral, o
comprometteu de certo. Como indemnisação para o publico
do Gymnasio, apparece o Segredo de uma família, drama-
comedía vasado nos moldes da escola analytica, o qual es-
tabeleceu lisongeiros créditos dramáticos ao actor Santos.
Varias producções de menos monta ha que registar ainda,
como o Café concerto, O juízo do mundo, Um dia de inde-
pendência. Homem das cautellaSf distracções de alguns mo-
mentos, satyras de occasião, intervallos cómicos, farças ga-
lhofeiras, que são como os saynetes de theatro hespanbol,
para desenfadar as platéas de composições mais sérias.
Porém, que não esqueça o bello remate do anno, o en-
graçado intervallo cómico, Os effeitos do vinho novo, era que
Taborda resume todas as faculdades do seu prodigioso ta-
lento de imitação. Os sectários de Baccho, não do Baccho
mythologico, mas do Baccho muito dos nossos dias, a quem
o oidium tuckeri devastou os domínios, festejam o confrade
com inveja e ufania, e aquelles que o não são, riem a bom
rir da jocosidade do comediante.
Ha ainda differentes producções nos outros theatros, á
que esta revista não pôde deixar de comprehender, no seu
curso rápido. Anjo Maria é de certo a melhor obra do sr.
€ezar de Vasconcellos: é um drama de uma acção simples,
mas cajo dialogo prende a attènção do espectador pela sin*
UTfBBAVOBA 199
'geleza de algumas situações affectuosas. No Cerco de Ba*
dajoz, do mesmo escriptor, appareee um episodio da guerra
peninsular, disposto com arte para estimular os brios pa-
trióticos de uma platéa popular.
Mas façam praça, e deixem passar a rainha da época, a
maga de condão irresistível, a Girce que reduz os especta*
dores á condição de autómatos boquiabertos; deixem pas*
sar a magica, a maligna tyranna dos espíritos, o salvaterio
sonhado de empresas em apuros de ãnanças, a cubicada
pasmaceira da população ribatejana; deixem-na passar, que
ella ahi vae precedida do génio tutelar das bagalellas, sal-
tando-lhe era turbilhões doudejantes, na frente e atraz, os
gnomos e sylphides dos seus esconjuros, que se estorcem
em visualidades de effeito assombroso, procurando os gei-
tos, os esgares, as tropelias, as transformações, as incríveis
o inimagináveis metamorphoses que só asMorganas, Amidas
e Mesulinas todas do universo, tendo á sua frente o pri-
meiro bruxo dos abysmos infernaes, poderão realisar, para
ter suspensas, nas convulsões de uma permanente hylari-
dade, as platéas mais boçaes dos domínios da boa fél
E a magica não invadiu só as Variedades e Rua dos Con-
des, scenas climatéricas de bruxedos e malefícios, onde nas-
«ceu e medrou o magico de Salerno e o diabo engendrou o
annel de Giges: este monstro, como a Sphinge, aliiou to-
das as curiosidades e estendeu a sua fama a todos os po-
yos. Novo Proteo, chamouse Príncipe Verde na Rua dos
Condes, Ráno das Fadas nas Variedades, e até attentoa
contra a santidade da Bíblia, indo furtar ao sábio rei Salo-
mão o seu annel, só para obter entrada no Gymnasíot... ^
Vejam a que ousadias a temerária se não abalançou!
r O romance é o género litterario que se identifica com o
tbeatro por mais estreitas relações, por isso o vemos appa-
recer com o mesmo desenvolvimento e symptomas.
Á frente dos nossos romancistas continua a Qgurar Ca-
millo Castello-Branco, o talento vigoroso, o observador pe-
netrante que reproduz do natural os accidentes da vida com
a exactidão de desenho e verdade de colorido dos grandes
* Uma magica representada no Gymnasio com o titulo de Annel do Sa^
iomão.
^2?
200 LnTBlUTDRA
pintores realistas. Torna-se diCBcil escrever d'esle escriptorSí
em poacas linhas, e ainda mais do género de inspiração de A
que elle é o órgão e muitas vezes o próprio heróe. É real- \
mente indispensável que elle possua o sentimento da poe-
sia cavilhado á alma, como diz Cuvillier-Flenry. Paliando de 1
Henrique Heine, para resistir ás mostras de máu gosto de /
uma sociedade composta de indivíduos abençoados por uma j
estúpida fortuna, como aquella que o rodeia! E Camillo Cas- /
tello-Branco não deixa por isso de ser o poeta, a imagina-
ção viva e prompta, mas torna-se o satyrico. Das tenden^
cias do seu espirito em conflicto cora as contrariedades bur-
lescas que uma sociedade multiforme e absurda lhe poe ena
frente, nasce a lucta de idéas que dispara os seus melhores^
epigrammas. Em cada quadro que sahe da sua* penna ha
de certo muita dor compadecida, muita resignação nobre-
mente exaltada; mas, no auge de indignação do seu anima
irritado pela ostentação dos orgulhos ineptos que a ironia
do acaso improvisara, o escalpeílo de Rabelais acode a agu-
çar a penna do romancista, e o romancista acaba por tro-
car a penna pelo escalpeílo e dissecar as carnes do primeiro
parvo ou egoísta que se lhe apresenta. Porém, com que
graça, com que rodeios tão frisantes e originaes, com que
certeza e celeridade de golpe, com que gargalhada estri-
dente e ferina elle não amarrota essas vaidades, atirando-
Ihes ás faces as zombarias de uma satyra implacável I
Ás vezes a observação das chagas postulentas da corrupr
ção personalisada, que por ahi se pavonêa de commenda ao
peito e titulo de visconde na algibeira, torna-o ura d'esses
pintores nimiamente meticulosos, os quaes fazem consistir
os prodígios do seu pincel na reproducção quasi microscó-
pica das minúcias da realidade; porém, os voos da sua phan-
tasia, pela força virtual que os impelle, erguem-no súbito
d'estes lodaçaes, e ainda mesmo tocando a terra cora as
suas sandálias, percebe-se que o talento lhe nascera para
se ostentar na região das brilhantes ficções.
Même quand Foiseau marche, on sent q'il a des ailes.
Não é fácil dizer o porquê, mas o seu livro Duas horas
de leitura é um dos livros que mais fundas impressões nos
deixaram. Não é um romance, são as angustias de duas ou
três almas desditosas^ contadas com a memoria da saudade
UTTERATDRA
201
\
[que dilaceram, e a efifusão de sensações excraciantes. O cora-
[ÇBO e a phantasia reinaram sós e despóticas n'estas paginas:
as faculdades do philosopho e do eslylista obedeceram-lhe
cegamente. Que melancholica poesia nao existe n'aquelles
amores de Paulo e Mathilde! Aquella capellinha, que alveja
ao sopé da egreja de Lessa, passa e repassa na imaginação,
como o alvo phantasma de uma mulher que amassemos com
extremoso affeclo. E que tristeza não respira, todo aguelle
conto Sete de junho, em que o auctor narra a fatídica* e mys-
teriosa morte de um seu amigo f Mesmo a Recordação in-
delével, que não passa de um delírio de poeta, como os ima-
ginava Hoffmann,;encerra um inexplicável attractivo de sau-
dade e poesia. Ha o que quer que seja de vago, de inde-
ciso, e phanlastico em toda aquella narrativa, aliás tão sin-
gela e magoada. E diante d'aquella recordação da Maria do
Adro, não é verdade esvoaçar-nos a imaginação, tentando
fugir a tanta angustia, mas debalde, fascinada pelo segredo
d'aquella pathetica sympalhia, como a mariposa attrahida
pela luz que a devorai O esqueleto da pobre rapariga como
que nos apparece. Aquella caveira de alvura de jaspe, sus-
tendo ainda os dentes que conservam o verniz do esmalte;
as phalanges d'aquellas mãos que o auctor beijava e que
não tem a mais ligeira mancha; aquella symetrica inserção
das costellas que faz lembrar a cúpula de uma urna, onde
um anjo do céu foi buscar o coração que não era da terra,
tudo isto resume a expressão singela de uma melancholia,
que só o coração do poeta sabe sentir, quando geme ins-
pirado pelo génio das tristezas infinitas.
Camillo Castello-Branco publicou também, no anno pas-
sado, mais dois livros: a Vingança, e o Que fazem mulhe-
res. A primeira leitura do titulo d'esta ultima obra suscita a
idéa de uma physiologia de Balzac, em qus a sagacidade ana-
íytica do auctor e as maravilhosas faculdades do seu estylo
descriptivo se poderiam ostentar com vantagem para a de-
monstração de similhante these; mas tal impressão rápida
se desvanece, vendo o assumpto reduzido ao quadro restricto
de um amor contrariado, em que o sentimento filial se exal-
ta na prova do maior heroísmo de que é capaz a mulher,
pela resignação, e pela resignação em todas as perigosas
consequências do pudor ultrajado da filha e da esposa em
favor de uma mãe adultera.
A Vingança será uma ficção ou uma realidade? É me-
202 LnrmmAiruxA
Ibor nSo o saber. Deixemos antes suppor que a mente do^
romancista se compraz de crear rfestas monstruosidades»
que enchem de opprobrio a sociedade moderna, do que as
julguemos possiveis de realisação. Mas em todo o caso, que
negra sorte a de Constantino de Abreu e Lima, tornado de-
pois barão da Penha ! Sâo taes factos na existência do ho-
mem que explicam depois a demorada ago nia no pungi r
a cerbo do remorso. ^ "*"*" ' —
Ainda mais um livro de malaventurado desfecho, a Vida
em Lisboa, de Júlio Machado. Custa a crer como aos vinte
annos, com a imaginação a florir, possuindo-se um génio
que desafoga tão facilmente nos chistes de uma conversação
deleitavel, se escrevam cousas tão totuosasl
O final da Vida em Lisboa é quasi um final de Dovella
allemã. O leitor, engodado pelo titulo, presume ter de as-
sistir a uma d'essas exposições physiologicas, em que o dedo
do analysta vae indicando a natureza e funcções dos ele-
mentos vitaes da existência da capital. E efíectivamente Lis-
boa, nos seus accidentes mais caracteristicos, e no seu vi-
ver mais universal, ahi apparece, como um quadro cheio
de contrastes, onde brotam e robustecem os amores de dois
jovens com quem desde logo engraçámos. Porém, depois?
Depois o leitor paga caro a sua curiosidade de mero íou"
rista, porque os trances aíHictivos de uma paixão infeliz
começam de seguir-se, e a impressão é mais pungente,
vendo a mão da morte cingir a coroa do sepulchro áquel-
les amores que as nossas esperanças acreditavam risonhos,
mesmo através dos infortúnios de uma sorte adversa.
O estylo é tudo n'este livro, não pelo que é, mas pelo
que promette ainda ser. Ha uma combinação de sensibili-
dade e de Ímpetos de phantasia em todas aquellas paginas,
que só é natural determinal-a o condão do estylo feminino.
Observa-se, sobretudo, uma tendência para o género epis-
tolar, o que mais justifica este reparo. Ha o sentir fino e
delicado, e a fluência elegante, que parece facilitar a mani-
festação abundante d'estes dotes. Já lá vae o tempo das no-
vellas de mads. de Genlis e Cottin, comtudo talvez os mo-
delos que ellas nos legaram, nas cartas de Amélia de Man^^
fiel e dos Serões do Castello, impressionando o auctor na
infância, contribuíssem para lhe aprimorar um género, que
não é commum á índole litteraria de nossa nação.
A Mulher do século é outro romance de um mancebo
uTTsaATimA 303
que auspiciosamente encetara a carreira litteraria, o sr. Marr
quês Pereira. Mas, por Deus, que é das suaves chymeras,
dos sonhos fascinadores da mocidade, que esvoaçam como
turbilhões de borboletas, cujas azas reflectem as cores de
um matiz realçado por mil focos de luz?! Esse paraiso das
imaginações juvenis seria já de todo despovoado pelo taci-
turno e fatídico arcbanjo dos desenganos ?
Os sorrisos da existência, o sopro embalsamado da ven-
tara, não serão agora senão trevas, apenas fendidas pela luz
sanguínea dos relâmpagos nas tormentas da sociedade?
Cremos que sim, pelo menos os seus prophetas e analystas,
os homens de lettras, assim nol-o affirmam. A Mulher do
século é um d'estes tristes documentos de uma alma de
mancebo que sente desbotar as flores do ideal para accor-
ãar analysta do coração feminino.
Todavia, a critica tem direito a não acreditar n'estes sce-
pticos que, ainda nos primeiros passos da vida, se assentam
já á beira dos abysmos das tempestades humanas, a con-
templar os seus estragos. Devia talvez dizer-lbes o verso de
Victor Hugo :
Âllez vons en avec tos fleuis tautes fanées,
mas não : a phantasia tem caprichos que uma alma de man-
cebo não sabe reprimir. E quando esses caprichos são os-
tentados em auspiciosas qualidades de escriptor, a critica
emmudece e espera, porque os annos, a reflexão e o tempo
operam o que ella não poderia conseguir.
Entrámos agora mais desassombrados nos domínios da
poesia. O seu borisonte límpido e banhado de luz deixa
respirar largo e embriaga os sentidos. Os aspectos da vida
real, como nol-os-ia apresentando o romance, traziam-nos
uuvens luctuosas ao espirito.
O anno findo conta três livros de poesia, todos de valor,
todos desejados pela curiosidade publica. Parte dos Cânti-
cos áo sr. Mendes Leal já o amador das lettras conhecia;
mas agora, colhidos e agrupados pelo título emblemático
de lyra, harpa e alaúde, reúnem, n'um conjuncto de raptos
brilhantes de suaves modulações sopradas sobre a cythara
antiga, e de endeixas que o génio da poesia moderna ins-
pirara nas horas de desillusão, as três manifestações mais
âistínctas do talento lyrico do illastre vate. Ha muito prir
204 LITTERATDIU.
mor de forma n'esle livro. E n'este tempo, em que as leis
a segredos do machinismo poético são tão pouco respeita-
dos, um livro d'esles possue a valia de uma riqueza litteraria.
O sr. Francisco Gomes de Amorim também reuniu n'um
bello volume os seus versos derramados por tantos perió-
dicos e publicações, a que accrescentou outros recentes,
pondo a todos o titulo de Cantos matutinos. Esta alvorada
do sentimento poético desponta para o mimoso cantor com
todas as suaves bafagens, com todos os vivos e prismati-
ticos reflexos de um esplendido sorriso da natureza. Go-
mes de Amorim é, principalmente, um poeta do coração :
sente mais do que delira, n'esses delírios embora accesos
pelo fogo sagrado da inspiração. Em geral, as suas poesias
marítimas são as que se recommendam sobretudo pelo vi-
gor do estylo, levantado por vezes de bellos pensamentos.
Mas porque motivo o mancebo, poeta, que é nosso por
uma adopção para nós lisongeira, e brazileiro por aquelle
sentimento nostalgiaco que não deixg jamais de martyrisar
os peitos abertos aos grandes affectos, porque motivo se
não inspirou das altivas e vigorosas scenas da America, cu-
jos aspectos e maravilhas de vegetação levam os germens
da poesia a toda a imaginação viva e impressionavel? Infe-
lizmente este reparo não cabe só ao sr. Gomes de Amorim,
cabe a todos os vales brazileiros, com varias excepções.
Deixem, porém, anininciar-lhes a segunda edição de um
livro, que é como. novo pelas excellentes condições de que
foi accrescido e pela anciedade com que era desejado.
Falíamos das Poesias do sr. Soares de Passos, um dos
mais incontestáveis talentos portuenses.
Soares de Passos pertence á família de creaturas escolhi-
das, de espíritos de eleição, que, no meio de um materia-
lismo invasor e das túmidas provas de uma indiflerença cal-
culada, conservam no coração e no pensamento, como re-
fugiados n'um vaso de symbolico perfume, a pureza do sen-
timento religioso e o amor ás cousas da pátria. É um ele-
gante e amável theosopho feito para amar, para crer e orar.
As impressões e inspirações de Lamartine agitam-lhe o peito
e accendem-lhe o eslro. O gosto das meditações solitárias,
os extasis do espirito ante as magestades da creação, os
raptos enthusiasticos pelas tradições gloriosas da nossa his-
toria, eis -os mysterios e os fogos que ardem e se refugiam
dentro do sacrário d'aquella alma. Uma lyra, allumiada por
LITTERATURA 205
uma lâmpada de santuário, poderia ser o emblema do seu
talento: o hymno exaltado pela unção religiosa.
Quizeramos aqui reproduzir algumas das suas formosas
paginas ou estrophes; e que paginas ainda frementes das
sacrosanclas convulsões do estro, e que estrophes segreda-
das nas horas em que o génio da poesia parece eucerrar-se
todo no peito de seus predilectos! Mas a natureza doeste
trabalho pouco o permitte. É-nos apenas dado lançar um
olhar de admiração ao seu livro, e saudarmos o mancebo
trovador na sua passagem gloriosa. Âs poesias, A Pátria,
Camões, O Anjo da humanidadp^. Anelos e o Firmamento
bastam para fazer uma reputação. Esta ultima é digna de
figurar na collecção das Meditações de Lamartine. O estylo
de uma belleza de forma admirável, eleva-se á verdadeira
altura da phílosophia espiritualista pelas inspirações gran-
diosas do poder da Omnipotência. O leitor está a pedir-nos
decerto que traslademos sequer algumas estrophes doesta
concepção notável, e nós não podemos resistir. Âlludindo
ao fim predestinado da terra, Soares de Passos conclue:
Um dia, quem sabe? um dia ao peso
Dos annos e ruínas
Tu cahirás nesse volcão acceso
Que teu sol denominas;
E teus irmãos também, esses planetas
Que a mesma vida, a mesma luz inflamma,
Attrahidos emfim, quaes borboletas,
Gahirão, como tu, na mesma chamma.
Então, ó sol, então nesse áureo throno,
Que farás tu ainda,
Monarcha solitário e em abandono
Com tua gloria finda?
Tu findarás também; a tua morte
Alcançará teu carro chammejante:
Ella te segue, e prophetisa a sorte
N'essas manchas que toldam teu semblante.
Que são ellas! Talvez os restos frios
De algum antigo mundo.
Que ainda referve em borbotões sombrios,
No teu seio profundo!
. Talvez envolta pouco a pouco a frente
Nas cinzas sepulchraes de cada filho,
Debaixo d'eilas todaç de repente
Apagarás teu brilhante brilho.
£ as sombras poisarão no vasto império
Que teu facho aliumia:
Mas que vale de menos um psalterío
Dos orbes na harmonia?
206 IJTTERATDRA
Outro sol como tu, outras espheras
Virão no espaço descantar seu hymno,
Renovando nos sítios, onde imperas
Do sol dos soes o resplendor (uvino.
Gloria a seu nome ! Um dia meditando
Outro céu mais perfeito,
O céu de agora a seu altivo mando
Talvez caia desfeito 1
Então mundos, estrellas, soes brilhantes,
Qual bando de águias n 'amplidão disperso,
Chocando-se em destroços fumegantes,
Desabarão no fundo do universo I
Então a vida, refluindo ao seio
Do foco soberano,
Parará, concertando-se no meio
D'esse infinito oceano:
E acabado por fim quanto fulgura,
Apenas restarão na immensidade
O silencio aguardando a voz futura,
O throno de Jehovah, e a eternidade I
Qae magestade de pensamento I
Ao leitor parece-lhe assistir a toda esta scena solemne,
cm que os mysterios dos orbes creados absorvem as mais
arrojadas reflexões do philosopho. Senle-se alé como arre-
batado nas azas d essa inspiração ao mesmo tempo audaz
e contemplativa, que o solta depois atónito e cortado de
admiração e terror, no infinito dos espaços!
Se é possível assignalar ao poeta as horas naturaes da
inspiração e do canto, como se dá na ordem da creação
com certas aves harmoniosas, dir-se-ha que Soares de Pas-
sos presente as horas bafejadas de calor divino, e canta só
n'esses dias esplendidos, em que as maravilhas da natureza,
mergulhadas em ondas de luz, apregoam os altributos da
divindade em hymnos de harmonia universal.
Mezes apenas, depois de ter escripta esta revista, falle-
ceu o talentoso mancebo. O seu termo já era presentido de
todos, e eu havia-lh*o adivinhado até no fundo de melan-
cholia de suas composições.
Aqui ajunto o que por essa occasião escrevi na Chronica
da Revista Contemporânea, eqoe de alguma sorte completa
os poucos traços com que tento esboçar tão peregrino e sym-
pathiço engenho poético.
UrTERATORA 207
«A chronica d'esta vez lem de se encarregar da mais af-
jQictiva e solemne das missões, que é de registar a morte
de um mancebo, a quem as lettras tinham perfilhado como
um dos seus mais predilectos filhos. A perda de Soares de
Passos é uma perda irreparável para todos os amantes da
poesia, porque poetas da sua elevação nâo sobejam em Por-
tugal, nem na Europa.
«Soares de Passos era um talento que filiava entre nós a
escholade Lamartine. Alma que um sentimento vivo do
bello inflammava e consumia, póde-se dizer que todas as
soas aspirações, todos os seus arrobamentos e desabafos,
não eram outra coisa senão a manifestação d'esse mesmo
sentimento, que, na arte e na natureza, procura as harmo-
nias, cujos echos occuUos e mysteriosos só os pôde e sabe
encontrar o verdadeiro génio contemplativo. Era de certo
d'estas disposições especiaes que lhe provinha o excesso de
sensibilidade, que se tornava ao mesmo tempo a melhor
fonte de suas nspirações e a causa directa da sua morte.
Como Gilbert e Millievoix, como Mozart e Bellini, organi-
sações que se consumiram na intensidade das chammas que
lhes ateiavam os mais ardentes e sympathicos Ímpetos, Soa-
res de Passos era um d'estes espíritos para os quaes os li-
mites do mundo são apertados e afflictivos, e que sentin-
do-se impellidos por azas de fogo, e necessidade de as des-
prender nos horisontes sem fim das obras dispersas pela
mão de Deus, devoram o espaço com o vôo de águia. As
poesias o Firmamento, o Amor e a eternidade, e o Anjo
da humanidade, são a expressão mais completa d'este ta*
lento.
«Basta ler as estrophes seguintes, para fazer ídéa de uma
d'essas arrojadas concepções.
Gloria a Deus ! eis aberto o livro immenso,
O livro de infinito,
Onde em mil letcas- deiul^or intenso
Séu nome adoro escripto.
Eis de seu tabernáculo corrida
Uma ponta do véu mysterioso:
Desprende as azas, remontando á vida,'
Alma (jue anceias pelo eterno goso !
Estrellas que brilhaes n -essas moradas,
Quaes são vossos destinos?
Vós sois, sois as lâmpadas sagradas
De seus umbraes diviiíos.
208 LITTERATI7RA
Pullulando, do seio omnipotente,
E sumidas por fim na eternidade,
Sois as faiscas de um carro ardente
Ao rodar através da immensidade.
E cada qual de vós um astro encerra,
Um sol que apenas vejo,
Monarcha de outros mundos, como a terra.
Que formam seu cortejo.
Ninguém pode contar-vos : quem pudera
Esses mundos contar a que daes vida,
Escusos para nós, qual nossa esphera
Vos é nas trevas da amplidão sumida?
«E â melancholia vaga que transpiram todos os seus ver-
sos, nâo é como o presentimento indefinido de uma morte
próxima?!
Mas se as flores dps campos voltarem.
Sem que eu volte'com as flores da viaa,
disse o poeta na sentida endeixa a Partida, maguado o fa-
tídico adem que o coração proferiu talvez, como o profe-
rira Millevoix na sua Queda das folhas^ antes que as som-
bras da morte lhes cercassem de todo os dias da existência.
«Soares de Passos deixou-nos um livro de bellos versos,
mas o seu estro mal havia encetado o grande gyro que po-
deria percorrer. Alma que apenas transpunha os limiares da
existência, e que ahi se demorava a pensar nos segredos
insondáveis da humanidade, e a admirar as grandezas es-
plendidas do universo, voou para a sua verdadeira pátria,
porque todas as suas poesias são verdadeiramente uma prova
d'essa nostalgia com que certos espíritos privilegiados dos
revelam a sua origem e a necessidade de volverem a ella.
Na terra apparecem-nos apenas como peregrinos, e a mão
da Providencia é-lhes propicia, lerminando-lhes cedo essa
romagem, que para elles é de queixumes e agonia.»
Falta-nos fallar dos livros que representam um valor
real para muitas das necessidades positivas da sociedade,
dos livros de indagação histórica, de largos e fecundos in-
tuitos moraes, de vantagem para o ensino, dos livros, em-
fim, que nos trabalhos do pensamento dispõem os materiaes
e firmam os fundamentos do vasto edíficío intellectual. Neste
Mofjdo» â Aea Cernia Real das Scienci^ publicou no aonofiur
do (liaas.boasobraB q^e |Q4ere$3ain «á ^ossa historia, que são
Q, Quadro Elementar dai! relaçõ^ politicas e diplomaiicas de
P4)rtuffai e d^s tendas da índia poriGaspar Corrêa, Este uh
timo trabalho, incumbido ao reconhecido zelo e escrúpulo^
do esclarecido çoUector, jo-sr. Rodrigo Feloer, contém .a bist
toria da Ásia. É um subsídip iiuliapeasai^el para a nossa his^
loria geral e preslado pelo: testemunho e solicitude de um esr
criptor contemporâneo, como |è Gaspar Corrêa, que antes d^e
floroâo Lopes Castanheda, começara a lançar os alicerces d^
bisiofiada índia. O Quadro.elementar, um laborioso reposi*
lorio de. documentos dipÍQníiatiQpS;,e políticos, levado até 3^
^y volvmie p^lo defunçlo yiscoí^^ deSaNtarém, p^osegue-Q
^gora o sr. ftebello da gHva icqo^ a paciência e esforço d^
analyse.que dema^iclam eMas obras. Ma^a introducçâo, qu^
fi dí^tineto académico põe r)a frente dp. volunie, é um tra^
^aillioiqmmamente importaple para a publicação. Âinv^sãú
dos Pbilippes, inquerida e examinada nas suas causas remor
)^ e CfOmple^s^ ai>re caminbo ao. profundo analysla para
URia bella. dissertação histórica,; em que, os reinados da
D. }çio II, D. Mamueie D. João l\l, apparecem vistos 4
luedp uma critica segura, em todos os seus. manejos de
krtriga palaciana» descrimjnando-se do seip doestas «trevas
de enredos surdos e maçhin^içoes U^aiçoeiras os vultos prior
fuipa^^ que na fidalguia e. no. clero concorreram para a (^^
^aiJ^ncia. e; eçitr^ga de .P^rtugali .Prw^ium grarjde xqí^heoj^
.iSi^Qt(6|.das fuccassQs.da épip/i^a. çste pref^cjOt.e^qripto com
ô jlqcijipz e facitoa^e .de,e|xpfl$jgâo,jí^ .^{^dad.eiro estylf
Jki$rtor4co^ £ que grande vintMderjdej^ríed^de ps^ra a pepn^
.^bjtqada a voar,, .caípdolt^ô (}oísJ)icqs ós pr><^^^^ ^ niar
.tj^e^ do idioma, resjtringír-^.ás liphas<se.vçr9s.d'e£te eslyi(>,
4]ue «participa doaniigQ.pqj^^^ siD)plicidade elegaQf,eie.!)pr
jtai^p.ds período! . ,. . . ... . íj
■,■: A ; jísle ■ grupo . (^e. ; trabialhas: da .kd-^gaçáo , e anajy^ veíR
jÍiptarTÉ;^.naiiirâhpeflt,e. o' úmio^da fJngtm Vortugi^e^iÇk, dç
.^víPrap^isco Evjgristo; Jbepnii ya^o .triif)#p:.em qup.jO^.ãttf
^qtpr i9coqw|u|qu ps <tnfiter?iaeS: colbi4Qs.^n^ longos ;ai;^i^Çi$i d^
Cl#fud0'}e de. trato ií^ifimp e.iT^flÉíctido cCiín.o;^;ne|i}brgp..pj^
.Cr4{>t^ír*5^ n»<^ip««es,;e. ^^fíujgsif^. ..)3 , qíRflVqbra ipái^p^n^^af
.vfl,a,4o^,4? iw)9^ffl.clS,lgiitfl^s, .qçi Oj|í;inii^i«p l^-ft.flfi.HRf
íPfiãp;#.a dicçipflario,.4aí.$^(/ingiia,:.tÇfljpfH) fl,i.§fie,jyí»tpçí]fj
TOMO I 14
2t0 LmisitÀTtTitA
as rasSes philosopbicas e tornando vulgares os seus toais
occullos mysleriòs. O Dtúcionario Bibliographico PorttJh
guez, do sr. Innocenció « Francisco da Silva, apresenlâ-se
também como um doestes livros úteis, onde o cròdlto en-
contra, coílegidos e catalogados, os resultados de Fundas e
laboriosas escavações. A obra do sr. Figaniére, a Biblio-
graphia Histórica Portugmza, restringindo-se aos escripto-
res históricos, e a Bibliotheca de Barbosa Machado, parando
n'uma época afTastada, deram margem a que o sr. Innocen-
cio prehenchesse agora com vantagem essa lacuna, aliás tSo
prejudicial para quem tivesse de consultar ou lançar alguns
dos traços biographicos dos nossos escrlptores dos últimos
tempos. O Tratado de Metrificação, do sr. Castilho, livro
onde as seducções do estylo fluente, elegante e puro do
poeta casam com as atiladas reflexões do philosopho, com-
pleta este quadro de lucubrações de utilidade real para os
elementos do ensino desenvolvidos nas regiões da alta lit-
teratura.
N'esta digressão pelos domínios escabrosos da pbilologia
toma um logar distincto a ultima obra do sr. Silvestre Ri-
beiro, O Dante e a Divina Comedia. A litteratura italiana,
com pena o dizemos, nunca foi muito cultivada em Portu-
gal. O grande poeta toscano, o pae da poesia moderna, n3o
tinha nem um expositor, nem um comentador entre nós.
Dante abrange o seu século: a sua monumental trilogia
abraça uma epopèa universal. A historia, a poesia e a
sciencia do seu tempo, resumeas este poema admirável.
Porém, o que mais assombra n'esta producçSo excepcional
é a perfeição da linguagem que, como muitas das prophe-
cias politicas d'aquelle génio que transcende os séculos fu-
turos por uma virtude de previsão que realisa o mens dt-
vinior dos antigos, adivinha também ella todas as formas e
alcança os primores de estylo, que o idioma italiano, ainda
depois de volvidas muitas eras, procura n'aquelle subfime
repositório como manancial copioso em que se retempera,
avigora e fecunda. Mas a dificuldade, como diz Yíllemaín,
é interpretar e reproduzir em linguagem estranha tal per^
feiçSo, tão vivamente apreciada pelos nacionaes. Este tra-
balho tem sido uma das grandes fadigas dos glossadores e
traductores. Para dar idéa clara doesta vasta encjclopedia
pbilosopbica, histórica e theologica, lembrou a admirado
geral na Itália o criarem-se cadeiras em muitas cidades, onde
umuuMfmu itl
fossd explicada. Boccacio foi um dos phílologoft quo occnr
pamin a cadeira de Florença» íDStituida para este fiai. De^
paiSt desde PiombíQO até ao padre Lombardi, e desde o ab*
bade Le-Bassu até Rivasol e Ârlaud, os comentos, as oolas
iliustrativas, as parapbrases, as dissertações mulliplicaram-se
a ponto que constituem boje um ramo líUerario fácil de eih
cher qualquer bibiiotheca. E comtudo» no seio doesta abun*^
dflocia, d'esta superfluidade, digamol-o assim, porque mui-
tos dos expositores e interpretes n3o fazem senão repetir-se
8 obscurecerem mais o texto ; no meio d*esta babel escolas**
tica e tbeologica, histórica e critica, nós nada tínhamos se*
n3o a.noticia vaga do auctor, fortificada por um ou outro es-
tudo isolado devido á curiosidade de alguns raros eruditos.
O trabalho do sr. José Silvestre veíu por tanto preencher
esta lacuna. O seu livro de Dante e a Divina Comedia é
mais uma obra didáctica, dentro dos limites da philologia»
do que uma d*essas enredadas e metaphysicas dissertaçSes»
que antes confundem que elucidam o homem de lettras na
indagação do pensamento e nexo da obra colossal do poeta
toscano. Mas é por isso mesmo que o seu mérito sobe de
preço. Só o que desejamos é que o 2.® volume siga de
perto o primeiro, e que este trabalho se complete, porque
importa um auxiliar valioso para aquelles que conhecem o
parentesco intimo que a nossa poesia tem com os queixu-
mes que o amor e a saudade arrancaram ao talento apaixo-
nado de Petrarca, e que Tasso modelou na lyra.
Mas é impossível fechar aqui sem indicar, com certo al-
voroço misturado de contentamento, duas obras que estão
em via de publicação, e ha muito reclamados por grandes
necessidades: referimo-nos ao $ermanario do sr. padre Ma-
IhiOi e ao Orador Sagrado, collecção de bellos discursos
que a modéstia de um talento educado nos primores e ins-
piração das lettras sacras deixa correr anonyma.. Talvez nos
losse possível, e até licito, levantar uma ponta do véu d*este
aDonymQ,.e o nosso acto seria para muitos credor de elo-
gios, porque a critica, n'estas indiscrições innocentes, não
^ría m^is do que apontar um nome já bemquisto e quaai
qme . presentido pelas sympatbias de todos. Mas não; res-
peitemos este melindre de um sentimento delicado, de que
9Ó pôde ser juiz a própria. (consciência.
No Orador Sagrado tornam se notáveis os discursos do
Jui;^> Final, da Fundação da Egreja, do Evangelho aos
%n tmfÈÊáinmãi
fobreSi e Sobre oWsçatiãalOi A éloqtienetá' do púlpito» eemâ
aitfaa ée pepsoasSo psrà o calechislá,! e c(^mplexo de^pve^
oéítos para a arte da pálatra apostólica^ tífvba fecbadb o-sm
eurso sobre o gra&dioiso moDomento -eí^oido por Vifetral
Um ou oat^o sermSo disperso, aec€8áBdo mais a diBCSldiett*-
oía dos estudos <écicIesia$ticos, que os fulgores da Ide tlva
do talento luspirado pêlos dogmas do catHolicismo, Tdo*n6s
aproximavam de sorte alguma d'èsses tríumpbos do putpttò
que, depois de Bossuet, Massillon e Flechier, contíhuiaraDl
com gloria piara a egreja Lâcordaire e o padre Vemuná. O
Orador Sag^rado iem a importanôia de um esforço oom eséé
fim. Os mysterios dâ fè e as regras éa moral eVaug^elioã»
auimando ou dirigindo o deseuvot^imeoto de algumas ÚtH
tbéses mais evadas do chrisíiatiísmò, estendem o 9eiJ>es-
plendor a tarías doestas orações» em' Cfae ha o vigor, mas
ao mesmo tempo a doçura dè uma crença fervorosa; A
penoa queòs traça eleva-se pêlos viftos-de uma natureisa «f*
dente e pela força do enthusiasmo«ohrl6tk). Sem serem'pii^
ramente iheologic^s^ o^ue>restriD^ria o seu influxo a bm
auditório knuí limitado,' a forma dialéctica é quasi sempt^eá
seguida, e decerto a melhor para um século emque-éi»*
cessario fâlliar> ã raBão para realisar as conquistas da e^pM**
to» O Oradof Sagrado^ a considerar o atraso da elo^iíettcía
do púlpito, e asi poucas luzes do nosso clero, apresentai
decerlocomo um'bom serviço feiíío á egreja lusitanaj etdl*
vez aos bons é lucidóls 'mstí netos- do» poto pôrltí^héa; •'• =
Ma1s duas palavras e concluiremos eáte trabalho, qdé já
vae longo, e que todavia tí^o ht senão indicar mi saudar
de longe, e: ao correr da' fJemtó, as 'manifestações' taáís' é^
dentes do éístudo e do talerfto, no de(íorrer dé om'a«ftt>'j >E
«ejáffi essas poôcSis palavras, qufe ba áínda a {jVoférlr.yfttt
referencia honrosa a um ramo de áppllcação, que tio dM^
iembr^ido das contemplações da criíica, i3o desauxiliad'0 d«
tfm *ndbre è efficafc <tonflOf^so de forças 'vae comtudb pro*-
çredlndò: Ariudiriíos * pibtura e á escolptura, entt*g««^
boje aols esforços e msplrações de algútis mancebos tsrieti^
losos, què estSo, polico a poueo e ã btaÇOs com serias) Úlf*-
ficuldad^s, SádíficáTido um período de bom novne para 96
artes em Poíiiigal. Omaj^níSeo et)isõdio do sr. Mettm^s^,-*
Leitura dos Lmiaddé^' é já ânftá coMposiçSo' vasta, bém
' < tldmprado por *átia magédiàdeô sr. b. >í'eriiân^o, pára a súa gafèfàtV
SIS
QiiiieebMa e deltoekda» em qoe ba a loovir abeUna ãiíi
itntafis, o estudo dos gropos e o eflèito geral da fiaBaação
dâ.asaombror que a ieilura do Dodso priíqeira potímo epko
pmdQz na physioBomia dos cortesãos de D. Sebastilo. O
•leinipto é grandioso e sympatbieo: (em effeito ii^ajaaalioo
0,.fev6la estudo de época;. e tudo realOado peia entoaçSd
giiral do quadro, em que o artista ostenta a faelUdade de
toque e certa suavidade de colorido. Ha uma tal amenida-r
de,, um sopro de fresi!ura agreste, uma harmonia serena em
toda aquella paisagem de Penha Verde, que o espectador,
arrebatado pelo mesmo sentímeolo do poeta, tem vontade
de exclamar.
Oh ! Cintra 1 oh ! saadossimo retiro,
Oode se esquecem mai^^uasít
Quem descançado á fresca sombra tua
Sonhou senão venturas?!
O pincel incansável, e sempre brilhante do sr. BodrU
giies^ continua a provar-nos que se pôde ser retratista apre-
eiavel e egualmepte um pintor distincto. A oslentaçio dè
Boblíâpchia da- nobreza antiga havia tornado o retrato um
ramo de pintura aprimorado, e até certo ponto apparatoso^
As galerias de família dos castelios feudaes, e os salões eon^
sagi^os á recordação dos vultos venerandos dos avoengos»
otoigaram a ari&iocrada brítannica a chamar mestres cele^
bres, como Holbein e Van Dyck. Em Portugal esta mani^
fealaçio orgulhosa da fidalgpia,' segundo uns^ ou pireítq
pago á memoria dos antepassados, segundo outros, nunea
passou de excepçpo. Galerias de família completas, só as od*
Bhecemes no alto Minho e Traz-os-Mqntes. N*um ou n'oQ'*
tra solar derruído figiu-am os retratos gothicos d'eate oq
é'Aquelto fundador de um ramo nobre, e d'aiguns seus de&»
eeDdentes, mas isto alternado, incompleto, sem nènhuioas
das ostentações senhoris da vaidade e escrúpulo da nobi<»
tíarchia; que tanto pompeam ainda hoje nos velhos caiteHoa
erguidos nas montanhas da Escossia e nas margens s(hi|a
boifli^ do ftheno. E sobretudo, esses pintores elegantes, como
Tb<M&az Lawrence e hoje Macnee e Graot, que souberam
j«otar ás tradições da escola flamenga as graças e mimos
da fitttasia opoderna, nunca os ho^ve entre nós. Hoje o
ar* Rodrigues representa este genera, geoeroi (fue allia à
similbança períeita as ostentações e degandaa da aiodaJ
tf4
Brbsenlèímènte raro é o fólio d» capitai que nSo at)rèseiile
alguns dos seus trabalhos, que sobem de valor de dia paia
dia. Similbança que illade, grtrça earacterislica na atlttodé,
frescura e midio nia carnação;* velkidos e 8etín's que briKiaiiii
rendas (^e voam, jóias e ornatos que scintillam, e isto lodo
banhado na lu2 do uma atmosphera cambiante e frocRia^
como a darídadé crepuscular, com o fim de fazer sobresaír
o assumpUo: principal do quddro, eis os segredos e priqio-
res da sua palheta. Os retratos do failecido patri^arcba» o
cardeal Guilherme, e o do arcebispo de Braga, o sr. Aze-
vedo e Moura, reúnem todas -estas belleaas e qualidades.
O do sr. Gonçalves, joven cirurgião arrancado á vida e á
estima dos seus amigos (que eram todos que o conheciam),
pelos seus excessos de zelo durante a fatal epidemia que
ainda ha pouco assolou Lisboa, é também um trabalho pri-
moroso, e que por ser feito apenas de reminiscência sobre-
leva o mérito do artista, dolorosamente avivado pela saudade
do aaiigo. '
- Um véu de luctò veiu encher de tristeza os lentes da
Academia das Bellas-Artes, com a morte prematura de um
dos seus discipulos mais distíBCtos; Referimo-nos ao sr. An-
tónio losQ Patricio, pintor de gfenero, que ainda ha pouco
ebameva a attenção dos entetydedores com a exposição d6
alguns quadi^os, onde se notavam, com elogio, os dotes do
observador. fino e chistoso de costumes populares,' que mais
tarde o collocariam, cóm. vantagem, na cari^ira iHostrada
por Hopartb e Wéikie. Mas parece que por um presenii-
mento doloroso do seu fim próximo, o ieu talento desaba-
Eira n*um instinclivo adeus ao munido, produzindo o^q
ullimo quadro, A despedida alheira domar! Foi está com-
posi(^ já a previsão da alma que procura, em scenas ana*
logbs4 a maniféstbçao de um sentimeoto lento que a copso-
me. ' A Tempestadei concepção influída talvez pela mesma
ordem de idéas, completa a explicação do estado d'aquell6
espirito, que via nas desordens da natureza a imag&m das
afflieçees que se lhe debatiam no interior.
Estes quadros, derradeira manifestação doseu talcftiíò apre»
ciavei, foram comprados pelo irr. D. Fernando. O artista já
1^0 o soube: quaado a compra ise ultitíiava linha o sr. Patrí-'
cio déhado de existir para os seus amigos e para as artest
Lance 41 magoa e. a saudade umafcoroa» de perpetuatl so-
bre esta eaHipa de um engenho tão malaventurado ! .
Lrpvum^A 215
Q^. trabalhos do jsr. Annuocia^o |n3o. sSo menos dignos
de eyiogio. A ída pçira o frabalho ', e três quadros de cria-
{^0 .'i forniaip a sua cQllecçSo, inaisi notável, no anno flndo.
£ ;que Daturalidade, que ipalj^ e vívjtfza dq pincel em todos
dá)qelles episódios de aveçl A e^tes dciv^mps reunir o Cão
de gado^f esforço felicissíniQ .de irpiuic^o dó xialural, e uma
yista 4^ Socavem ^f \isoií\ia. pai^gejn de uma tinta suave
e luminosa, em que o pintor ostenta os esplendores da sqa
Hpaginac^Q e o estudp do qi^turaK.pa vivacidade e baripo-
pia.de uma palheta ríca de realces. Os qua.dros de interior
dq sr. Christino, a Estalogem^, em que Qseffeitos de uma
grande íorça de luz dão reíevo;a tqd^ ^;Cpmbinação de per-
spectiva, e a Fontie dan lagrimas ^ Pf^ti^ fonte que os amo^
r^ de um príncipe* ç os c^tos de. um bardo, tornaram ,im-
fioortal, cçii^tituem, em pinlurai as producções mais notáveis
do anno de 1858.
O sr. Victor Bastos prosQgpç na $ua carreira de progres-
sçs. A spa eisiatua^ en;i dimensões colossaes, do general
coude das Antas ^ é um assombro para osjntelligentes nos
segredos da arte, á considerarem ó pouco tempo que o ar;
tista tem de trato intimo com o cinzel. Ostenta a severidade
6 a elegância de linhas dos bons modelos, e o garbo e im-
pavidez marciaes do guerreiro distincto a quem perpetuou
o nome. Aquella capa descaída sobre os hombros, com a
magestade que não exclue a singeleza, dá-lhe a grandeza e .
simplicidade de uma estatua antiga. Mas a obra preciosa
do sr. Bastos é o busto do fallecido conselheiro Fonseca
Magalhães, um esforço de símilhante e um primor de cin-
zel ®.
Porém, este nome illustre leva-nos ao necrológio. Esta
revista acaba como acabam todas as cousas do mundo, com
a morte. E que morlet A morte de um estadista celebrado,
e de um orador, cujos rasgos de ironia fina, todos molda-
dos peja grandeza da tribuna antiga, ainda revoam nas duas
< Também pertence ao sr. D. Fernando.
* Egualmente de Sna Magestade.
> Encommendado peio sr. Estevão Palha.
* Comprado pelo hábil facultativo o sr. Alves Branco.
* Pertence ao rei artista.
* Do mesmo senhor.
' Mandada fazer por uma commissao de amigos do finado para ser inau-
gurada no cemitério dos Prazeres.
* Mandado fazer por seu filho, o sr. Luiz do Rego.
Ít6
LtfffelÍA*ltnlÁ:'
^la» (lo parlamento f A vida áós homens notayeis é sempre
ânTTUviada de tempestades qae a inveja e a calomnia, de
m3os dadas, sopram sobre os seus dias de maior gloria. B
só qdando a m$o da morte arrebata estes vultos gigáuteá
das scenas actuaes da politica, e se Ities abrem as porteA
da posteridade, é que a rasSo publica, desassombrada db
peso das ruins paixões, os avalia com justiça & lavra o seti
fianegyrico com verdade.
Triste condição do peito hmnano, que só em cima dtl
lousa do sepulcbrt^ confeâsa as virtudes d*aquel)es que elM
nos encerra para sempre! É m epitlaphio queciímeça a
bíographia sincera dos grandes bomens. Com o conselheti>o
Rodrigo da Fonseca MdgalhSes aconteceu assim. Em sua
vida os ódios pequenos e as malquerenças de partido er-*
gueram muitas vezes armas traiçoeiras, que foram até fferíf
o ministro no mais intimo e sagrado de seus affectos de
famiKa; mas depois que aquellá grande ]\n se apagou, és-
âas mesmas arntós se viraram' em funeral, e em roda da
lapida, ainda descerrada, nSo mars se ouviram senSo vezes
de efogio.
Fevereiro— 1859.
BBVIBTíl LITTEBABIA E DRAHáTIGíl do AimO DX 1868
O anno de 1802 terminoa» deixaftdo translusir mais a«i9«
pÍGíoMS promessas. para ap nossaâ tettras, que o de 4863.
K poesia, o romance e o theatro, estas três formas que tra*
dutem mais cak*aeteri8ticamente a ni|»íTestaç9o espontânea
do vigor Q efl^resbencia iitteraria de mna época, todos tí^
Meram, durante aqaekte pmodo, os seus apóstolos, as soas
provas e os seus trinmphos. A mesma parodia, esse género
áê satyra qqe precisa das grandes, concepções para realísav
a Biqxima de Napoleiq: dfi sublime au redicule il tCy a
qu*un pas, máxima que resume a sua tndole e determina os
fif us melhores effeílos de coniraposiçSo, até a parodia pro-
porcionou mais uma espécie de notoriedade ao livro de um
Btanpebo, que tantas havia já Obtido pelas controvérsias e
panegyncos que e seguiram por todi a parte ^ Parece qu0
o irapoiso 4ado é nossa litteratuda, em tempos de mais fer^
vonosa e viva fé poética, se tinha. f enojado nas obras, nos
desejos e na& pro^iiis aspíraçSes. Gomo que se annuncioa
uma primavera Iitteraria com aquelle anno, que brotou flo*
ree cdmo o poema de Thomai Ribeiro, como os Vtrsos de
Bulhão Pato, como as CorôOB fMCimmteê de Pinto Ribeiro^
e prosas como a Chaw do enígnm éê Amor e mekmcholia.
B esftas balsâmicas emanações, ^ ^a os ares rescendiam
de tSo germinadora seiva liliersria,' «ioda no fechar do aono
de I88S, houve esperanças de levaiMi seus eflkivios aos li^
Húies do anpo 1608.
** o poema M. SaynUy 4o ar, Tl^o^oM nib^ro, e a chistosa parodia feita
áo meroio poema por Manuel Roussadò; hoje bifffio de Roussado.
218 UrTERATURA
Os olfactos estavam lisonjeados por tão agradáveis aro-
mas : tudo induzia a crer, que essa quadra de mimos da
phantasia assimilaria novas forças, que as communicaria á
futura estação, e que desabrochariam em novos rebentos
poéticos, em concepções ainda mais bafejadas pelo balito
de fogo do génio das artes e das lettras.
E todavia não foi assim. Nem mesmo aquelle impulso da-
do, que a estática chama força adquirida, a qual faz correr
a machina quando a força motora já cessou, nem esse mes-
mo imprimiu notável movimento Da& ia>agiBaçOes e hos es**
piritos. Póde-se dizer, que o anno de 1803 foi um anno es-
téril. O talento produziu, mas a inspiração, frouxa e, ao que
parece, exhausta, não creou nenhum d'aquelles seus fru-
tos que se perpetuam sempre maduros e appetitosos, como
o fructo da arVone da* ilenlatões do:iparaís(K ! ' "
.. Mas não noa desconsolemosi que ti ipal: neofoi sá nosso;
a esterilidade tornOQtse geral. Relanceaodo os olhos pelA
Anno litlerario de Vaperau e pela Historia litieraria eúrá*
matica de Júlio Jaíún, achamos que a França apresenta á
mesma escassez de obras quê atlestem o vigor de dotes in^
tellectuaes de úma ^pooa. A&proprias revistas litterarias de
Berlin, Dusseldorf e Vieimá danundiam egufil pobreza. Db
litteratura íngleza não traCéâios, porque es^a, como as piaoh
tas exóticas, não viceja, senão debaixo de certas caqdic9e8
climatéricas, e jamais se reproduz além das variedades )á
eoohecidas e classiQcadas.
Comtudo, lancemos ai ivístas por esse anno qpe.nòs pro^
mettiâ de certo mais, {Jíorém que ainda assim não noa deve
envergonhar, se tivermos.de ooocorrer ao liíercado commom
das outras nações» porque; outras boine^ e ha, que meoos
produziram e pe;ior. Doesta vasta .e sublime plaboraçãò dob
espíritos. Ill • ' I ; :
Comecemos pelos, livros úteis, peloi» livros, consultivas,
por aqiielles que são os grandes mármores. que os obreihM
Ifiteliectuaes aprovaítaéi ^na, parte mai& solida da construa
ecão de seus edifieios.. Moeste uumero entram uàidralmenlè o
Diccionarío bibliogita^iQO db sr. Innooendio Francisco db
Silva, as Lendas da Mia, botlegidas p^la» sr^ Feltíerr B ab
Obras de Camões, ultimamente collecciooadas peio br. Vuh
conde de íuromenha. Os porfiados e tão mal retribuídos
esforços do sr, Innocencio já conseguiram publicar q 7.®
tomo do seu trabalha^ trabaSiò colossal que/ em substaiú^l^
e indireòtamente apparelha os materiaeá para a nossa bis*
toria geral de lilteralura* O sr. Feiner completou, no tomo tu
da 2.* parle, que abrange dezesete annos, que são aquelles
em que decorreram os feitos de Pêro de Mascarenhas, Lopo
Vaz de Sampayo e Nono da Cunha, um dos grandes e sem-
pre {[loriosos capítulos da historia das nossas conquistas.
Quanto' ao sr. visconde de Juromenha, esse dôu â estampa
0.3.° e 4.^ volumes, o que foi de certo um bom presente
feito ás letras pátrias, e principalmente aquelles que vêem
Bas eàtropbes do grande épico lusitano um culto de gloria
Bacional.
N9o esqueça o livro do sr. Chaby ii^esta collecçSo de
cdiras, que o philologo ou o hisloriographo collòca cuidado^
sãmente na sua estante, não perdendo o mpmefito de as
considlar. Os Excerptos históricos formam um consciencioso
trabalho de investigação histórica a topographica. A nárra^
tíiva. cirenmstanciada da guerra peninsular encontra agom
um valioso auxiliar n'esta publicação do sr. Cbaby, quefoi
eoUegida e estudada em archivos e sobre os próprios locaes
dos variados episódios d'esta peleja notável E não só se
referem es^es estudos á guerra da Península, senão á cam*
panba que a precedeu no Boussíllon e na Catalunha, o que
réalísa um valioso resultado àò investigações históricas que
foram resuscilar muitas das nossas glorias militares n*esta
mBmoravel guerra, obscurecidas pela ignorância, pelo tempo
ou acintemente pela malicia dos in^^ejoaos dos nos^s feitos
e brios nacionaes.
E que árdua se não tornou semelbante tarefa para o dis^
tincto officiâl a quem o governo deu uma tal cpmmissSol
Felizmente encontrou no reino visinbo, cujas glorias, n est0
ponto» sSo commnns, verdadeira sollicvtude ; e tudo que ú
pK^eria esclarecer, lhe foi ministrado e indieddo. Mas a^
diSerentes transformações porque as exigências da civilisan
^ moderna fízerain pasâar, durante mais de meio século^
os diversos sitios onde se deram tantas batalhas e recoikr
tros, reduziu o trabalho da sr^ GbabjF qoasi a um trabalho-
de mui diíScil inducção. Quantos campos, 'outr'ora monta-
obosofi» estão hoje nivelados ou cortados pei:o,balasto dft
ferros carris! Quantas florestas, que abrigaram oma reti**
radai, ou mascararam uma emboscada^ n^birãpi' debaixo do
machado moderno I As alterações são por força .graodissí-!
fiaaa, e só a.tradíçio, que tambeai.é un»a parta da historia.
& víria-seicaoprer.n^^es apuros, ém qpe a besita4So:0 lor*
naria. perplexo diante das coÉktradi(ões e mudanças topograt
phicas; que nola^sa, confrontando o que via aclualmeQtè cocD
o& bolaiins d^aquèllaB épocas.
Mats uma obra em que a política se funde com a liltera^
tora. A bella Memoria escripta pelo sr. Rebello da. SíIyq
ic^^ca da vida política e lítteraria de D* Francisco ManincQ
d6 la Bosa é <l'e$ta todole» e resume o quadro de duas gran^
des revoluções e de duas fecundps iniciações. É, oomo o
duque de Ribas, Alcaiá Galiano e Pastor Dias, em Hespar
nha, e Almeida Garrett e Alexandre Herculano, em Porio^
gãl, um dos fundadores do systema liberal, e ao mesmo
lenipo u« dos inauguradores do moderno movimente Uttd^
rario, que a penna de Rebello da Silva escolheu para este
estudo, que Ibe devia abrir as portas da Academia Hespa<»
Dhola. Va^te conhecimento da historia politica e Uiterãria
do reino visinho, rara sagacidade de apreciação, mão finnie
em lodos os per4s que o quadro encerra, estylo abundante
e harmonioso, eis em resumo o mérito absoluto doeste* es**
oripto, que pôde, sem favor, ser inculcado como modelo
no género. Depois de o ler, tornasse supérfluo recorrer aos
trabalhos da mesma espécie de D. Eugénio Echoa, Fernanr
dez y Gonzalez e Gary de Monda ve, porque a analyse do
ar. Rebello compendia o mérito de todos.
Ainda doeste auctor mais dois escriptos, o Elogia hidUh
rice de B. Pedro F, e Lagrimas ê titesouros, romance sua**
citado pela leitura da correspondência do viajante inglês
Willíam Beckfort. O Ehgio foi lido, em sessão solemoe^ na
Academia Real das; Soiencias, e escusado è acrescentar, para
qtiem^ conhece os dotes de^ estylo do insigne escriptor e t
lembrança viva que deixou de suas virtudes o desditoe<)
príncipe, a impressão que causou a soa leitora. Logo ^i^
eomo nsmuneração condigna, o Senhor D. Luiz agraciou o
illosirado académico que acabava de perpetuar por mais uib9
ftrmaos dotes preclaros de que seu augusto irmão sovibera
sobrèdoOrar a corda portuguesa.
Lagrimas ê thesôiêraã é um romance que só pertence ao
anuo de 1803 pela data do Nvro: foi primeiro estampado*
em folhetins» no Commercio dó Porto, Pobre aono, que sA
viíf oste, no te» melhor^ doestes innocenlss latrocínio» biUie^
gnqpbfcoal
O entredio â*esle pomasee è singelíssimo; e, se não toã^
sem òs SQCcessos bistoil^os a q»è se Mirelaca, diffieil serk
levaUo além dé uin capitulo. Mas ó auciior coIIocoq*o íí|0
«eio de tíma ipoca qile estabelece uma das transições mais
fiotaveís da nossa hrstoria. É no começo do reinado .4e
D. Maria I ; e o grande ministro de seu pae acaba de expi-
lur^ no desterro. A influencia da poderosa acfão governativa
êe Kiohelieu português aindsí tem mão em todas as rédeas
do Estado, com a for(a 'de um grande impulso a que uma
sociedade inteira obedeceu ; e as inacbinaçães subterrâneas
das famílias dos fidalgos suppliciados e dos membros dis^
persòs da Companhia de Jesbs atrevem-se já a saltear em
síiM'etO'0 animo supersticioso e tímido da rainha, que, por
Hbo mesmo que é supersticiosa e tímida» obedece á rudeaa
à seu confessor, o arcebispo de Tbessalonica, única raz3^
clara que na relutância doestes conflictos aillumina: O.bos^
:c[oejo doesta lucta, etti que sobresahem alguns retratos da
época tocados com mão de mestre, espiana^o Bebello.dá
Silva com a habitidade que já' lhe applaodiiaios na Mocidade
^ A. João V\ O livro prima, entre tudo, pela Ouiencia» ^,
por vezes, belleza narrativa. Talvez algum critico amanle.^a
<}onci8lo e sobriedade de» estyto D encontre Siiperabundante
eiti eíflorescencias de locução. Uzs este defeito quasi ées^
tapparece n'Qma peça assas notável do mesmo •eseripto, -que
ó a Carta que William Beckfort escreve ao seuami^ Hairi,
ii qual prova quanto seria fácil a Índole littenaria daauetor
criar: modelos no género epistolar^
' Âs Ckrúnicas do sHuto XVU^ do Br. Melndes Leal, pQ^
Uipadas^m livro^ no anno findo, também pierlettcem;-áquell6
«noo tão somente pela nova data bibliograpbica. TodosiUÓS
-as lemos em folhetins 'em diversas foihaS .periódicas: coltif-
gii^asi e publicâl-as em livro, «ra de certo odeaejo de todos
*c)ueiapreciam doesteis estudos históricos». embora, fabplados
féla imaginação do. romancista. O /V>r/6 de.S. Jorge é um
Unrdo Tomanfcer mimoso de desoripções, apaixonado fdelwr
•€88,: florido na linguagem. ^Ifezíbe. notem, fiimío euidaao
de retoque, o qu^ se. explica, ci até certo ponto • com- des^
dolpa, ipelo ejfcessivo zelo 'do escriptor que. reviu e jreowp-
•detou differentes vezes .» sua obra. .:'::>
. Tdmos ainda: dS-Vietgens^^ na êerta^ alheii^, do sr.. ^^i^eint
dB' VasdonCeRoi, Bt Seenas ^.mdaaméemica^v.áoiiSit. GUr-
•flfaa BeNem, em qoe o auotor nos entteiaça fi'«m<anl«ficlK)
feoiii 06 ppisodios da vida aiiíivecstlaria)em Coimbcii; e'4í«^r
Mrias para genie moça^ de Júlio Machado, coUeccSo de pe*
queDos contos, uns oríginaes, outros imitados. Pena é que
talento t9o fácil e aprasivel se esperdíoe em trabalhos does-
tes, poique, sem sair do anecdotlco e engraçado. circulo da
sua individualidade, encdntraria o embrião de agradáveis e
varíadissimos romances. Nos Contos sem arte, de D. José
de Almada* tem elle o estimulo, e também o modelo doeste
género, em que o auctor, relanceando olhos pelo seu pas-
sado de mancebo, se reproduz e comenta a si próprio, pro-
porcionando^nos deleHaveis leituras.
Temos depois í^mbras e Luz, novella traçada pelo sr.
Bernardino Pinheiro na tella histórica do reinado de D. Ma-
nuel. Chamei-lbe novella, e mais lhe cabe a qualífieaçSo de
romance-poema, porque o auctor, para fugir a singeleza de
forma do seu primeiro romance, a Arzilla, elevou este a
proporções, que de certo o Eurico lhe inspirara. Não me
parece ter feito bem. Se Fenelon nos deixou no Telemaco
um exemplo ímmorredouro do poema em prosa, e se o sr.
Alexandre Herculano, pela ascensão virtual do seu talento
que tende naturalmente a abraçar-se com as estaturas gi-
gantes da edade heróica da nossa historia, gravou paginas
com essas dimensões grandiosas, admiremos-lhes o rapto,
mas nlo tentemos o esforço, porque o romance, como a
tragedia, a comedia e o próprio drama, tem a sua forma
peculiar, forma a mais completa de todas, porque se cons-
truo de todos os elementos da composição litteraria e abrange
todas as variedades do estylo. A Noire-dame apresenta um
luminoso exemplo d*isto, porque, desde os transes em que
a paixio desabafa em explosões trágicas, até ás scenas gvor
tescas da mais inSma plebe, cada individuo e cada lance en-
contram sua voz e physiooomia particular. E o romance é
isto, porque o romance é a vida em todas as suas multípli-
ces e íncoherentes contraposições. E tanto assim, que o da-
3ue de Ribas, quando quíz resuscitar os quadros do viver
e uma época, apesar de escrever um poema, e em forHia-
sos versos, teve de modelar o metro pela índole d'esses
mesmos quadros que erguia do passado. Esta variedade
constituo a natureza e também a riqueza das leis do roman-
ce. É por isto que nas Sombras e luz se nSo pôde deixar
de notar uma certa monotonia, proveniente da falta de alguns
elementos constitutivos e essencialissimos na forma pre»»
trípta ao romance* Os elementos narrativo a descriptivo por
acaso apparecèm n este Hvro. tJmlyrismo insistente enche^
sim de flores, mas de flores exuberantes, as paginas de to«
dos os capítulos, onde o leitor desejaria talvez antes encon-^
trar os personagens a desenharem fortemente a sua indivi-
dnalrèade, aue é o verdadeiro interesse da novella, do que
assistir ás divagaçOes poéticas do auctor. O que ellas pro^*
vam sobretudo, é que o talento do sr. Bernardino Pinheiro,
pelos incitos phantasiosos que o inflammam, pelas clausu-
las sonoras e medidas que procura, acharia Tacil e natural
transubstanciação na forma metricãi. O mesmo dialogo, quasi
sempre pomposo e raras tezes dobrando-se ás particulari-
dades da condição dos interlocutores, prova isto. E é por
esta mesma raz3o que estes personagens s3o mais uma
ta*eaç9o da phantasia que o fructo da observação. Nâo foi
o estudo do analysta que os reconstruiu dos elementos dis-
persos da historia e da tradiçSo, foi a imaginação do poeta
que os contornou e coloriu. Falta-lhes de algum modo a
realidade, a parte verdadeira e humana que torna estas crea«
ções perduráveis, porque só da verdade ellas podem viver.
S9o a estas condições positivas que Walter Scott deve a cele-
bridade de muitas flguras de seus romances. O mesmo Sba-
kspeare, remontando-se nos mais altos voos do pathetico,
atava sempre esses voos a ligações tão peculiares e cara-
cterísticas dos personagens/ que os seus dramas não só nos
preoccupam a imaginação, mas deixam-nos muito que pen-
sar.
Basta a natureza doestas observações para se ver, que, em
todo o caso, o ultimo livro do sr. Bernardino Pinheiro pos-
sue subido mento litlerarío. E é realmente como um esme-
rado esforço liiterario que o devemos considerar. A parte
histórica suggere apenas alli o pretexto para aquelle sobre-
sabir. E, se o avaliarmos em referencia ao seu primeiro ro-
DdãDce, a Arzilla, redobra de valia, porque entre um ro-
ttiance e o outro ha grande progresso no moço escriptor.
O sen talento adquiriu inquestionavelmente mais individua-
lidade, e o estylo mais variedade e primor de Tórma, grande
resultado, e, sobretudo, obtido em tão breve tempo.
Para a fecundidade de Gamíllo Gastello-Branco é que sé
leraa escusado fallar em annos estéreis: a sua penna pro-
duz seinpret e produz com agrado dos leitores que o admí-
nni. Ànnos de prosa^ Estretioi prvpkiãs, Scenm innocen
te$ da comedia humana, MémariOÊ de Guilherme do Ama^
ml, Aveniuras ide Afo^f^t^ fernandes Enxmadçít O bem' {^
amai, tudo isto são vólupe^ sabidos ; a pat)li£o qo.0spais&
de um aono.
Verdade é> que em algno^ d'e|[les ijiSo fez o aactf)r. seoao
coUigir escriptos de aaiç^ épocas e retoçal-os e crisnal-os
depois com o nome collectivo que lhes serviu de Fótulo
presta recente edição; m^s. Guilherme do Amítral e a&,Af?ef^
turas de Bazilio Fernandes Enxertado são obra do âuoQ
de 63. N'aquelle percebesse que Gamillo Castelto-Braocò
quiz adoptar uma fórvoa .de enredo mais çom^plíQ^d^i^ou fo*-
zer a sua satyra, ex^geraqdo-ra. O romance eiUreteçe-se^ieih
4eia-sê, e emmaraDba:se.alé< porque o auetor^.pariã rêb«ter
o reparo que alguns criticos Ibe fazem de pouca JDventiva
na urdidura, curou deappareihar surprezas e lances inipre-
vistos, deitando 2) vis^ar seus herqes por e^ses nôqpdos áleiQ»
dispersando-os, e mçtlendorlbes o tempo, a distancia e os
estragos da vida de permeio^ o que depoi^ lb:es proporciona
encontros, reconheci qaentos, desabafos de sauJades .a eoa-
firmjsições de. protestos de ^tima, que dâo incnvel relevo
ao livro. Mas, se querein^gue Ibes, confesse a verdade,, pu
prefiro a fórma naturt|il . do. 'Oniíe está a felkidade^ e até a
acção singeirssima, mas profu^dao^enle senpment^l de alguns
dos pequenos contos das ,Scenas, da Eoz e das Dtias féorãf
da leitura, a estas falsadas, de íocidentes inopinados» qué
antes enlabiryntham. qijd preoccupam a noj^nle .4o ij^ítor. .A
attençãò segue-os, não ha duvida, porque tudo que é impf^
Yjstp, surprehençkii tadp que.é maravilbpsp» ei^tr/^t^^]] no
jrâitanto seguemos ma^ arrastada que attpabída. Bopo.é gq^
j)'eMe romance tudo acabe em be^ou desenlace pouap cqm^
mum na máxima parlei,da^ aventuras na^raidíis peloauctQiv
sempre avexadas. por» »m deslinq (ír;uel. . ,:. ,, i, >
.. É as^im succede aos Umentaveis j^ .;por vestes, [fisjjvi^jy^
episódios da hi^lona A^ Bazilio Fervi(J^nde^ Enx^rtfidQ^^^
eavôlyido nos trances d^, uma nQvelIa fl][)è,tãQrgal|i^f6ir^£y^
jbeça e depoisi s^iti^rna/illio angustiosa^ 9pre^U}ij)€)rsoi]^>
ficada a 3aLyra :d^ 4uqa das pbaisies mai§ car^cteristiei^ ^
Dossa épo(;a. As aveniiiçii^ do fijho do antiga negOQ^I^.4p
Porto» resumem; a. per^oni&G9ç^O)íl96 incpinpa(ib4ida(^.<fQo-
jaes do$ nossos, tempos». .d'^3les tenop^^ V^^^ufAt^t» i^%^4(W-
Jtes, .^.onlradictorio^^ i^i^t^f.emi.que o 4ii^hqírá;^i iiON^tí^oj^M
viscondes e a .falU4'^|l^.,a£rilbqi9 ins^q^^eji/i^J^
agiotas, 0.dínl|QUq\d«,ey^lii,Q^^ffnaju^ flÍ«ll§t.WiVJaDqT
2251
ta(nBm^65loréíd elegante); ufn^diíieclor^^ phyiarmoniiia?, ui»}
aiiif)^;tili9o celebrada, «m^paitídoidiàpiitado: pelas bellezask
portiiei)9e8>(mm .proteciDniiÂeífiymphas <de'.bas4ídori mas q
obenaò <|j)Qiid«'faBer>:d'el)e'»fbi «if& amaalá fílrz. Ò <dedo da*
desgraça; </biií òavarín^eslftphyaidhamia bofKiebêfrona e foK
gosS inlcoa ipbronde-Dãotpaiica^fVeees.correrain) lagrimas*
de^bnia paíx|io qDelfcrdèiadboMno s«ia jreoompefisa. E eáteí
0DBtl'a8tb| da «fttèifioHdàâB fioWeasat dU' |K)bre lEnxertado^;
Gdmi.cè M^ifealnslioctobiAalâuaoliaa^ipr^^ um jogQ
deioeBtMiJu9âi()5€6^Hdondbi!suf)em' iM.ttfieii^ peripécias do>
FoiiiM€k^tA.içotifièpffi(>.iift0-é4)Ova(>4é eèrui^.e desde o Qaa*;
8iSDò^«io:iiyp(v*exagèpadfj:iQxoliQbstlid*esU laBãoiem locta*
ãengnnteíoò fCN(ta'»b pâtltôtiqov AOi^edista^vé. draitualurg^s a
MmiireajisadoiídanimàtSiOuimMhiQd ins^ifatãd. CamillQ Cas-
tattaififáncp pódefae jac^toitidlí bbvef jsidb dositnaísíalizes»!
pebqoe (lusuai oreacio; «iAéaiiid^eat&íyaibrwIisiioOft encerrai
Qilíiroifiieiocriiqw](é>sér pxà profi^doibaUido decosfomese
amilioá íodlneíctflr/eiohisloblsBiiila.^sanoi&tlias sbciee^ . deSf{
'Mas: votieitio-^nosuparaa* poesia» is&ipoesta fédf» reflbrifi
BQs.>espiHtoál>n''èsta quadrtienv que iQ MIM ideal) eàá n^^
oarta |da:cQDselhov 011 em traten.ãdirpeho mn seleêstrelkv
de'^ifl|ear6Si •A>nifati(iaç3o ^rotíiica « o sytoriti^md doa oom-tl
Éiodoâ ' fttaterf aes isdbondHidm i tedos' os. impulsos* gieiierosoãi
dalphatUalia; A iningina(}i4h<ho}e ooUíge «ais auas forças e de-»»
so^í.MbS' ji||mepa rios, i roaâ: para rAalísâr; easea immensos púTH
t60tod:da iiidnftiríft vMétlrmi Naf< A*a»>pa4ríârcttaesi'.D'e8atf.
iogtíimin adorável lera^^e rgdorandiaiii-osi^acerdQtes eram!
OAipp0Ua^^\Bitítgwv\h;fmnoèjde\dàg^ presença dai'
harpioDíasi tottíver^ aea^ leoilsiiiUiia .aiaoa totif alo constante* De^
peiiia jfaiDi(ía« !d€se&nolv^u*-9ei >e< tD^noansei iaoeíedade»; e » íoh
aibdif|d6^:iurgafns8Dde<aer íeziselt&açãQinOs poetad' pacsatoatu
ealioi a! iObamaiHse/ Mtbs^ Gaeeki<»e iRdma ! pei[tetidenani maisí
que oliivH-oi»iifamtai\]x}Ufceram I ti^re^ièllee (Ihjeadtfwiistassieiíi:
osíifatiirosb i í Já • ^ulaenaoi' (fiqzer; d!e9left'>«atefit iospirados oo^
eibmemo de xúAilidàdeiiCoiiii o jpawgoe^iritfii otvilitofio sf^
^Mfíaà^prdgtoUraiiiKtambttft^^ei.oa: t0iDp«s d^ agora, pd^
âtivo8i(lfiaáeiriÍ9to^< 4i efcaenoialmei^eiiQtiiilirkls, .leitgtoeiram: a
CBltiwt «ltp»Ardi;aeuiidealie (drparan <míin.|dljrejr$B< natureza
de4)D6t0i;iá)Sê:poMas^)d<)rfaoje^i0<iiiiaiJn^
trucções maravilbosas que surprehendem as sociedades pre-
sentes e lhes proporòainaw,Qfh,Mij(^ii|igU;i9«'^ij^ «em
TOMO I 15
podia deixar !dè' âer assim, •n^bmaèpòca' ekn^iO^oiflDio^
se iornòiF a ipola ireal doil interesses pbsilivte et das pm^
prías relaçSeS' irioFiies. Pawatt^air d aUencão;; pa»<pDhar
d sufffdgid de iòdós no^seíe ^dleslb ÍHiineDb(>i(arlpithlO'4e
atonteoimentds qod se agitamf tapiíe' é dia/ :é indispensavw
ião só ferir a imagioaçlla, mas; íodíspeDsavel onoslpar uim
lado úiiU nee^ssarto;, de-converiieneiáiéiraeija e pessoalvim^
poMai iFiMidir no ii|e6flio:.moMe <^ ttU('e<o bella A' pbaBiasia
qaer-se' apasioeDlpr^ innsiia atilidade!índiviãBali Imoisaiide
arieoRilpar unia neo^ãsidadei aiteadidia e'salísfeila.' Étosta á
feiplè prcíemlneale' da é^MM^i Nas enas^fqytbhotogitò&bastKVft
aiprèstigio daik façadhalf dois grandesi heroes para inâpírar
08 Hom^riàMBl' Ageit^ib bf aço< f òtebte! deíNapoteio!inr'ae<-
selaiatGrimda ^^ada a Hate*n'um sáid€minM>l>e (iraaiet^
tao eír^uèr dianie do teaodd WatertoQ Mlrò^dp garraéimila;
temeresaseameaçaddrasjiexbnitnéo DeiQtuflo poerna «[ale-i
TB ata a« decantar «limaffhoi leAoB^ É«<p0lo^cioiilriiri(»,'O'graiille
pridcipio' ^e ^Btntoi ao <|i]8l ise-id^rf^rdm-ivelihdès^de ooii-f
quistadores e interesses particulares, chaauNloteèiKeBieiíaíai
pifbiíòai qèé potTrea as^demasiaa 4a>gQ€|rpa'e"ob0^|!a/a^abbi-
gnariai paE^de^Wilifll FJ-ancai Atnd^ititiiid^KiedirMaieuin*
vá^saPa lèr mie ila cubica' dos' imperanlsa' e^ i^inlbper >a
hanfHoaíá > dos! ínceréiíses geraé^ ' ép ' vanflMiiis /da -oon^i^tal
Este século^ iiiimenso' peld'<skt] 'deBènvdlvtnaentoIntelteelQak
o ibaterial^ ãe mode v^èfm «edufêitarís m^&t o tèMiitrò« piai'
ambiçãesi 'de ' am^ eonquisibdor^ t embore . eHe : se i apt)e(iMasto
Alexandre, P»m(ièo| ou Napofe30k' fiblesi seattnDlm(o^>d6'bii''<
bi(a'de8ilielsoraidtei4emde' ceder o passo laoatitms mm^íeg^^
tíBlos B? iBodpstos; %s gpaMeé » glofw, ' prese«lefnei>l6^< ppn
se'tlâO'apdg0rem>Fapida oe AO ès>aMhsmia9 :qQe ilkomiiiaaipiir
mooieti toi^ »o: ftrmaanefilo^ '■ tOb* ^á^r ergder^se^sèbrèl 'om ipedes^^
tdr.de- asqeritímeo td >u nfíioPAl^ ^e ebse I asebníiineiitv )D3Mit p^
mattip^n'ds4»q^nid€^iiilemseis^exctt]Bfvim
senSaidaoodvenMhoiat ide ^eaila mm: l&ifstai urbrdadeii tat ^ taq
pPoTtindav ' e' mimntaniciliva, qae\pii9sm >}ái f)os Uomínid» lia*
foielés^diis^relãí^es jielitioaB a nrories' tolrè|^iSe8tsefém8'dk>
pbqniamg Abi tmm^ mèSsMtabvtbmBrirMe^jlUÀ^^
a OBceasttade <ié ! alô ' só' jiiwdrar * tr l)etlor itiâb > t^
imtiiii'Oiiillli'Vèjání'0 eaempto ddsnldisJiBaiDra^ipòetaaidflD
I OKOT
pM^riot dor moral noiferaiU ^ (^^martjj^/^atrQgs^ riiaria-i
manto ao& prelos f^cumM» pâglw(# 4^ e«siPQ pqbiUpo. ,
-^fi entra mte eg^^liodiitekra.Maior ^os* po^ta» çmfòíê, a est^
i9O¥tfiient0< qi96 é aq momatt^eo oin^p^il^Q e a índoier
4«!SQefedade«aique .Tiv^ipoa.*'.- •., ,; :r rip'-:-! . . .;.m
rO.iDspíracto e fcxgosof eantpr ãM^^Çmmf) ^vB(vào Iott
Mwtsdio naif^;flrdenle>a!t9nvic(o 4òt no^s/WtP^dfgogOi^-G
aí&da,.pqblbando. e9$a.apfi)€íav^l collacçSp â« pçe^e^e yron
sit$v <|ae. iotítiitou* O OmÍ¥k^ mai^. de. icorlq. (^ar , CQpbee0r^
dftta refifriamento 4e Boapo^ dí^ afe^n^itoíKlf^lfraeia? 4a
iiMigiiiaçSe, do que per sentir o<^>da^ f^b^^a» dafW^brh
Uianie «fflorascencia p<M$Ueai.iÍM<H}a.pM)>lk^K)dQ €^(e Mo^ilin
TIO leividaneeid esta verdade,; poiSi^i)f)epede de u^ .soberbi»
Abeei^tatSQácwca.dae we9»i49<ta9i da>^^
Sinai em PoirtugaU Qtp()eia,)iflm<iQÍWr9€^e^ocarnan$e napes^.
soa aastera do preceptor* A pioieM» YfmfN^BAa^^.com tOa
9e«Si 'relevos de ^li^v\coin «Si<msi;ii4«H^a8.s»blifBes.)i!-
bimíqar estas pagina$»4ife 4eifeaiis|an M^.^ m»iXtí»^^ poi;
todo$<'porqqat coiMaein. weoQM2^t«)ei3 yefdaÃ^. A^ pcodoch
fSes poetH^V do ire$tanlp 4o liv no,, «fia» icomo ioda« li^ |do
iHQstn» reOcrÂptor» m») recfi^ f e^W»< aisiqo ; .fpruaosps. e. ins<;
píiradoa trdcbo$„ e todoqufiifSBai de.mi^^priiiQro^ aiingfi^
portag^ea»!. A GelebMiri^ha£iai!a,!da fS^ipron^a ,/Ve^ar^*
4)liaip.€|i»triz.do Qra^rfftlpoeM.AtVadAm Tejje^ete^iprodti
gíí»Sf4e engelho 4>oeMeA> a esp^ndidas o^ntofões dp Hh
qtn^xa/^dp.foosse» idíoAia. 4|ida m ^i^rAQ^ligÂdo ii^i^Ate, yohit
llM*>a. pM* 4P)Oqtr.as.p0imí4AiV4HN*!egiepi{r6ii: q»askifi9i]al.s
r ii^man^rqfie. versQSntfiea.ea^aff tr^in ,AÍà ^!,aipisiedi94e4eíf
a»p4eirea /4*$ «o^«i9»i«w^l jtftAnr^s qi)e e^ proonrem^ a
que esses sejam tio poucos n'este tempo de prosa òtil.itárM
.niO (ibeetr^, centre *Bte,pMmP r#PV)(odfi 1 2hMrte<r<maiúr9sta
imda4?kat4eeadeeeíA{lítteiwírie.(>QrflWtaT«)iw
pi4H4ai7f 9 )e$fa)ag»4o»#)ffffi^ai8«(miQanftefil^:fK^m
«uKm.e 9ia Mi^râdfiti«aiPRli«a4Mi aftf eripf^mas íiaprei»
vistas, os espectwM«s4í^3ta4^9tçe-tf|mf#rwhêwiasi4^1a^^
l04ff]iimft'9t]nprefaiin4efitee 4e^fiii9^l«4«4^» !aiJ«fl<;es imposf
sido cón\é^\m&^^tít''esk mm^eôènõb M^ A^ exfgeiioMi
áii&'\\\2mi d0'4détat^^^éU9áMem(y^(}t)(d^pl^diy<iá«8^^ ífts-
tftniciab; Peli2hlti«ftè/>alglMS^€%(»fpWr6è/toím)SQâá obm W
esforços, tentam ainda oppor^iitfftt^ielWa dHeafáenola^. MA9Hçiiiè
p6de'Àttí^^i)d^^t)tttftt'^'èpferth(J<lèírtâdi)-'(»^^ tío fttali éón-
}énrc9o <!é'élefAêntd^t< tl9fi<''d« ^éNé^^ieiCfriStaiud^ iya$^am$
dt) teta-ploífák âffié; <jtláttdío'(/íi^l*w tfeíjfa' (>'teltíplo vfciíií
é dtscré' dêl Itetísí Vérdddeif^sA»fMlei^^MNltí-M pdde eatl^
^if* táriMf:ilEm^1ittéràttíi1i>'nSè>fe )M0 ttitfh>TlO'^iée'eaíiAf^
nh^' (!fárd>i' gflot^', '«'S(Ã¥è 'ò |^i(l(^ %fld otiieaníeRté ds 'fflotu
tídões (jile-^tTisígrtfííí éi ($ò(«Míni<«Í^'€fn«el>hos; -É 4ridrspéiiSAU
a- aoçRd isinlpl^s 'do'^ ârmmmtíAoJ'^»k^ adO)^íâ!r''biétireâ»
c(m)f»«Ca(lò'dO árâttfí áétíàíJ ' .i"!':" ■ » :• -n n -
' O Jé9^^:'dssn»MfrtWarSMf>érú^
ittereéérátti táttibetíi a a])pr([^VtiÇSb 'dáieeíff^pá dráinratioa; volò
die^bís Èof(firmâd<^ ip^âB^f^tériSiMMbi^b^ ' ' <
> Fallafifdo èe do ihesl'tfo>"aiã èrn 0díiifV'>dl deiiâri -de appã^
reeet' o^mimào tr.^lllèúilíê^^htMi ^^(míi o seu^dramal Pb*
éMtK< it|i4e' apês^i' dó k«l^dW^0dt»'lanbs' anfiosi pd^a^ ob'NHÍ
cÒMItè^^^dft^^^i^hiiO '(l(^<lhèa(f^ji'dflhftib' rep^tidía^sr
ld$ ««iCDhta^já bn^is \ík]''Wèè'«d<)^/ E será ta«fidr}ba*iáiioi
dsdó :póf-^r ò i«tf9^(^ «liiAenMr'áft)#aér«tnatiba dd*^. Méiv*
deis '£eát'?'Pafrede-it)aâ '^TÒe Ma? OsMdtitoB 81^ d^ eerto ^iMÍ^
t^os/ e talteí Mto^errémeifs m bbifekplHiirmo&^assÉn.' N^Ai^
dm ()&i^^ver ál^ljiHV''cO(^'fUfidáiHm)tor dii setii ê*le,< qm
(MaKef ' Idlsii vi Aá<> db McWr J • D)feii!í^s6' ^òer eite ^^e «persoAífiéhra
1 ) Aò(M^I«toeQÍ l)«ef nRb< édr^tto^dWfta-^sfr^hl^/^do, tni6^
fro^dr^Aiatfirii^ltiiliJMMiatío è^^MbiUdfi «conteéiiiièt^
Hifít»9^ fòi^efltelii^métíté b(«tf«té^inH(^
sempre <Mdd»op«f dé^^aMritl<4i«Mrridbi3;^utz vér waui^m
eiw (0tl«!}^a9'i^piittÍMM)i^al-«lft9^V^^
tMái|Har>Mliki4edíÇBMi]^iâJÉ «^%D^lêdHéieM)(tl?iiilMn^ii
flo!lo^J&v«|ri|k]iliiiqiw M WHyi H Hi tM ^ peta 4brttt^mai»»ii^
UTTERATUIU 229
gitima que o homem possue, pela intelligencia; e entre este
mancebo e o novo ministro verdadeiro encontrou analogias,
de que resultou applaudir, e applaudir com entbusiasmo,
porque, coroando assim o dramaturgo, deu um alto teste*
munho de moralidade, porque também honrou os esforços
do homem. O publico fez bem.
Temos ainda n'este theatro duas comedias deCamillo Cas-
tello-Branco, o Morgado de Fafe amoroso, continuação de
outra que os frequentadores da nossa primeira scena tanto
festejaram pda vercfeoisidotnyaíque a alegrava de.jovialis-
simos episódios, e Duas Senhoras briosas, quadro de cos-
tumes em que tanto prima a veia sarcástica do auctor. A
Penitencia, trabalho de collaboração com Ernesto Biester, e
extraído do romance os Mysterios de Lisboa, attrabiu tam-
bém o favor publico peta arte eomque a ai^çao se eamplica
•em' lanços de verdadeiro iotòreàae (h^amatico.
É impossível deixar de coneluir esta revista, sem ter de
avivar lembranças dolorosas. A morte. do oosso primeirp
^x>mpositòr musical^ Joaqoiíii Casimiro Júnior, o Verdí por-
tuguez, tornasse uma i^erda de que com diiQculdade se po-
derá indemnisar a classe, queelle tanto enobreceu com os
esforços prodigiosos do seu talento.
Rodrigo Paganino, o auctor dos Contos do Tto Joaquim,
também deixou a vida, exaclasmeote quando o talento lite-
rário frucliQcava n'elle com mais incontestáveis e brilhantes
provas.
Foi da mesma sorte B^eále anoo que se realisou a trasla-
dação das cinzas de D.' José de Almada, para o tumulo er-
guido pela saudade de seus amigos» que eram muitos e de-
dicados.
Não deve esquecer esta solemnidade, fúnebre pela dor da
amizade, mas de gloria para as qualidades do finado, cuja
devação de espirito sqbresahia pelos nobres dotes de um
cai^a^ter bondoso e inteiro.
Honrandoo e perpetoando-lbe o nome, n^aquella pedra
rústica e singela, honrou-^se digna e nobremente a classe dos
homens de lettras.
Janeiro— 1864.
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ALGT7XS LIVROS ipi/TpfiâJCEKlItt FUBUCAD03
o allemão Archim de Arnim escreveu ufp livro, a que
poz o titulo OontúA ^^amtoltcaf, e 08. fraocezes Tbeodoro
de Banville e Emílio Sooivéstre, e o inglez Edgar Põe, qae
ihe não quizeram ficar atraz em matéria de títulos pliantas-
lícos^ escreveram os £(mlos fÊfíèqmbulescos, os Qmto^ iw-
traordinarios >e os Contqs á bordando lago. Ha pouco o
D08S0 amigo Júlia César Machado, que tem tanto direito
como aquelles escri piores para; escrever contos, e dizer-oos
rate quaes foram os quadreis da natureza, ou influenciasmo-
raes que lh'os suggQriram^- publicou também os. Contof ao
luar.
E porque os denominou elle contos ao luar, e nãoeontq»
ao pôr do sol, contps^emroda 4o poetioo e intimo con-
cheada lareira, contos de baixo da sombra voluptuosa. da
-gruta de verdura, oontos oaioira, coalos na praia, oq contos
no viso da serra? ..{.. ..
U atíctor nSoiO sabeJ ; . /
E quem o hade saber,, se a aoçtor não o sabe? .
«E depois, eu não. sèèibem' porque chamei ao meu.Uvro
Contos aó luari>, diz elle, n'aquelleâeu eslylo. negUgeot^ 6
^ao mesmo, lèmponeentimftbial,iiqiii9 concilia tão faciknente
os caprichos e necessidades 4* phantasia com as tendências
do peito angustiado de sensações penosas* . :.;, .•
O auctor não o sabe. Mas que importa o titulo? Importa,
oh! se importa! Importa sobretudo ás imaginações 'roma-
nescas e namoradas, que, se não são femininas, vivem^ como
ellas, das suas illusões, dos seus sonhos, das suas sauda-
des; vivem emfim de todo esse mundo de affectos em que
231
iOOPi^o e 1^ pbfmtagjatomun. partes c^uae^, -e qoe fa^m
•doB. primeiros axinos da. existência da miiilber uni saei]aríO|
«m;euJQ interior. andem dese}os^ <|iie o mysterio trecata e ò
amor iniammaj.fl é por bio qnp ó título de contos ao luar
jobresaltá. e acçorda lemtranças e sympathías. Lembraiú*-
Dos aquelles lances da nos^a existência qoe fí oâoivoltam^ r^
«ordara (Mtotesítds taUvz perjurados, e avivam a imegem: de
d^uma noite feliz. lE quem sab;» sp querem dizer ais óonflh
4óncias segredadas a tnedo Rebaixo do copado uimeire» eqi
noite 'estiva? ou ^ nos pintam aqudie poético passeio, rio
abai;(04 em barquinho, que tranquillo deslisava pelas.ondas,
icomoitranquillas des|isavam, ^ brandas e ffigubiras, as horas
para os venturosos- entes que iam dentro?! Ou serfio antes
ji'recordaçSo<4las promessas que o delirk) arrancou dos lá-
bios frementes da paixlo ao par que fugiu do reboliço do
toile, e que veia, «no eirado, no caramachSo, ou junto do
lago do jardim, respirar as auras da madrugada, os perfiir
mes 'dá^ flores; q6e os orvalhos da noite reverdecerão), os
jbinandos e tépidos tsuspii^os dá natureza no seu accordar,
pbrque as lu^es dos salões^, os ottiaresi importunos dos con^
vidados e as indagações da curiosidade indiscreta eram pri-
são sufTocadora. para aquellas almas, que só entre as rama-
dqs das náurtbeíras e espreitadas peto frouxo olhar. da lua,
sentem praser em desabafar oimnienso aflecto que as a^
trabe e dovora?
> Serão. tudcJ isto os Contos aojuar?
.S9o; e se, a todas estas. scenas não bafeja a viração, em-
balsamada da noitei, soinfio as poetisa e envolve, como de
attraeU^'08 -mystiM*ioE|i a. penumbra da claridade incerta da
lop, 'todas ellas penencqm a esta ordem de sensações. O. tir
tulo inculcou-lhes mais a indole, q<le'iliés descreve o sitio
e a occasiãó. A jiivehtudíe brincando -com o amor, e o amor
vifigandcvse da leviandade conoí qde o pretende tratar a ja-
ventudé, é a fabula, constante qne se reparte nosi diK[ersos
"Opiso^ios do livro do. espirituoso folhetinista da itcjt^âiupão.
i Iforémvákiias iirat)ressões mbtivam estes quadros,' 4 lá
•está um ou dois, qiie< se (!|esiigam de taes sentimlentospaia
'dtiaarem' voar oiáis desafogada a peo|ka do^esor^ptpr^ qiue^^
sabe támpersir; . como I (poucos, >na$ cOreiSivivas> e^naturaefe
dói estylo nétrativoíci^it^^aâí daíNáztíretk^t/Umaarêáía
do Roberto do Díàbdi «s&o! duasilomlosas diíArúrãsi d^lie
. Díabrqras?!..» I>kibft]ra^,.'sim;>iei.pei^tl^ai-m6 d* termo»
porque sÀielle <èttipriniè aquellei esty lo faoilii;tpavósso^;ga)fao<-
feiro, e ao m&sino tempa a^soibbrtdo; de iigoiro&itoqaes
saotiraentâes, còm<!)t'D'deapqrlana najinRá^ioBiçãa.ál itnagsm
ÚB' donzella triste e^-syfnpatfaica, vista' fi'aai haWei atravez
•áa vertigem da poUqa 'que doudeja. ' . , •;
' Ea ^stou certo que. HKHtos leitores: .ef08tarãota| vez mais
do Peérinho, por exemplo, d^eâsa poSre (ireafuca devorada
qaelas : chammás de um amdr i prematuro, ba das Jf^morta^
de umia^le, singular aventura de dois corações que se
amam^e que o destino separa; mas eú acho mais origina-
lidade,: encontro tnais ò eset*iptor^ palpo,; r.ecoDiyeçoimais a
sua individualidade litteraria n^Fiaskis daiNaaareth^ Ler
aquella narrativa éi Viajar oqm J«iikiiAiaptiadO'; ó buvir-lbe
os seus commentoâ vryos ç salgados ide amaível ironia; é
observal-ò e applaudUhO oo.seuimode fácil d? ver as coa-
eas, facilidade que i\lò> exclue a ob^rvação do analysta
perspicaz, nem o acertor nem até o fundçi pbiloãoptlico* do
moralista, embora jovial e IjgeiroL- Gomo^aquçlta companhia
de cómicos é descri pia t Gora que verdade a penna de Ma-
-chado, como se fosse o lapts de Ga varni,. traça rápido os
peras truanescós d'aquella. pobre gente,..qjue diisfarOa as mi-
.serias reaes da sua ej^isfeBcia conoj a Qngidâ alegria com qoe
entretém o publico! Como depiois vém a; narração do ar-
raial da Nazareth, e sobretudo a pintura da rocba^ onde se
realisou o milagrel Que poesia; solemne é triste, como a
amplidão das ondas que vêem quebrar-se n'aquelles frague-
dos aprumados sobre as aguas I A praia lá em baixo, o mar
a rogir ao longe, e cá em cima, a tapetar com as nuvens,
^ penedia ergueridorsoroomo um pensamento religioso que
se alevante paha Debsi ) ,
Como é grande, como é maghifico, tudo istot
A recita de Roberto da dia^o aSo' passa de um bbistoso
brinquedo, que dá a lembrar os voos pbantâsticòs de Hoff-
mann, porém esboíçadòí; com as tintais frescas e risonhas
de Méry. AqueUa mescla phantastica damarrativa da opera
de Meyerbeer, com os toques epygramaia ticos da figura do
homem pequenino, que ,se iâiagiâe um Holofernes domes-
tico, dispõe um bello jogo de cómico e dQ terrível, de fa*
miliar, e extraordinário. Ha Edgar Põe, ha Aiexahdrè Da-
mas» ba Archím de Araiioi em tudo isto. . .
Salvador e Magdalena é um caso da vida» como qmiíIqs
>cfranmjiiA S38
<|ii^piMr M^m dtfo.^lcpb lnd^eemMe(>€dfRMmíigfaoradóâno
4lirb)Hi3o daifiKMSje^iáde^lDdiflarenfejíNiti itera itovidiade( frio
4nÉ enredo? o$ 'seoi iriesmòs<pepsmegeiisiiD3o -dieemuneiÉ
-dasetn i cobsá6 ndvdspin9s< IdClálesUi^^ayealQra/élaniniaida âe
<Í8rtáHp<!M$sia' de'''seiiUiilento'6'>dp'i6s^ylov'qiie'a'fhsiler fCi^
Quizera talvez menos abanAobd; qMm^âlgdnHiMd^estàspa^
^ioaÈ! se (deâ»{a8S0(OoPr^r >niei(ips.\a; /penna:p.qiiiÍKera'.^que Ma-
•òhB^Oy bofDOfO caysileirD iqodiH^niâ dematíada ia <rapMÍ6Z
m e^hinça do «proel é négilgentemenle lhe larigaa rede&i
(tím > se entitegi8i«/ OnuéAi cej^as; so ' âcaso- dia sua ;veia i fluente
e rápida. Âs carreiras precipitadas nem .semjpre^ldciixaai àp
•aartemeraUias, pònqae'>qsTarçps^Q{|lepiíckl do \'iolteaídor não
desfazem as escabrosidades do terreno. Como jsasi »vbtap
âdeitbealrOy.qUie dísoeqesr^Ho^piaCou' t^míbem aiiiotrer^e a
largo traço, o escriptor deve repousar de ve2 em qndiulOi»
íe olbar detofige er^seo* trabalho/ p(¥rque é assim; etn 'globo
jQ^-zeonjuncto do sed tòdò, q^ lhe abrange' o complexo, IHe
-âeieobré os* defeitos, éofs aperfeiçoa; . ' ;
'^PeíÊm^ estes di^feitos s&o lar^amenle doríipeRSddos. Est-e
desalinho, no estylò de Machado, 'constitue a fóriria »at«tf-
<jtíl,.éspoQtaóea/ transparente do deèalínho das idéas, gra-
-dofo desalinho que só pôde ser comparável ao adejar doa-
(dejânte da borboleta,. que «gora esvoaça de flor eol flor, ex-
-papdiodor.as azas dambiantés pelo ^raãoiriÈonho e maiifs^
4o; agora volteja sobre abacia <lo iago, ctijas- aguas tui^vas
(lãOi^se atreve a passar. .Ee^ta idistora de melancholia e
prazer» semelhante alabaile;qu!e resoa alegrias, em quanto
a um lado suspira a donzella ferida do perjúrio do amante
qiida abandonou^ é a vefdàdé}ra^expr^s9o:da talento' do
lailobçr dos Ccmíos ao luar, talento que precisa de acbar a
flãrma fácil, que^nãp a escolhe, que nem a prepara, nénriá
-embeUeza, poí*que. tem na phaíntasiàfògoâ impetuosos para
-desafogar, ^ no coraçSo gemidos sinceros que necessitam de
Prosigàmos n» leitura do lirro. « j
-: ) Gòmoé melandbolico o conto áo^ Pescadores de Lessa
dai Palmeiral. .4 Beot i^e vô iqoe ' lhe servom de quadro as
rochas áridas e tristes, que se debruçatíi ao longo da cosia,
òfide os olàoá, ; espi^aiando^sb: ao largo, ' encontram só 4 so-
;Udio das aguas qoe Táe. fecban com a cinta affogueada do
:liOFisonlet • '• ''.-J .<■ " '• . • • ■':•• •' :•
891 t gínmunfOíJL
Víi mad. deiStàfhcfiidr^os habitantes ,dak eastfts; aSoi sêbuí-
f ne pòetaB de fiejitiitfeitital e inistb poéskk, .porqob o.aSptalè
taimeiíso idas ondas, imageqs dOiiofiDUo, «Dgrandeeoía ím^
^na^o e eleva :o esptnto. E'i6to é yerdade* Maehajdoilaiifh
btm o iRota^ oDpta-ò porque o sentiu .e<€UYíUt quapdo mir
sitou as praias de Lessa da Palmeira. Vejam como^bHejo
«xprime ooofttaritã.nailioraKdadei ' . '•..':
e....; Quando alguma vez, por estar mni ]ri}o iO venlot,! ^
o mar em vagalhões,' nSo podiam cairia pesca (os bar^nâir
vos), o pobre rapa2. passava a tarde nai praia, ajudaade Ji
concertar as redes» e deixaodo iBftecifiiv<etHiente correr (O
pranto pfelas faces. .i ;I. .
«— *(^e diabo tens tp, rapaz? ^tergpntavam^he oacoB^
panbeiros.
( c^-Tristezas a que sou dado! respondia ellp,. sorrindo se
á^sfercando. isto é do siíio. ' : . . . • i - ^i,
. «Os barqueiros espalhavam a vista em» redor, e paréeiana
dar^lhe razão. A natuk^eza, alli, . è' tudo; naturiSKa agreste,
ainda que cheia de encantos em 4odo ,& séili tom de metaii-
cbòlia, de saudade e de fé. Rio, arvores, e mart Esfi-se
^m alli, mas senle-se a necessidade de chorar.» ' --
Este conto é um dos que revelam a indole poética, do
auctor. Parece: até qqe.Machado nasceu qm fheále da poíe-
-sia grandiosa è scismadora das aguas.. Gomd é bem contpda
•a lenda do Senhor de Maihosinhos, lenda ^ue a crença.^
pular conserva da mesma sorte :que O; mar conserva,. e reb-
peita a singela capellinba edificada na praia; inâo apenas
<beíjar-lhe os maros, quandQ» as rajadas da. borrasca i>tin|-
pellem a esseiarrojo. ' i u.: •
{ Depois vém< Á Noite de S.J^m^ essa noite deamoresite
preságios ponqucanoeia o coração da donzel^lâ, e t>a qilaiia
icredulidade de povo véipil.valâcHiios «proferidos áiloBidite
•'fogqeiras, tio rédemoiniiar doudejamte das danças, i^s.tOS-
coDJurós^ que: o:qmor consultarei quê ainda, passad^strl^-
pos, lembram com terror ou saudade. Poética e popnlaris-
simã noite que os moços.>coQK'eittem tfdm periodoi fetíi da
sua existeotiá,'^e^ á.qoie. os; próprios : velhos* assistem idé la-
^imâs nos olhos, ip6rt|tie scj >recoráaiK da mocidnde^^ (^ue^^já
tVíie longe enío fvoltaj . , .'^'::r ; . >.:!m.
> Estas crenças !e'fes<i98popuiarei9(iD8da^perâeali da sud>(k9i-
ç&o^ primitiva deiscriptasi poniMachado, aqtesiadquifémii^âlÉa
certa cõr de tristeza, um poético vago» tão de accoird&iaodi
O rsentimefrto poético pwmuIaPi et iq^e leiqbni algiupip copsa
o ideal 4a mebiocbolia alIemS^
Só e&cofitro iim defeito qoa Pe^ocf^^es^ úe í^esia; è v^
laUar equella bôa gente a ^ua liaguagei« própria, k sr.* Apoa
exprime-ae cooto uma^paisoa da capital ; e, inais ou qieno^^
oa oulros íodividQos d «íBate. quadro m^fítimo» por i^soiati-
0am iDom a figurada a siiaigjeiÁ iloguagem da geoie do mar^
CoostiUie esta uma das, maiores. difficuldades n'e$te^ esta-
dos ^pulares,. porque é o seu viver» o seu peosar, os s^up
costumes e inclioacSiea, maoífiostado tudo na palavra.
Dos Noinooit declaro qoe.olo gosto tanto» Aqui. o talento
fabril de Machado, que bprtiolotea como o esmaltado insiectp
•que salta de arbusto em arbusto» dá-lbe para philosopbar^
ser atè ídissertativol
Vejam que transtorno.l
O dialogo toma por vezes o tom, e até as pretenções de uma
eatecbese sentimental. O amor ,é mais discutido, qqe sentido.
Carlos Eduardo, quando, .namora, moralisa, critica, chega a
pregar; e os amantes, os verdadeiros» sentem apenas e apai-
xonam-se. Nada mais longe :dO;4iscurso que o amor. Car-
minho éque éuma creatur^ sjfmpatfaicà; inconsequente, sjm^
mas reproduzindo naturalmientB .a. phrcmetica volubilidade
dos quinze annos na muUier. O seu ami^nte, porQ^B, não
.passa de um d^estesDesgenais, que só Octávio Feuillelsoubo
exceder pa feliz creaçau doiseu eayalbi^iro Car^ioie da Doi-
JUá. Estes mQrali.stas» q(íi$/ andam .á espreita da primeira
palavra que escapa, de qualquer. puapiro que lábios distraí-
dos 3oltem, de um vestido .mais Durto que apparega n^.uqoi
passeio, ou de uma muU]ker deitri&ta annos que, dance .a
polka, para nos dizerem ]ogo.que<^o:0M)ndo está perdido, 'e
isto no tom grave e sisudo das máximas de La-Rocbqfop-
.cauld, estes ^moralistis fsizem^e leinbpar aquelle per^<^na-
gem de uma comedia de Rçgnar, qiue destaoitpava com a
mulher, com os filhos» e^atè ^(som a vjsinhança, querendo-os
chamar aos bons caminhos :âa; moral, .e ia depois muito s(i-
tisfeito de si mesmo, passar a noite em casa da amasia..
Passamos ago.ra a. outro liyrOè em tudo, diverso dos i(l[on-
to8 ao, luar, porque nem é de ooqIqs, porque. é >de hístiffcia
e historia escripta na memoria^e ao xorac&o d.o povo^ .{^epi
tSo pQuco fora inspirado pêlas^ impressões, da poesia suavi^,
. senão pelas recordações |tttrioticas (davindependeiMiiia . de, Rof*-
236 ^imfí^utmik
'■ É diflíéil passârde-tttti-livròniiaftanesco a^oi^^
toria, e de historia severa, potvjtíèo bufetór dos JBHí(W *«-
^òícò^ irtqoiíHuos ãt*dhfvo^V manuseou 'bs'fíhirOíiicas"e devas-
sóú^as épdcas, 'pardal áyjtillisítar à ver(laiáte''do?í fàctòs-loniados
cara afeàbmptona giílefrift dé (|uadno|sí(joe nos apresente; -
•' Eréírtittenle a hettbtimá oottsíf^j^Ae^riielhõr compàrar-se
éí^W' oÀt^a do sr. Pdt^eiradâCiibto, do ({in atima galeria de
fitnrlia, 'onde o ré9peiÍO'dos s«i]à>6 a veneração traditíonaíl
íièíjamcollocadó' os diteffeòs: retractou dosvarõeá e dona^»
brazõei lYrefragaíveís da hobrèw dfe orna lortgá estyrpe.
'Más n^ôSíía galeríai que é prefdara, fforque a lílusttà o
%btHitneíriítò ênergteo ^ amfifr dà' p&triai; e lohgá>' por qbe
'at>rahgeos succeSsasdd^varioBifceculoSj' figuram só muibe-
res. Exisle unicamente uma differença i vé-sè alli a iataltier
do povo e a descendente dos reisf/poréiffí o affecto': heróico
^jielàs cotisâS da paÇriaf' égtíâMs» ailodafs. Hoje' a pòsleHda-
5e chamal-lhes' heroihas, e quando' ti vet- de as mencioríar,
nJo pódé deiícar dé colllgir Jos seus retratos, e pendurai os
iodos no níesnio salão de h&nra, como fez o auctor dos
Brios heíwws das )^rííêgukza^. Jidco lonj^e da temerosa
Ignez Negra, que, étn feWga^smgularde braço a braço de-
fende a praça de Melgiaoo dhmvasSo' dos castílhanos, lá va-
mos stírgir o Vulto severo 'de Brites (íonsalves de Moura,
a nobhe e solemne pèrsonlllcaçio da cásiellã de outras eras;
~è ao lado da decrépita e' engelhada Iria Vaz, cuja patriothca
indignaçuó livra Santarém' ^o vilipendio do jugo hés;][)aDt)bU
appar^ece a ^rave personagem ddduqoèza de Bragança, D. Ca-
'tharina, què, com odeedem altivo do direrto bíTendldo, des-
pede o próprio Pbilippe II,' elbémillogra os projectosde
apossar-se doestes reinos' com as apparencias da legUlmi-
dade.
É mister, porém, oSò disfarçar *o pVoposilo doeste livro,
porque o auctor é o tnesmoqáb ò' declara, e como alardo
que nM excltie a ufania: Nãoièm nenhum outro fito a obra
^e Sê' vae Ur, diz o ^; Pereíira da Cunha, no prefacio de
que a precede; e este /I/o '(cominua; elle) é pôr em relevo
o heroismo dás nos-ás contí^rraneas, mais famosas pela. sua
adhesão é independência e ab bom credita do reino, com o
éuplieàdò intento áé concitctr 'oi -brios na^cionaes^ por- meio
db influxo saudaviU f d^ lènibrar^ também aos esquecidos
que, em Portu{ial,muiiãsmk^rib0$trdn soberba hèspanTwla,
FORAM DE SOBRA AS MULHERES, asserção esta que seria teme-
r^pia,.se.Dlio fQ9M ve^d^dwq. X^(|Ha.iiâffei:(Uvan)enteft<PQjq^
c^S| bjfiforits dq. nações .Q^M^iecJdaail^Wi^iBi»,' coma a.bialonifi
i^yAgwi^f n>3ÍK/asl«tí|a64^a9&irfq!f«(piniQ0 cpntna ^s imr,
mW^fi^ di).pr^dQroii«i^flstMi>fwv ]RiiíK:sei,.^e por uin«i l<ai pron
videncial, se por coincidência qv^ei^iifpnia ãQ;a^M),se uci^
cuaibiu..d« opecanvfivuiti^.Wjftiffia^íina. parte .dp&inobres
repttlw^icom -qjjft Q,iuai|n(^,iíft7iQWaflQvo. saciuliu;,fypi \o^
otmW.^^^^^^^^^t^-Oí^ ;»eoapne .de {leítof
feminino. ..m».:uu;.; hm. í-.I» i- ■.•.!. rjini jh
.. Er.DliOi 8Ó.o.p!^tOi(.aw^(;KtJ9: RiK)prí9^braço i^i não ipQijcas
YMfl9i 9í (íl'les4?^&í.w^f^an«íS|i bftriífiirps 4q» brios, da Venvdaoií*
€i>ittQi Pifo» v$çi.,íjntc». wjrsia* « twrjvplJBrj.i;ç^ da;Alnieiii9u
9^<fm«erada padeira. jda AUllt^^f rotina que. ró/ i su^iifiont^
s^t¥)dQ^^ ljepdak.'e#Píti(ou(,s«|f^casi^e)baf)oa«xi)ai aq^^UakMi
menda pá de forno, que ainda se conseryom dapoiSup^.iAM
gp ,\Aíujpf) leiQ. Al(p^gai)i9p^Afl>^/e«n{]i^ho quQoPhilippe II
P92ieraí.iem a 3Mmir, o qnii(ji^c^<pnsegviivi«.grdca3'ás.^vati
siv9í».<^omique.lb«i |rn»Uirpi»}#>iHQpQMlQ;4,^ y^rea4offa«^dar«^
,M9^.^&,o,iojU>itO:;i{)|0ljfj|S0^imx); iQtuUo. ^ oacjpnal ^.i^r-
U^to. pQbre.alé:.ceiit^;pe)jiM.Q, jp?rp. par iwo taes s^nlim^m
tosi^.qqa 4iàsAçHm de!6fj?,gríAo§ ?k,íI»^05 que.çe pra^am
de, r^cofidar DQS3f)s .íi^^I|s £)()ri;^,ie i^S^^ dia, iudepfjnd^Q^
cia, deçcvUpaqi^ ajgmujsi^. p^gioiaf.dQdUvr^K dçi ^r. (^er^ifiaiâ^
Cunha do azedume parlid^W (IW\^^ irrU?-! À s^Ú9 i^lroijípc-
çSa^i prinpipalrojBftte,niCheg%.a-.lonmp pç..inodos ígg;:^sivos
de pftmpbitíío .facfiÍ9«)HíWê:W.,|(QgPiqi» ft.o !pis$.ipi)ani(x dp
um^ religião poliiioa^ (iii^qn.piaMiPO tainbf^ qne,;yas falR
l^ffi ^ bem se.í^d^dpawr.wei.p armqwia.íiS3Ífn.JEs^,dpc|a-»
ragSo,teai e :$ii)08ra ,^HfJAF^90/»im* iffias d^lai^açSi(>,de.4M)
cortoiífredOifluftTlãfl «íO.dfl .^odQÇHdq sjíppipalbias qi«i fqW|
id«.^fi(riandp», ^:Pfi«(]ilefisQe9'|qq«;jp, a,qxpflpend^.mip.apaT
gp4(H ,da .^PU)H$j^iQf]|S^;4WÍ PI>Prpgri<F^^O d«scou$a$ tçn,4^
ipyeií(f»dQ w (?w*qra^,:jji?jp,páíe,íípiiiaf (Jflf,6r4e3flbre«yi#ft
op Witpi^ qpe D^i»fJiwlÍn»n.ih9Fa.,?^ ij^íiíÇçs.fíefluctQÇi
O livro lese, e com desenfastio, e com desvanecimentq f^]/^
porque varias das suas paginas, pelo vigor do perfil e bri-
lho do colorido, s3o gloriosos retractos éa nosBh fooililia
nacional, que olhos portuguezes nSo podem avistar seu or-
gulho, porém haveria mais desejos de que o pintor nSo ata-
viasse essas nobres e audaciosas figuras de umas certas co-
res e insígnias. O sr. Pereira da Cunha armou-as a todas
eltiztidob dê úfiú pengaiwetoti péitttid),: e mandoa-iis i eoD-
qtústà éú Smicto 8(eptttctin)iJ;i'Sé|>cílchro?l déeerto, porque
a Mstoría dá pasiso^, cujo |yrô tiSo iMMte Vir d enfeontrM^ de
oovo ^ ftíèánftasí era^ doMe paHlu. Sssft^ ébcerra-a» o teiii-
pén e a reMvação dal ídéa^i
Eè por iâto qiie éii qllil^HiqM os Bríoê kerôkos, s^m
|)érderèm id9lit)efdadè3 d» v^rilioa hí^ioriòâ, fodsenr menos
(yéiMico^, ô Sobretudo que ti^ásetetné&ob os âdllbnues
de uma determinada doutrina partidária.
' E adoptando este'sy^teittti: Afio offendería o aoctor a ín-
dole das^^soas berofnàs, pòrqde a Itídependencia, a* altiva
lAÍte eoihmúm da liberdade^ é dsl Mòíonalidade» foi em todos
0!Éi tempos o voto, ú fito/ d^ bidáo de todos esseá avriMiòs,
dààm ^hfàr qae torcer i qcfO osr. Pereira da Gunblr ISo
btt^ihoíiénie reuníor.
*- Ntn enlato (digaf-sé á veí»dlHie {tara jost)^ folta aos raros
dotes do escriptò^), ésCe preipodito insistente encontrado
40BSÍ setilfpre fSrd hisinoanteáfieMtis identificado òoMiòpeiisa^
mento ^eral das glorias d'esta terra, qOè áO leitór suoeede
t|ue aconteceria ào individue^ qué pi^aséede um ramè^de
f^útt^l r que,' embeNrekídO' á cónten/plal-as, se Híe fossem
6« oibos f)ó'^u nbáiKz, e é>s'seiltirioi todos se It^ artobas-
seoi yydsseiu!^' aitmiaisl settl^arpoi^e entre eitali se es*
èòndia b èspmbo dé toilòii ootrd afrbfoÀto silvestre.
'' É este' ò 'coòdló dòs Briái k&óiéós.
Ò-^que desejo, ém t()def'0''clisò^ é que b seguhdO' ^blonie
d-eâttt sêrrer apparêça em breve. "Queremos todoè ttOMpleta
a 'galeria, eaâ^m fidafettío^ dott tidl livro de curiosa noti^
cfiatiarai ^s fftveslfgadòréâ da nbs&a história, e de tangia
Ateo' recreio até pãHa O sextyfediii^ido, qtíe deve de 9er o
ffflttiet^d' a proctofU- e a dá^at^ está' linha^m ' de < m^ribe^
HM' òèflebrès, 'c(od excéiisMproédíá» trmdmrram- dá: j^esma
tíkhm; er ttídeai' senhoi^^ida jM^èsMtH épotíá' encdntrakrSe
ttíétivo dé (yr^Miò, jjiorrqué^^è «eáj^rè mwy p^ra hobMef aU
tívtéss b 'iâbei"'^ l[)oèi»idd$'tiM qiíiftbSb tiifsglbi^aé da
jllsítria. '■■•'•' '.'« .... f ■ r. í. II- .•.:■.! -.'
-*:lf. í -.'1 í •: :. i ' . •> .!• < > li -• •..:' i;. ' ■ ' «•:,<•
III. I
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iRTROMCI^lO.
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Ahtoííio. FiELièiAiiro tó tlXsT^tiò.— Dos eíliWòs àdís lettfis gregas e la-
Imas— Falsos priQòi^Çols da Ufteratura mythologica— Â imitação etH .
Acta com á! Wttiré^á^é missão da Vék-dadelra poesia— 6b d^sicò e
A) roma^tico —Kesfi^^^ mo^erjia^ Q genii> poético 49 to^os^ os tem*
pos— A paraphrase dos Amores de Ovidxo^ pelo auctor dos Oiumes
do Ativfe-^Otiãib e Bett pd«n«Er— Atvályse do pi0émir e-dá pai^ -
phrtiie ;......... ».i./...uv i ' 1
Luiz knoiow^ RebcimíO «^ ^UiVAi-^CoBatço 4a Sool^^ade fi^oolaslioo-
PhUiHnatioa— A QQf^mocMademteram d^tojtríRMt af)P06'*-*0 re-
nascimento romaii|ic«i ^ of\eíf^ÍtOB exagera4o9 4a j-amaoíifiiwQo-- O
romant^e histórico --.Q^t^nèloff^. da i^; ^roíMíii «do Mf9ír$ Gfú^(>
> impulso partido de AllepmMWtiâ de f/'ança gèoeralw^âentre^iH^
— Byron e os seus poemas— Influxo de todas estas causas nos nos-
4q% eseriptof es— o itottfso por ^omMj^i-i4 tlIffiMtf «MHUtt elè i&utta
.,em Âz/vo/erra- Rebello da Silva ^oj^^i^pr p9|ijljíçp— Fun^açãq do |
Curso Superior dèTéllrás'. !'....'....* ..'..'.* tà
Ròdrígò dá Fonsécâ Magalhães.— a Imprensa tornada arma insidiosa
-r4^ Amor que o iUustre estadista confia^mni ai esta iutítiiiçiii-^ Des-
assombro do seu caracter e a Revista do armo no Gymnasio— Os
calumniadores e o homem publico— O paoegyrico académico do
sr. Latino Coelho e a escola politica de Rodrigo da Fonseca— A In-
glaterra e a sympathia pelas instituições liberaes da escola ingleza
—Discursos do grande parlamentar— As necessidades da politica
appellaudo para o seu tacto governativo— Sua ida a Coimbra— O
grande estadista no gabinete e na tribuna— O jornalismo escola
pratica dos maiores estadistas— Talento oratório de Rodrigo da Fon-
seca—Famosa replica de improviso ao discurso do dr. Bazilio Al-
berto— Morte e funeral .!...« 67
83ft / iUmMioui
Dní niQd;:deiStiifh»cfiie:!OS habitantes ,dM eostus. aSoisni^
ft% poetas^ de âeittkttehtai e Inbtb pod$ia, popqob o/ailpèolè
temanso idas ondas, imsgeqsdo.infioíto, engrandece. a ms^
^Da^ e eleva :o espiritto. Blíelo è yerdade. Maehajdoiianíh
èem o^nota^ eapta-ó porque o sentia eeuYiu, quapdoivl-
sitou as praias de Lessa da Palmeira. Vejam comotbt^e.:o
exprime coia tanta. naitpraUâade 2 ' < V
c..,.QciaDd0' alguma yez, par estar m^i Ftjo lO venloi,! le
o mar em vagailiões, nSôi podiam eair.i ]M)sea (os bar^nâi^
ros), o pobre rapa2. passava a tardena* praia, ajudando a
concertar as redes, e deixando iBseoiivetHte&te correr lO
pranto pfelas: faces. • ;í .i»^ \ •
c-^Que diabo tens tp, rapaz? <pei9|intavamilhe os cooir
^[lanbeiros. .
í c^»Tri8tezas a que soo dadol respondia ellp, .aorríndote
4^$fcirçando. ' Isto é do siíio. ' : . ; - .,1
. cOs barqueiros espalhavam a vista em» redor, e pardeíam
dar-lbe razão. A natuk^eza, ail^, . Ê tudo; náturiBiza pgreste,
ainda que cheia de encantos em todo, o sieik tom de tnaiai^
cbciiaj de saqdade e deié^ Rio, arvoneà^ e mart fisfi-se
-bem alli, mas sente-se a necessidade de chorar. > ' >->:
Este conto é um dos que revelip a. indoie: poética, do
auctor. Parece: até qqe. Machado «nasceu .qn> fhente da pde-
-sia grandiosa è scismi^ora das aguas.. Comd é bem contada
>a lenda do Senfaor de Mathoçinhos, lenda Hfne a. crença j^
pular conserva da mesma i sorte 'que a mar. conservante vÁ-
peita a singiela capellinba edificada na praia; inâo^^peiúis
•beijar-lhe as muros, qnando.^as.rajadas da. borrasca o^tint-
l^ellem a esseiarrojo. ' i . n :. t
( Depois ván< bNoUb dê 3. Jòàoj essa noite de anoiareaiie
presãgios pofiqueianepia o coração da donzeUá, e i>a qikai/a
ícredulidade de potvo véipil. vaticínios «pô^oferidoá á>liiBrdais
•fbgqeiras, tio rédemolntiar' âoudejante das danças,. >ntos.iS9-
eoDJuròs^tfue oiqmor cohsuiiá^.eiqHá ainda, passadasile^
pos, lembram com terror ou saudade. Poética e popolaris-
sima noite que os moços «conK^eiftem ri'iim. período feiíi da
sua existência,' «^ á.qtiei oeíproprios-velhosi assistem. idè^ la-
cunas nos olhoss iponitíe sq >réooráaw da mocidade^\*(^e>^
,vae longe enSo ^vollaj . . ,- •.• i* . . >» i! )^ .
- Estas crenças le* festiva popuiapei3iiDàda,perdeoi> da sud^fei-
ç8oi primitiva deiscriptaSiponiMacbado, aqteaiadquiiPémiálÉá
certa cõr de tristeza, um poético vago» tão de accotrdoiQodi